Theotonio dos Santos e a The Economist: O que está em jogo?
Há uma forte tensão internacional em torno da eleição no Brasil. Inclusive uma publicação conservadora, e portanto moderada na sua linguagem política, perdeu o controle e destinou um artigo de capa em favor do candidato do PSDB, Aécio Neves. É impressionante notar que uma publicação que apoia grande parte de suas análises em dados muitas vezes inéditos tenha publicado um artigo que parece copiado da imprensa de oposição do Brasil.
Por Theotonio dos Santos, no jornal Monitor Mercantil
Publicado 20/10/2014 17:55
Seus argumentos não acrescentam nada a uma sucessão de afirmações capciosas manejadas pelos meios de comunicação da grande imprensa brasileira.
Vejamos alguns deles:
1 – Segundo a Economist, o primeiro lugar alcançado por Dilma Rousseff se explica pelo fato de que a maioria dos brasileiros não sentiu ainda na sua vida diária a desgraça econômica que está por vir proximamente. Isto porque o candidato do PSDB tem lutado para persuardir os brasileiros mais pobres de que as reformas que ele defende e que o país urgentemente necessita os beneficiará mais em vez de prejudicá-los.
O leitor deve convir que a Economist não tem a capacidade de previsão que ele invoca seguindo a tradição dos conservadores. Nisto coincide a linguagem do candidato do PSDB. Eles apresentam seus colegas de partido como um grupo de pensadores, intelectuais e técnicos absolutamente superiores e únicos capazes de salvar o Brasil da barbárie representada pela influência desses pobres na decisão democrática da luta presidencial.
É natural, pois Aécio é filho de um senador da República e parente de vários outros membros da oligarquia mineira, entre os quais se ressalta a figura de Tancredo Neves, seu avô e seu maestro político.
2 – Segundo a Economist, Dilma Rousseff tem um patrimônio político que leva a uma gratidão popular como: o pleno emprego, salários mais elevados e uma sucessão de programas sociais, não só as transferências do Bolsa Família, mas também habitações a custo barato, bolsa para os estudantes, eletricidade rural e programas de água para os estados pobres do Nordeste. Essas são conquistas reais.
Oh! Teria que haver um “mas”. Ei-lo: “Mas ao lado deles existe um maior, mas menos paupável fracasso tanto na economia quanto na política”. Para eles os problemas da economia mundial e o fim do grande boom de commodities (preços de matérias-primas) prejudicaram o Brasil, mas ele teve um resultado inferior aos seus vizinhos latino-americanos.
Para sustentar essa tese, a Economist se apoia em um artigo de um grupo de pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas que pretende provar que o Brasil teve um desempenho bastante bom, mas poderia ter sido muito mais alto se compararmos com os demais países dos Brics e dos chamados emergentes.
Por sorte, os pobres brasileiros não acompanham estas aventuras acadêmicas que não conseguem ocultar o seu sentido ideológico e político. Mas por que o Brasil não teria tido esses resultados tão positivos na mesma proporção de outros países?
Ora, seguramente temos aí um argumento novo e importante: pelo caráter do seu Estado Corporativo, que favorece certos setores com empréstimos subsidiados através dos bancos estatais; até a Petrobras teria sido danificada ademais do abandono da indústria do etanol.
Não lhes ocorre de nenhuma forma o que é realmente negativo: o pagamento dos juros mais altos do mundo por um Estado que tem superávit fiscal há décadas. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, acaba de iniciar uma autocrítica sobre o desastroso aumento da taxa de juros nos últimos dois anos.
O país vinha numa alta taxa de crescimento de 6,9%, e a presidenta Dilma ganhava um apoio de mais de 60% quando os “técnicos” do Banco Central descobriram que isso provocava uma terrível ameaça inflacionária que obrigava aumentar a taxa e juros levando a redução do crescimento sem levar a queda da inflação durante dois anos.
