Palestinos continuam massacrados e o direito internacional, também
Os termos para descrever o corrente massacre dos palestinos em Gaza estão gastos. Em declaração ao Conselho de Segurança das Nações Unidas nesta semana, o enviado da ONU Robert Serry apontou o número “assustador” de civis mortos pelos ataques israelenses e a destruição “sem precedentes” do território sitiado há quase oito anos. Mesmo assim, o fim de mais um cessar-fogo e o impasse das negociações no Egito são racionalizados enquanto peças de um jogo.
Por Moara Crivelente*, para o Vermelho
Publicado 20/08/2014 15:53
Enquanto cada vez mais movimentos e grupos políticos por todo o mundo tomam posições de condenação contra a operação que o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu e o ministro da Defesa Moshe Ya’alon lançaram contra a Faixa de Gaza há mais de 40 dias, os números da devastação do território palestino completamente cercado continuam quebrando recordes.
Há cerca de duas semanas, Israel tenta se declarar vitorioso de uma guerra unilateral contra os palestinos, embora apresente os membros da resistência armada enquanto inimigos militares, em certos momentos, ou enquanto “combatentes ilegais”, em outros, quando convém taxá-la de “terrorista” – o que supostamente permitiria um “relaxamento” da conduta – para se esquivar das denúncias de crimes de guerra perpetrados.
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A esquizofrenia nas posições das autoridades israelenses é instrumental e compõe o esforço do governo e do seu aparato jurídico-militar para se livrar da investigação sobre suas violações do direito internacional humanitário pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas ou, eventualmente, pelo Tribunal Penal Internacional, apesar de inúmeros obstáculos.
De acordo com as autoridades palestinas, já são cerca de 2.040 pessoas mortas; mais de 70% eram civis e quase 550, crianças, além de 11 funcionários do corpo humanitário. Quase 10 mil lares, 69 mesquitas e ao menos 10 hospitais foram completamente destruídos e milhares de outras casas ficaram danificadas, mas as forças israelenses continuam alegando que a devastação é de responsabilidade das autoridades palestinas, repetindo a ladainha sobre o uso de civis como “escudos humanos” neste território densamente povoado.
Desde a suspensão de mais um cessar-fogo temporário, nesta terça-feira (19), mais de 25 ataques aéreos israelenses já mataram mais pessoas, inclusive a esposa e um bebê do comandante Mohammed Deif das Brigadas Ezedin al-Qassam, ligadas ao Hamas, e uma família de sete, nesta quarta (20). O ministro do Interior de Israel Gideon Saar disse que Deif “merece morrer”, quando explicou à Rádio Militar o ataque aéreo contra um prédio de seis andares que ficou destruído, na Cidade de Gaza. As Brigadas Al-Qassam informaram que seu líder está vivo, enquanto as autoridades israelenses continuam relativizando as mortes de tantos civis com termos como os supostos “objetivos militares” que as justificariam. Veja imagens da região da casa de Deif, divulgadas pela agência Reuters (sem legendas para português):
No último mês, houve três massacres em escolas da Agência das Nações Unidas para Assistência e Trabalhos (UNRWA) que também foram bombardeadas, embora abrigassem milhares de pessoas que tiveram de deixar suas casas, com o conhecimento das forças israelenses sobre o seu local exato, comunicado pela própria agência. Ao menos 450 mil palestinos de uma população de 1,7 milhão foram forçados a buscar abrigo devido aos bombardeios, de acordo com a UNRWA e com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), em relatório divulgado pelo Departamento de Assuntos de Negociações, nesta quarta-feira (20).
O documento reafirma um parecer recentemente emitido também pela Cruz Vermelha, de que “o desrespeito israelense pelas vidas dos palestinos tem resultado nas mortes de centenas [de pessoas],” e insta os aliados de Israel, assim como outros membros da comunidade internacional, a tomarem uma posição que encerre a repetição do massacre dos palestinos.
Nos últimos cinco anos, três operações militares oficiais mataram mais de 3,5 mil pessoas e causaram a devastação da infraestrutura básica de Gaza, um território de 365 quilômetros quadrados onde os palestinos já sofriam restrições de movimentação por Israel desde 1991 e que está completamente bloqueado desde 2007, o que leva até mesmo o envio de ajuda humanitária emergencial a depender do aval israelense.
Apenas o atual premiê Netanyahu ordenou duas dessas operações, em 2012 e a atual, além de garantir o avanço exponencial da ocupação militar e da construção de colônias em território palestino, também sob a ameaça e a ofensiva fatal e a repressão brutal na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. A agressão israelense contra os palestinos continua sendo multidimensional e talvez mais intensificada no governo de Netanyahu, cuja coalizão inclui representantes racistas do movimento de colonização e opressão dos palestinos em cargos principais.
Ainda assim, em Gaza, a recusa do Hamas, partido à frente do governo, em aceitar mais um cessar-fogo volátil que manteria os palestinos de um território sitiado e desmilitarizado na mira das cíclicas e intensificadas ofensivas israelenses é apresentada pelo governo e por grande parte da mídia de Israel enquanto a posição de uma “organização terrorista”, como é taxado o Hamas, que prefere a violência e é responsável pelas mortes de tantos palestinos. Além disso, Izzat al-Rishq, membro da delegação palestina nas negociações no Cairo, afirmou à agência de notícias Maan que Israel continua impedindo o avanço dos diálogos, colocando obstáculos deliberadamente às mais simples das demandas palestinas.
Novamente, a movimentação da liderança política e da mídia israelense contra ou em “cautela” a respeito do papel do canadense William Schabas, nomeado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU para investigar a condução da atual ofensiva, preconiza mais uma falência na responsabilização das autoridades por trás do massacre cíclico dos palestinos, a menos que a comunidade internacional se posicione para evitar mais essa catástrofe e reafirme a prioridade central, a libertação palestina.
Caso contrário, essa repetição trágica toma proporções cada vez mais assombrosas, enquanto as autoridades israelenses continuam investindo em apresentar-se enquanto as próprias vítimas com direito ao genocídio, este termo politizado e evitado devido aos pressupostos jurídicos que praticamente inviabilizam o seu emprego – como a comprovação da “intencionalidade de eliminação de um grupo” – enquanto se escasseiam as palavras para descrever a morte dos palestinos.
*Moara Crivelente é cientista política e jornalista, fez parte da redação do Portal Vermelho e integra o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz)