Cessar-fogo em Gaza retoma a luta contra ocupação da Palestina

Com o anúncio de um cessar-fogo, que deverá abrir o caminho para negociações mais abrangentes em um mês, a liderança palestina comemora o fim da ofensiva israelense, que matou quase 2.200 pessoas na Faixa de Gaza em mais de 50 dias de bombardeios. Embora a notícia seja avaliada com cautela devido à completa falta de compromisso de Israel com a diplomacia e ao seu empenho na ocupação da Palestina, alguns pontos precisam ser destacados.

Por Moara Crivelente*, para o Vermelho

Faixa de Gaza - Maan

Em reunião nesta terça-feira (26), a liderança da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), frente com 13 partidos e movimentos políticos, debateu os resultados dos diálogos articulados pelo Egito para o fim da ofensiva de Israel contra Gaza. O regime israelense ainda tenta impor sua condição de domínio sobre os territórios e o governo palestino, como se pode notar pelos tópicos listados para discussão no fim de setembro. Mas após várias semanas de negociações indiretas devido à recusa de Israel em reconhecer a legitimidade da liderança na Faixa de Gaza, o regime foi obrigado, ainda que indiretamente, a admitir o papel político do Hamas, que governa o território desde as eleições parlamentares de 2006.

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A desclassificação do Hamas e outros partidos e movimentos da resistência palestina em Gaza enquanto “organizações terroristas” é parte da estratégia israelense para justificar o bloqueio completo imposto ao território há quase oito anos e as suas repetidas ofensivas. Nos últimos cinco anos, três “operações” militares que envolveram bombardeios aéreos, invasões terrestres e disparos desde o mar, mataram mais de 3,7 mil palestinos e deixaram a Faixa de Gaza devastada. Ambos, o bloqueio e as ofensivas cíclicas, impõem o profundo empobrecimento da população no território e graves violações do direito internacional humanitário.

O inicial “alívio do bloqueio” e outros pontos importantes a serem negociados são uma conquista para a atenuação das condições dos palestinos de Gaza, cuja história não se separa daquela da Cisjordânia, que enfrenta o virulento avanço colonizador de Israel. De acordo com um documento da OLP sobre a reunião de terça-feira, a liderança enfatizou a necessidade de um cronograma “para o plano nacional palestino que levará ao fim da ocupação e a comunidade internacional e a ONU a assumirem suas responsabilidades neste sentido”.

O objetivo é único: estabelecer um Estado da Palestina que “exerça completa soberania sobre as suas terras, com Jerusalém como sua capital, com base nas fronteiras de 1967”, aquelas violadas por Israel no avanço da ocupação, a partir da Guerra dos Seis Dias, naquele ano. Leia a seguir os tópicos principais do acordo de cessar-fogo:


Repetição da ofensiva e a chantagem contra os palestinos

Durante a ofensiva, lançada em 8 de julho pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seu ministro da Defesa Moshe Ya’alon, um objetivo foi o de impedir a unidade palestina, reconstruída recentemente. Em 2007 se deu a ruptura do Hamas e outros partidos islâmicos com a OLP, após confrontos que se seguiram às eleições do ano anterior. Ao menos cinco acordos diferentes assinados nos últimos anos serviram de base ao entendimento final, anunciado em abril deste ano, na consolidação de um governo de transição e unidade para organizar eleições gerais ainda em outubro.

Pela reconciliação, Netanyahu ameaçou reiteradamente a Autoridade Nacional Palestina (ANP), órgão de autogoverno e o Executivo da OLP, criado no início da década de 1990 para a gestão palestina de porções mínimas do seu território ocupado, uma situação que deveria ser temporária, mas ainda perdura. O novo governo foi lançado pelos palestinos quando se encerrava um período de nove meses de negociações entre a ANP e Israel, com a participação medíocre dos Estados Unidos que garantiu apenas um resultado: o aumento da ocupação sobre os territórios palestinos, principalmente com o anúncio de construção de mais milhares de casas nas colônias israelenses ilegais.

Logo depois, no início de junho, o sequestro de três jovens colonos serviu de pretexto para uma “operação” contra a Cisjordânia, intitulada “Guardião Fraterno” (uma referência bíblica), que deteve arbitrariamente milhares de palestinos, inclusive crianças e parlamentares; instigou, com apoio da mídia sensacionalista, episódios de violência brutal dos próprios colonos contra os residentes palestinos – o que incluiu o assassinato do adolescente Mohamed Abu Khdeir, de 15 anos, que foi queimado vivo, e outras tentativas de linchamento; relançou oficialmente a demolição de casas como medida punitiva e matou dezenas de manifestantes que protestaram contra essa agressão disseminada.