Eis ai uma questão substancial: a “Teoria” Econômica que pretende que toda inflação é resultado de um excesso de demanda não tem nenhum fundamento científico. Somos muitos que provamos isso em várias oportunidades. Inclusive com a crise de 2008 contamos com a companhia de vários prêmios Nobel e até o ex-presidente do Banco Central dos EUA Allan Greenspan. Que o povo brasileiro pague com seu trabalho essa transferência brutal de rendas para o setor financeiro é de verdade o ponto fraco da política macroeconômica do governo.
Mas eles, os opositores, não pretendem corrigir este equívoco que serve somente a uma minoria de menos de 1% da população que não cumpre nenhum papel positivo para o povo brasileiro, mas que dispõe de um poderoso controle dos meios de comunicação do país.
Já vimos em artigos anteriores como existe pronunciamentos favoráveis ao déficit fiscal dos países amigos dos donos da economia mundial. Citei por exemplo o recente apoio do FMI ao déficit fiscal do México. Nesta segunda-feira (20/10), foi publicada uma entrevista no jornal O Globo do secretário-geral da OCDE. Citemos suas palavras: “O Brasil fez uma mudança muito importante na composição em termos de renda. Incorporou milhões de brasileiros à classe média e criou uma sociedade mais justa. O país ainda é uma das sociedades de Índice de Gini elevado, isto é, o nível de desigualdade é alto até para a América Latina. Não é um problema novo. Há uma tendência secular de desigualdade e uma aceleração disto por conta da crise. Há recuperação em alguns países. O Brasil ainda não está em recuperação. A primeira coisa da fase de recuperação não é a criação de emprego. Primeiro há crescimento sem emprego, no caso de não ter havido reformas suficientes, quando reformas são feitas há recompensas”.
O Brasil está com 5% de desemprego, é uma das taxas mais baixas do mundo capitalista atual. O secretário-geral Angel Gurria, um dos melhores economistas keynesianos, não crê que este baixo desemprego é um antecedente favorável para o Brasil? Ele sugere que as eleições turvam o debate: “Incertezas relacionadas à mudança de governo ou período eleitoral existem por todo lado. O Brasil não é exceção. Isto acontece ainda mais quando há muitas diferenças entre os candidatos em termos de filosofia (de governo)”. (…) “no caso do Brasil há duas plataformas econômicas bem diferentes. As pessoas estão esperando para ver o que acontece quando a eleição acabar, e o novo governo, seja lá qual for, der os sinais do que vai fazer a economia vai voltar a crescer logo. Não entrem em pânico. Cabeças frias devem prevalecer na política e na guerra, mas também na economia. Isto permitirá focar nas posições certas.”
Talvez por sua origem latino-americana, Gurria coloca as coisas no seu lugar: não há fracasso econômico; há erros que podem e devem ser corrigidos. Resta saber qual é a filosofia de governo das duas grandes correntes políticas que se enfrentam no Brasil.
Num segundo artigo dessa edição da Economist eles parecem dar-nos a solução. Este artigo começa com uma entrevista com a senhora Silva no interior do Nordeste brasileiro. Depois de ouvir seu total apoio a Dilma pelas mudanças que realizou na sua pequena cidade do interior, a Economist tenta outra vez desestruturar este apoio e nos coloca diante deste dilema: para eles, “se o Brasil quer prosperar e atender às expectativas crescentes de seu povo, o próximo governo vai ter que assumir muitas tarefas que o atual não realizou. Em Serrinha, uma agradecida senhora Silva pensa que a senhora Rousseff é a pessoa certa para esse trabalho. ‘Se eu pudesse votar por Dilma mil vezes eu o faria’, disse ela. Milhões de outros compatriotas, que acreditam que o senhor Neves oferecerá um melhor prospecto de mudanças que o Brasil necessita, acreditam que ela não poderá”.
Decida meu caro leitor de que lado do povo brasileiro você está, da senhora Silva ou do filho do senador e neto do presidente.
*Economista e cientista político, presidente da Cátedra e Rede Unesco-Universidade das Nações Unidas (UNU) de Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (Reggen), prêmio mundial de Economista Marxiano (2013) da World Association for Political Economy (Wape).
Fonte: Monitor Mercantil