Entrevista: "a universidade deve estar a serviço de quem a sustenta"
Marcelo Arias, quadro do PCdoB de São Paulo e um dos membros que compôs a comissão eleitoral para APG da USP Capital, em entrevista ao Vermelho SP, falou um pouco sobre as atuações do movimento estudantil na USP até a vitória da chapa “Unindo Forças” e quais são as bandeiras que a nova direção da APG vai levantar. A vitória do coletivo "Unindo Forças" com o total de 391 votos do total de 594. A chapa obteve a maioria da direção com participações de membros da UJS e PCdoB.
Publicado 07/11/2014 00:33 | Editado 04/03/2020 17:16
Como o PCdoB integra a construção desse coletivo vitorioso?
O PCdoB compõe com outras forças o coletivo: "Unindo Forças", na Universidade de São Paulo. Esse coletivo foi idealizado por aliados na pós-graduação, numa época em que o movimento de pós-graduação estava aquém de nossas expectativas, e o coletivo é composto na tentativa de unir e integrar representantes do interior com representantes da capital. Porque historicamente tem na USP um processo de alijamento do interior. Como a Cidade Universitária é muito grande, o interior acaba sendo um apêndice da USP no processo de decisão política e participação. Então para superar essas barreiras foi construído o coletivo que vem crescendo esse último ano, principalmente pautado pela ação da ANPG e se contrapondo há um modelo de desenvolvimento liderado pela outra esquerda na USP, forças como: PSTU, Negação da Negação, PCO, etc., que se pautam por aquele movimento histriônicos que a gente está acostumado a ver.
Como assim movimento histriônico?
A resposta pra tudo é a greve, paralisação, cadeiraço, movimento da vanguarda da vanguarda que não representa o conjunto dos estudantes e não constrói na pluralidade, na diversidade. Sem dúvida tem algumas pautas avançadas, mas que é profundamente "umbiguista". Então é um movimento que olha a USP, pela USP e para a USP. Constrói um muro em torno da canmpus. Tanto que a principal pauta desse grupo político é o da democracia na universidade, que é muito importante, mas que interessa especialmente aqueles que querem disputar o poder. Quem vai a universidade para estudar, se formar, pegar seu diploma e entrar no mercado de trabalho – que é 99% dos estudantes da Universidade de São Paulo – tem outras preocupações além de disputar o poder. É claro que universidade democrática ajuda a melhorar as condições de pesquisa, mas é dentro desse bojo que a gente deve enxergar a luta pela democracia.
Como podemos entender a diferença que se estabelece do coletivo "unindo forças para o que estava estabelecido na USP?
A outra forma de organização que nessa eleição assumiu o nome de "Pós Ativa, Voz Ativa" se deram nas diferenças centrais que abordei. Uma coisa é você ter o debate da democracia como centro e outra é fazer parte de um processo que tem como centro a melhoria das condições de pesquisas e trabalho dos pós-graduandos. Foi com essa bandeira que, inclusive impulsionada pelo congresso da ANPG, o coletivo cresceu e teve a felicidade de ganhar essas eleições e hoje compõe cinco das seis APG's da USP e ganhou a maioria dos representantes dissentes da pós-graduação.
Pode avaliar essa eleição como histórica?
A gente avalia que é histórico porque pela primeira vez nos últimos anos, a gente tem a possibilidade de construir uma nova forma de se fazer movimento estudantil na universidade de São Paulo. Agora não temos condições de só teorizar, dizer que os outros estão errados, agora a responsabilidade é nossa de construir uma gestão que realmente dialogue com mais estudantes do que se dialogava, porque o principal problema é que os limites do movimento estudantil, organizado nesses moldes mais histriônicos é que ele atinge 200, 300 estudantes, num universo de 21 mil e isso por e-mail, porque quando você vai para assembleias presenciais, trinta é o pico, solta o rojão que assembleia está cheia. Então em nossa opinião, não dava para se conformar em ter um movimento pequeno desse jeito, obviamente tem algum sintoma errado. A própria construção da nossa chapa é fruto disso, construímos uma chapa três vezes maior que a deles.
É necessário fazer muitos esforços para integrar as pessoas, garantir a diversidade, a pluralidade, as diferentes formas de opinião e uma pauta centrada no interesse cotidiano dos estudantes. Se as entidades estudantis não forem não puderem atender esses interesses cotidianos, quem poderá? Talvez tenha uma confusão na USP da forma partido com a forma entidade estudantil. Essa confusão é porque a maioria dos partidos dos grupos políticos que atuam na universidade de São Paulo não são partidos, mas são coletivos políticos que não se organizam institucionalmente como partido e reproduzem seus métodos para dentro das entidades estudantis e isso afasta o estudante que não necessariamente quer se organizar em partido ou estar na vanguarda de uma pseudo luta revolucionária.
Há quanto tempo o PCdoB não entrava na direção majoritária?
No movimento de pós-graduação as coisas não são tão demarcadas, mas a gente pode dizer que a última participação do PCdoB na APG foi de 2009 para 2010, uma gestão que acabou no meio da greve que não elegeu sucessor e na graduação a última vez que o PCdoB teve participação numa chapa do DCE foi em 2007.
Quais as principais bandeiras da APG?
Além de uma nova forma de se fazer movimento com mais diálogo, uma bandeira com mais impacto é a defesa de uma universidade mais universalista, estamos fazendo combate a um projeto de restruturação que está sendo tocado pela reitoria e a gente apresentou nessa eleição uma nova visão sobre esse processo. Outra bandeira é o nosso processo de internacionalização e a USP está muito preocupada com isso, pois está num processo direto com o centro do sistema com EUA e Europa e virando as costas para o sul, defendemos fortemente a internacionalização sul-sul da universidade.
