Cúpula da Otan: caos dirigido e expansão incontrolada
A Ucrânia deseja ingressar na Otan. A Otan quer instalar suas bases militares no Leste europeu. Tais são os contornos da agenda da cúpula da Aliança Atlântica que decorre nesses dias em Newport, no País de Gales. Um dos convidados é o presidente da Ucrânia, Piotr Poroshenko, que já se reuniu com os líderes dos maiores países europeus e dos EUA.
Publicado 04/09/2014 15:48
A Otan deverá assegurar uma presença militar constante no Leste europeu. Tal medida será necessária a fim de dissuadir a Rússia, salientaram na sua declaração conjunta o Presidente dos EUA, Barack Obama, e o premiê britânico, David Cameron. Para os aliados tomarem consciência dessa necessidade premente, as ameaças que vão partindo de Moscou foram descritas em detalhe pelo líder norte-americano.
“As tropas russas que vieram invadir a Ucrania não são uma missão humanitária ou pacificadora. Ali se encontram as unidades militares russas, com as armas russas e os tanques russos. São os fatos que podem ser comprovados e que estão fora de dúvida”.
As provas, como se tem verificado ultimamente na administração dos EUA, estão guardadas em segredo. Em que se assenta a convicção do líder dos EUA que discursara na capital estoniana, Tallinn, também não se sabe. Mas isso não importa muito, o mais importante é que os aliados tinham recebido mais uma instrução séria antes da cúpula no País de Gales. A ideia básica do discurso de Obama não tem nada de novo: o antigo slogan “os russos se aproximam” se conhece desde os tempos imemoriais.
No entanto, o objetivo foi alcançado. A Estônia, a Lituânia e a Polônia, assustadas, não tardaram a reagir, solicitando logo a colocação de novos contingentes militares da Otan no seu território. Obama já prometeu enviar para Tallinn algumas subunidades da Força Aérea. Em 4 de setembro, antes da cúpula, o presidente ucraniano, Piotr Poroshenko, deverá levar ao conhecimento dos líderes dos EUA, Grã-Bretanha, Alemanha, França e Itália a atual situação no seu país.
A Ucrânia também se preparou bem para o encontro na cúpula. Ao exame da Suprema Rada (Parlamento ucraniano) tinha sido apresentado um projeto de lei sobre a revogação do estatuto neutro do país e o seu posterior ingresso na Otan. Claro que tal cenário não irá contribuir para o processo de reconciliação nacional, realçou o chanceler russo, Serguei Lavrov.
“A iniciativa surgiu no momento em que, após as consultas em Minsk, se traçaram acordos virados para uma solução consensual da crise interna ucraniana. Ou seja, o partido de paz havia tentado e continua tentando promover uma solução negocial e prática dos problemas enfrentados pelos ucranianos. Ao mesmo tempo, em Kiev, o partido de guerra está empreendo passos conducentes ao fracasso desses esforços pacíficos”.
Independentemente do resultado das conversas de Poroshenko com os líderes europeus, não vale a pena esperar que a crise seja resolvida desse lado. Os acontecimentos na Ucrânia têm sido um bálsamo para a Otan. A Aliança, criada outrora a fim de conter a “ameaça soviética”, devia deixar de existir ainda em 1990, após o colapso do Tratado de Varsóvia. Mas isso não aconteceu. Por isso, a Otan não sabe com que se ocupar nos “tempos livres”, embora tenha intervido, na medida do possível, no Afeganistão e na Líbia.
Consequentemente, a crise na Ucrânia significa para a Otan o segundo fôlego. A ameaça externa não mudou – são os russos que “vão avançando”. Claro que a Aliança havia sofrido algumas mudanças, tendo-se transformado num instrumento dócil da política de Washington. Os métodos empregados pelos EUA não se destacam por uma grande variedade: o maior deles consiste em criar um “caos dirigido”, afirma o professor catedrático da Universidade Estatal de Moscou, Andrei Manoilo.
“Tal é a política conduzida pelos EUA no mundo inteiro. A Primavera Árabe é um exemplo disso. Os EUA, ao planejar uma operação contra o Irã, começaram por meio de revoluções, a defender a sua “retaguarda” estratégica. Precisavam então ajustar as contas com a Síria, único aliado de Teerã. Para realizar essa meta, provocaram caos na região, derrubaram ali os regimes existentes “desagradáveis” mediante revoluções populares. Depois, as tarefas mudaram de novo. Desta vez, na mira de Washington está a Ucrânia. Mas aquela região ficou desestabilizada, permanecendo até hoje em caos”.
Convém notar que os EUA e a Otan não dão ouvidos a quaisquer argumentos. Disseram que na Ucrânia se encontram as tropas russas e pronto. Como se diz, o ponto final, paragrafo. Disseram que na Ucrânia não há bases militares da Aliança, temos que acreditar nisso sem ressalvas e hesitações. Contudo, os militares da Otan podem vir lá participar de manobras. Por exemplo, daqui a 10 dias, perto da cidade ucraniana de Lvov, um contingente de mil soldados da Otan realizará exercícios militares com o título poético “Tridente rápido”. Que ameaça é essa quando um destacamento de 600 soldados da Aliança foram enviados à Polônia e aos Países Bálticos?
Para dizer a verdade, tais decisões de dirigentes ocidentais não são recebidas de bom grado por seus serviços especiais, frisou o presidente da Academia de Problemas Geopolíticos, Konstantin Sivkov.
“A atual direção política dos EUA tem demonstrado uma acentuada falta de intelecto por ser incapaz de prever consequências de suas ações. Basta ver o exemplo da Ucrânia. Os serviços especiais do Ocidente têm de cumprir as ordens de políticos insensatos, incompetentes e imprestáveis. E tudo isso costuma provocar efeitos negativos. É por isso que o comando militar norte-americano se tem pronunciado por vezes contra o rumo oficial da elite política dos EUA”.
Aliás, dentro da Otan, já haviam surgido discórdias quanto à confrontação com a Rússia. A Alemanha, Itália, Espanha e alguns outros membros da Aliança se opõem a medidas que podem vir a ser qualificadas por Moscou como provocatórias. Os planos da Otan não são vistos com bons olhos pela população da Europa. Em Newport e Cardiff, centenas de pessoas tomaram as ruas para protestar e exigir que o governo deixe de gastar dinheiro com fins militares.
Voz da Rússia