Adir Cláudio Campos: Democracia participativa
O decreto nº 8.243, editado pela presidência da República para regulamentar a Política Nacional de Participação Social – PNPS, tem causado muita discussão de natureza política. De um ponto de vista jurídico, as acusações de inconstitucionalidade e de usurpação de prerrogativa do Poder Legislativo não têm o menor fundamento. Sequer procede dizer que a PNPS visa instituir no Brasil o modelo de democracia direta.
Por Adir Cláudio Campos*
Publicado 10/11/2014 11:09 | Editado 04/03/2020 16:49
Veja o que diz o demonizado decreto em seu art. 1º: “Fica instituída a Política Nacional de Participação Social – PNPS, com o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”. Aqui não há espaço nem é meu objetivo esgotar uma matéria dessa natureza. Contento-me a trazer só mais um dispositivo para uma sumária análise. É o inciso I do art. 4º, que diz que é objetivo da PNPS “consolidar a participação social como método de governo”. Creio que se trata do ponto central em torno do qual se embatem duas grandes visões de sociedade atualmente.
Qual a razão de tanta celeuma, uma vez que a consulta à sociedade já tem previsão legal em diversos assuntos, como, por na Lei de Responsabilidade Fiscal (aprovada durante o governo de FHC)? Veja o que diz o art. 48 em seu parágrafo único, inciso I: “incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos”. A propósito, a Cúpula das Cidades da ONU (Istambul, 1996) reconheceu esse mecanismo de democracia participativa como “Prática Bem-sucedida de Gestão Local”.
Se bem atentarmos, a Constituição Federal prevê a participação da sociedade em vários temas, como se vê no art. 204 ao dispor que “as ações governamentais na área de assistência social” será feita com a “participação da população”. Poderíamos ainda citar muitos outros dispositivos constitucionais e infraconstitucionais.
Não há por que temer a democracia participativa, que visa complementar a forma representativa e conferir maior legitimidade e transparência aos atos do Estado. Afinal, não se deve perder de vista que o poder pertence exclusivamente aos cidadãos. Como podemos temer que o povo venha a exercer de forma efetiva um poder que sempre pertenceu a ele (parágrafo único do art. 1º da Carta Magna)? A menos que se considere um dogma intocável a forma de democracia meramente representativa.
Os adversários da democracia participativa não contestam, por exemplo, a consulta que os governos sempre fizeram à Febraban (bancos), Fiesp (indústria), entre outras, antes de editar medidas econômicas; por que então não ampliar a participação de um número maior de segmentos da sociedade? Que perigo existe em deixar o povo se expressar por canais múltiplos?
Por fim, é importante observar o que deveria ser óbvio: a PNPS não dará caráter deliberativo às entidades sociais. Nenhuma atribuição constitucional do Legislativo ou do Executivo será invadida. Mesmo assim, a Câmara dos Deputados reprovou o decreto, mas o fez apenas por razões de natureza política e, inegavelmente, ideológica. Venceram aqueles que insistem em manter o Estado hermético à participação popular, mas sob a histórica pressão e ingerência dos conhecidos lobbys que sempre mandaram na República.
* Adir Cláudio Campos é advogado e militante do PCdoB-Uberlândia (MG)