Quem Obama está bombardeando na Síria?
Alguns dias atrás, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, teve de lembrar aos norte-americanos que bombardeios do território sírio sem um pedido oficial do governo desse país ou sem uma respectiva decisão do Conselho de Segurança da ONU seriam uma violação do direito internacional.
Por Mario Sommossa
Publicado 30/09/2014 09:18
Pode parecer estranho que isso tem de ser lembrado àqueles que gritaram mais alto que todos sobre violação do direito internacional após a anexação da Crimeia à Rússia, no entanto, isso não é surpreendente se nos lembrarmos de quantas vezes os Estados Unidos têm agido segundo a lógica de duplos padrões.
O que é realmente estranho é o contexto em que se estão desenvolvendo os mais recentes eventos.
É evidente que se queremos realmente lutar contra os terroristas do Estado Islâmico no Iraque, é necessário atacar suas posições também na Síria. Mas do ponto de vista da lógica comum é muito difícil entender por que se afirma, ao mesmo tempo, que o inimigo principal permanece o regime de Bashar Assad.
Para qualquer observador é óbvio que os ataques contra os piores inimigos do regime sírio objetivamente reforçam a posição desse regime, mas o que totalmente escapa à compreensão é a declaração dos Estados Unidos de que eles pretendem, ao mesmo tempo, ajudar outros grupos de oposição, moderados, guerreando contra Damasco.
A estes grupos pretende-se fornecer novos tipos de armas e outras formas de assistência, mas o passado recente ensinou-nos que é justamente dessa oposição que os fundamentalistas receberam uma grande parte de armas ocidentais com as quais agora estão lutando contra o exército do Iraque.
E há mais ainda. Recentemente soube-se que muitos dos chamados “moderados” negociaram com os extremistas do Estado Islâmico um cessar-fogo mútuo em todo o território da Síria, e concordaram em parar todas as “ações fratricidas”.
A situação é verdadeiramente absurda: com uma mão eles estão bombardeando seu pior inimigo, e com a outra estão passando armas àqueles que mesmo formalmente são aliados dele.
A razão para este conflito é dupla. Por um lado, para garantir o apoio da Arábia Saudita e outros países sunitas, os norte-americanos devem mostrar que, independentemente dos problemas do Estado Islâmico, Assad continua sendo o inimigo, e os grupos armados próximos aos países árabes acima mencionados, pelo contrário, continuam sendo amigos dos Estados Unidos.
Por outro lado, pedir autorização prévia ao governo de Damasco para realizar bombardeios seria reconhecer o regime sírio como um interlocutor e potencial aliado, e mais importante, seria necessário negociar com seus dois principais protetores: o Irã e a Rússia. O Irã iria colocar a questão do seu programa nuclear, negociações as quais estão avançando com muitas dificuldades, e a Rússia exigiria que os Estados Unidos moderassem suas ambições na Ucrânia.
E por cima de tudo, a Turquia recusa-se a apoiar as operações dos EUA contra o EI. Tanto porque teme retaliações dos militantes em seu território (os turcos se lembram muito bem o que aconteceu no Paquistão), como porque tendo atravessado seu próprio Rubicão nas relações com Damasco, Ancara teme que o regime de Assad pode de alguma forma se fortalecer e anular as pretensões da Turquia à hegemonia nos países vizinhos e em toda a região.
Tudo isso resulta numa situação surreal. É muito difícil de entender quem está a favor de quem e qual é o objetivo final. Resta acrescentar que só bombardeios por si não podem derrotar completamente os terroristas, e mais cedo ou mais tarde surgirá a necessidade de realizar uma operação em terra. Mas mesmo neste caso é também absolutamente incompreensível quem e onde irá realizar esta operação.
Fonte: Voz da Rússia