Estamos muito preocupados com a interdisciplinaridade que está sendo deixada de lado em detrimento da produtividade cientifica que a gente sabe que vem as custas, ou do adoecimento do pós graduando ou que a gente chama de “fast science", onde o cara faz um artigo e corta em vários pedaços e publica como se fosse vários artigos. É um processo ruim de autoengano que não traz relevância nenhuma para a vida das pessoas.
Outra questão central são as bandeiras cotidianas que é a luta pelo passe-livre, por garantia de acessar o bilhete único no trem e no metrô, ou seja, são interesses básicos do cotidiano e que precisa ser assumido enquanto luta, porque as entidades estavam a serviço de outros interesses. Quando falo em entidades, estou dizendo APG e DCE, em especial a APG. A Universidade de São Paulo que é a maior universidade do país, onde moram mais de 2 mil estudantes no Conjunto Residencial da USP não tem nenhuma biblioteca 24h e em muitas universidades do mundo e do Brasil tem.
Nós representamos a ideia de ciclovia no campus, inclusive para aproveitar a onda da cidade, porque entendemos que o campus faz parte da cidade. Aumentar o número de linhas na Cidade Universitária porque é insuficiente o que temos e quando chega a noite se torna um problema, no domingo então, é um absurdo. Na verdade você poderia ter outras formas de transporte que não seja apenas os tradicionais, temos que pensar nisso, debater sobre sustentabilidade no bandejão. Temos falado em manter a APG aberta, coisa que não acontecia, ou seja, construir uma entidade de verdade e não um aparelho político que serve para projetar um ou dois quadros de determinadas organizações.
Em relação aos investimentos da universidade na pós-graduação, em termos de estrutura?
Essa é uma das principais questões que a gente levantou. A partir do momento que o professor Zago assumiu a reitoria, ele anunciou uma crise financeira na Universidade de São Paulo da qual, desde o começo denunciamos que era uma crise falsa e continuamos com essa convicção, porque a USP ainda tem três bilhões de reais de reserva. Uma reserva que precisa ser gasta nas funções finais da USP que é o ensino, pesquisa e extensão. Isso não quer dizer que não é preciso ampliar o investimento público na universidade pública, porque a USP, a UNESP, as FATECs passaram por um grande processo de expansão para atender os interesses políticos da sociedade orientadas através de seu governante, só que a sociedade não quer pagar mais por isso.
Nos últimos 3 anos foram abertos mais de 80 programas de pós-graduação, quase mil vagas para mestrandos e doutorandos e não tem um centavo a mais por isso. O ICMS, a cota a parte das universidades paulistas permanece os mesmos 9,57% desde 1988 quando se implementou essa medida. De lá pra cá as universidades cresceram muito, é claro que a arrecadação também cresceu, agora o fato de a arrecadação ter crescido só mascara o problema, porque resolve o problema para cada ano, mas quando você chega numa situação em que a crise internacional nos atinge, qualquer queda de ICMS é crise.
Na verdade, a sociedade precisa pensar a respeito e a pós-graduação foi o setor que mais sofreu, porque foi onde tiveram os cortes de bolsa, especialmente nas bolsas PAE (Programa de Apoio ao Ensino) onde tivemos uma reunião com a reitoria para apresentar as propostas de universalização das bolsas PAE, um estágio de professores onde o estudante que é bolsista tem um apoio financeiro para exercer a função de estagiário. Além disso, teve também muito corte em publicações, viagens, congressos, o que impede o crescimento de programas mais recentes, prejudica também a avaliação como um todo.
E como essa crise afeta a comunidade Uspiana?
O que a gente tem identificado e essa é tese que a gente apresentou a comunidade Uspiana é que esse sufocamento ele não prejudica tanto as áreas mais desenvolvidas como química, física, medicina, engenharia, etc. Áreas que curiosamente, de onde vem os principais dirigentes da universidade. Então tem algumas áreas do ponto de vista de financiamento da pós-graduação que tem financiamentos próprios, por relações históricas com a indústria, com a Capes, CNPq, Fapesp, etc., essas áreas passam ilesas pela crise, porque tem condições de se auto-sustentar em detrimento de outras como humanidades e cursos sociais, enfim, outras linhas não hegemônicas que tem igual interesse da sociedade, mas que não tem igual interesse do mercado.
E o que fazer?
O papel da universidade pública deveria ser proteger essas linhas menores, mas ocorre o contrário, ela se dispõe a esse processo de estrangulamento. Acreditamos que a pós-graduação está sofrendo muito por causa disso e vai fazer parte do papel da gestão da APG organizarmos a luta contra isso que estamos chamando de universidade mínima. Esse modelo de gestão: olha, a pós-graduação que se vire, quem conseguir arrumar dinheiro arruma, quem não conseguir eu não posso fazer nada, é muito problemática, porque vão sobreviver aqueles que estão mais aptos no momento e não aqueles que são necessários ao desenvolvimento nacional, que são necessários a satisfazer os anseios do povo, afinal, a serviço de quem está a universidade? Nós acreditamos numa universidade a serviço do povo, suas necessidades e ao desenvolvimento nacional.
Para nós, é importante que se desenvolva novas soluções no campo da engenharia, da química, que gere novas patentes, produtos que possam interferir diretamente na balança comercial do Brasil, mas também é importante que sejam desenvolvidos novas técnicas na medicina, novos formatos na gestão pública, sejam feitos novos controles e novas tecnologias sociais para economia cooperativa, de empreendedorismo que gerem empregos para o povo, então a universidade deve estar a serviço de quem a sustenta que é o trabalhador do estado de São Paulo.