Farc: "Por que a Colômbia não há de perdoar?", diz vítima do conflito
"Se nós, os que fomos afetados pela violência, demos um passo determinante, por que o resto da Colômbia não há de perdoar?", questionou Constanza Turbay, que perdeu oito familiares ao longo dos mais de 50 anos de conflito na Colômbia. Ela é uma das 12 vítimas que deram seu testemunho no aos negociadores do governo e das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em Havana, no último sábado (17).
Publicado 18/08/2014 13:20
A comovente sessão de depoimentos durou cerca de nove horas, segundo informou a AFP. De acordo com nota publicada no site dos diálogos de paz da Farc, “foi um recebimento solene, respeitoso, muito aberto ao diálogo e a encontrar os caminhos que conduzam à solução das origens, das causas e dos efeitos da confrontação, com o objetivo de buscar a reconciliação, o fim do conflito e a construção da paz”.
É a primeira vez que nos esforços pela paz na Colômbia as vítimas do conflito foram incorporadas e passaram a fazer parte da solução política. Assim como Constanza, as outras vítimas expressaram de forma unânime a sua confiança no processo de paz como caminho único para o fim da violência e da reconciliação nacional.
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“Temos um compromisso grande com o nosso país e esse sentimento está acima dos nossos sentimentos pessoais", afirmou Angela Maria Giraldo, irmã do deputado estadual Francisco Javier Giraldo, assassinado em 2007.
O grupo de afetados afirmou que está "unido na dor", independentemente da origem dos abusos, e convidaram, numa declaração conjunta, o resto das vítimas a participarem na "causa comum" do caminho para a paz.
Constanza afirmou também à imprensa que o chefe negociador das Farc, Iván Márquez, se aproximou dela “com sentimentos de sinceridade” e lhe “pediu perdão de coração”. “Acho que foi o encontro mais importante e transcendental de toda a minha vida”, disse.
"Afeta a todos"
"A morte afetou todos os grupos: levou líderes de direita, de esquerda, jornalistas, membros das forças militares até membros das forças insurgentes", disse Constanza Turbay, acrescentando que "não se justifica este derramamento de sangue".
O grupo de vítimas também exigiu das partes, da mídia e de outros setores da sociedade envolvidos na resolução de conflitos, o respeito pela atividade que eles, como vítimas, estão desenvolvendo. Da mesma forma, pediram que "evitem deturpações, acusações e estigmas" como garantia de segurança.
As vítimas e os heróis
O representante da ONU em Bogotá, Fabrizio Hochschild – um veterano que serviu nos anos 1990 como comissário para os refugiados na Bósnia-Herzegovina, devastada por um sangrento conflito étnico –, foi responsável por fazer a primeira intervenção, com a apresentação de um comunicado escrito pelos organizadores do encontro, com um resumo da reunião feita a portas fechadas entre os representantes do governo, das vítimas, e das Farc.
"Eu trabalho há 30 anos com vítimas em todos os continentes, em muitas situações de conflito, e esta foi uma das experiências mais comoventes", contou Hochschild à AFP.
Hochschild afirmou que na Colômbia, "onde houve atrocidades de todos os agentes armados, é difícil falar de heróis".
"Os verdadeiros heróis e as verdadeiras heroínas deste conflito, para mim, são precisamente as vítimas como eles, que conseguiram transcender sua dor (…) para se transformar em lutadores para a paz", disse à AFP.
Continuidade do processo
O encontro com as vítimas é um passo importante para as negociações. Não é por menos que as partes consideraram “transcendental” a primeira rodada de depoimentos. O apoio fundamental à construção da paz na Colômbia depende em grande parte da resolução que será adotada neste ciclo de conversações, pois isso será determinante para a definição dos direito das vítimas.
Da mesma maneira, a garantia de que tais feitos não se repetirão no país é o que nutre de esperanças o povo colombiano para seguir adiante com a reconciliação.
Delegações do governo da Colômbia e das Farc buscam, desde novembro de 2012, aproximar posturas que permitam chegar a um acordo para o fim do conflito, e garanta uma paz estável e duradoura.
Até o momento já chegaram a pré-acordos nos pontos 1, 2 e 4 da agenda (política de desenvolvimento agrário, participação política e solução para o problema de drogas ilícitas). Ainda estão pendentes a questão das vítimas, do fim do conflito e da implementação, verificação e referendo.
Assista ao vídeo do primeiro encontro de vítimas do conflito com a mesa de conversações (em espanhol):
Théa Rodrigues, da redação do Portal Vermelho,
Com informações de agências de notícias