O alvo alegado era o Hamas, que as autoridades israelenses decidiram ser culpado, sem qualquer evidência e apesar da negativa do partido sobre o seu envolvimento no que viria a ser descoberto, semanas depois, como o assassinato dos três adolescentes israelenses. Protestando contra a agressão, a resistência palestina de Gaza, que sofria suas próprias mortes com ataques aéreos esparsos e o cerco completo ao território, lançou foguetes contra áreas abertas em Israel. Mais uma vez, o governo truculento de Netanyahu viu uma oportunidade para lançar sua segunda ofensiva “oficial” em dois anos contra o que classifica de “terroristas” no enclave sitiado, com o respaldo direto dos Estados Unidos e outros aliados que encontraram justificativas para mais um massacre dos palestinos, enquanto Gaza ainda não havia sido reconstruída após as ofensivas anteriores.

Crianças pequenas experimentaram a terceira guerra contra o seu povo e jovens voltaram a contar as suas experiências com a morte, esperando sobreviver. A infraestrutura essencial foi novamente arrasada, mas a resistência foi firme. O regime israelense está sendo amplamente condenado e milhões de pessoas saíram às ruas em todo o mundo em solidariedade aos palestinos. Movimentos de boicote a Israel ganharam força e, também no país, centenas de israelenses, inclusive soldados, recusaram-se a fazer parte da agressão contra os palestinos, embora tenham sido reprimidos violentamente, inclusive por sua própria sociedade. Entretanto, apesar das disputas internas, Netanyahu angariou apoio majoritário no governo e entre os cidadãos, sobretudo com base na mídia que se tornou, novamente, o seu veículo de propaganda.

O secretário-geral das Nações Unidas Ban Ki-moon dosou cautelosamente suas expressões de revolta com o massacre dos palestinos durante os 51 dias de bombardeios e, na terça-feira, ressaltou as “preocupações legítimas de Israel com a sua segurança”, apelando ainda pela “devolução de Gaza a um governo engajado nos compromissos da OLP” – o Hamas rechaça, por exemplo, a exigência por reconhecimento do “Estado judeu de Israel”, enquanto os palestinos não forem libertados da ocupação israelense.

Resolver as questões centrais é encerrar a ocupação

Apenas um dos pontos na declaração de Ban faz alguma justiça à questão: a resolução das questões centrais no chamado “conflito” – como se tratasse de uma situação bidirecional de ocupação, opressão e agressão reiterada – a partir do fim do bloqueio à Faixa de Gaza. Esta demanda vinha sendo rejeitada pelo governo israelense nas últimas tentativas de cessar-fogo, ao mesmo tempo em que o regime agressor exigia dos palestinos o fim da resistência, com a desmilitarização do território sitiado, o que incluiria, para parlamentares virulentos de Israel que repetiram sua posição para a mídia, a eliminação do Hamas.

Muitas questões do discurso israelense para justificar a ofensiva, a sua extensão e a sua intensidade ainda devem ser avaliadas – por exemplo, a mudança constante nos “objetivos”, que ficaram mais simples à medida que o tempo passava e a reação internacional se disseminava, resumindo-se, em dado momento, à “destruição de túneis subterrâneos” do Hamas que, curiosamente, a “inteligência israelense” parecia confundir com as mais de 10 mil casas, centenas de hospitais, clínicas, escolas, mesquitas, igrejas e a única rede de abastecimento de energia elétrica, para além da que fornecia água.

Todos foram depois classificados de “infraestrutura do terror”, supostamente por servirem de abrigo aos “terroristas” do Hamas ou aos seus armamentos. Embora já haja declarações e relatórios preliminares contrários a essas alegações, uma missão de investigação definida pela ONU deverá esclarecer os mistérios e averiguar as denúncias de crimes de guerra, mas seus resultados, que já são rechaçados por Israel à partida, só serão eficazes se o mundo se recusar, finalmente, a tolerar a impunidade da liderança israelense.

*Moara Crivelente é cientista política e jornalista, fez parte da redação do Portal Vermelho e integra o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz).