A educação e a luta contra os retrocessos do neoliberalismo

Durante toda a década de 1990, o projeto neoliberal foi implementado no Brasil. Nosso país e nosso povo sofreram com a ação de um projeto agressivo, que trouxe o retrocesso econômico, político e social.

Por Madalena Guasco Peixoto*, especial para o Vermelho

Manifestações anos 90

O projeto neoliberal, hegemonizado pelas forças entreguistas e antinacionais, efetivou reformas que retiraram direitos, colocou-se contra o papel do Estado como indutor do desenvolvimento e vendeu a troco de “moeda podre” grande parte do patrimônio econômico nacional e da nossa infraestrutura.

Naquele período, a educação no período neoliberal deixou de ser compreendida como direito e passou a ser entendida como serviço não exclusivo do Estado. O projeto educacional do governo neoliberal acirrou a privatização e a mercantilização da educação, ao mesmo tempo que sucateou a estrutura educacional pública em todos os níveis.

A ofensiva do capital financeiro e do chamado “capitalismo de cassino” era tão grande que, nas eleições presidenciais de 2002, uma aliança inédita aconteceu: um representante do capital produtivo nacional se alia a um representante da classe operária para mudar o curso econômico e político e reverter o cenário, colocando na ofensiva política os setores interessados no desenvolvimento do Brasil.

Atraso educacional

Em 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência da República, a situação educacional era muito grave. Em primeiro lugar, por um enorme atraso herdado historicamente, já que a educação, desde o início da República brasileira, não se constituiu como elemento prioritário de um projeto nacional. Em segundo, porque esse atraso histórico se acentuou ainda mais devido à concretização do projeto neoliberal na educação.

O diagnóstico feito pelo primeiro ministro da Educação do governo Lula, Cristovam Buarque, era gravíssimo. O Ministério da Educação (MEC) estava totalmente desestruturado, era administrado através de convênios com ONGs que forneciam os funcionários, encontravam-se totalmente enfraquecidas as secretarias de educação básica e superior. Colocava-se, então, como primeira tarefa a reestruturação do MEC, para que ele pudesse cumprir o papel de instrumento de atuação do Estado na melhoria da educação.

A educação infantil foi definida como etapa e modalidade educacional somente após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996, saindo do âmbito do Ministério da Saúde e Assistência Social e passando a ser de responsabilidade do MEC.

No período FHC, no entanto, não se avançou na sua regulamentação. As Diretrizes Curriculares Nacionais foram construídas e aprovadas somente durante o último mandato de Lula. Além disto, não houve investimento significativo por parte do governo federal nessa modalidade, o mesmo ocorrendo com a educação fundamental.

Nossa Constituição dividiu as responsabilidades da educação nacional em três subsistemas: municipal, estadual e federal. No entanto, levantou, ao mesmo tempo, a necessidade de se estabelecer um regime de colaboração, o qual pressupõe a concepção de um Sistema Nacional de Educação articulado para fazer avançar a educação nacional como um todo.

Investimentos e avanços no setor

Mesmo constando da Constituição de 1988, sua regulamentação não avançou em todo o período de orientação hegemônica neoliberal. Foi exatamente no primeiro governo Lula que, abrindo campo à ampla participação da sociedade na elaboração de políticas públicas em educação, iniciou-se o debate democrático educacional, com a realização de várias conferências (educação básica, do campo, indígena, profissional e tecnológica, superior), que discutiram e deliberaram sobre as várias modalidades de educação. Isso culminou, em 2010, no segundo governo Lula, na realização da 1ª Conferência Nacional de Educação (Conae), que deliberou sobre a necessidade inadiável, para o avanço da educação no Brasil, da regulamentação do regime de colaboração e do Sistema Nacional de Educação. 

Conferência Nacional de Educação (Conae)
 
Mesmo sem o regime de colaboração e o Sistema Nacional de Educação regulamentados, o MEC, em 2007, apresentou um Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que, por um lado, retomava metas que foram definidas no primeiro Plano Nacional de Educação e não estavam sendo perseguidas e, por outro, oferecia aos estados e municípios vários programas mediante convênios que visavam equipar as escolas do ensino fundamental e médio, ampliar o acesso à educação infantil através de investimentos na construção de novas creches, melhorar a infraestrutura e a formação e qualificação dos profissionais de educação.
 
O primeiro Plano Nacional da Educação (PNE), sancionado em 2000 e com vigência até 2010, sofreu vários vetos de FHC, todos para impedir a ampliação da educação pública em todas as modalidades – em particular da educação superior – e a aplicação, até o final do decênio, de 7% do PIB na educação.

Assim, o PDE visava exatamente constituir-se em um plano de fortalecimento da educação, através de ajuda aos municípios e estados, retomando o papel do MEC como indutor do avanço da educação nacional.

Dentro do PDE encontrava-se também a ampliação da oferta da educação profissional e tecnológica, com gradual transformação dos Cefets – colégios federais – em Ifets – institutos federais, os quais passaram a oferecer ensino tecnológico do nível médio até a pós-graduação, incentivando a formação profissional para suprir as necessidades do desenvolvimento da indústria e do comércio e de outros setores produtivos que passavam a apresentar fortalecimento e crescimento.

No segundo mandato de Lula, aprovou-se o Fundeb, que veio substituir o Fundef, ampliando o investimento da educação para toda a educação básica e não somente para a educação fundamental. Essa lei é a que também estabelece o piso salarial dos/as professores/as da educação básica, além dos princípios da carreira docente.

Em 2009, no penúltimo ano do governo Lula, o Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que acabou com o contingenciamento das verbas destinadas à educação proveniente da Desvinculação de Recursos da União (DRU).

Pela Constituição Federal, em seu artigo 212, o investimento nesta área deve ser de, no mínimo, 18% pela União e de 25% por estados e municípios do total arrecadado com impostos e contribuições sociais.

A medida, que entrou em vigor no mesmo ano, reduziu o contingenciamento, que era de 20%, para 12,5%. Em 2010, passou para 5% e, a partir de 2011, a DRU não mais incidiu sobre a verba destinada à educação. Na prática, isso significou que cerca de R$ 4 bilhões a mais foram destinados à educação em 2009, R$ 7 bilhões em 2010 e R$ 9 bilhões a partir de então.

A proposta aprovada ainda alterou os incisos I e VII do artigo 208 da Constituição, passando a exigir “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”. Esse direito constitucional progressivamente será atingido até 2016.

Em 2009, foi aprovada também a lei que garante o “atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”. Essa lei vem favorecendo os convênios entre prefeituras e o governo federal para o transporte, inclusive dos estudantes do campo, e para a melhoria de outros insumos.

Ainda segundo a proposta, “a distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere à universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do Plano Nacional de Educação”, que foi aprovado em 2014.


Deputados comemoram aprovação do PNE (Agência Câmara)

Enviado ao Congresso Nacional no fim do governo Lula, o PNE tramitou durante três anos e meio dos quatro anos de gestão da presidenta Dilma Rousseff, tendo sido por ela sancionado em 25 de junho deste ano. O plano contém metas audaciosas, como: a ampliação em 50% na oferta de educação em tempo integral e em 40% das vagas públicas de educação superior e média e profissional; o fim do analfabetismo; a regulamentação do Sistema Nacional de Educação; e a aplicação do investimento em educação, em dez anos, para 10% do PIB. 
 
No governo Dilma ainda foi aprovada também a lei dos 75% dos royalties do petróleo para a educação, bem como da aplicação do fundo do pré-sal no setor. Programas de ajuda aos municípios e estados também se fortaleceram, entre os quais o programa para construção de creches e de transporte para estudantes da zona rural. 

Assim, quando analisamos estes últimos 12 anos, é inegável a mudança de curso. No entanto, a educação brasileira ainda necessita ser colocada como prioridade dentro de um projeto de desenvolvimento nacional soberano. Nesse sentido, a ampliação e o fortalecimento do sistema público de educação para todos/as em todos os níveis e modalidades deve ser bandeira a ser perseguida e elemento fundamental para o fortalecimento nacional e para o seu desenvolvimento.

A regulamentação da educação privada com as mesmas exigências da educação pública está ligada à concepção de que a educação é um direito, o qual tem de ser oferecido com responsabilidade social e controle e supervisão do Estado e da sociedade.

Nestes próximos anos, devemos aprovar a lei que cria o Sistema Nacional da Educação, incluindo a rede pública e o setor privado e exigindo, ao mesmo tempo, medidas governamentais que impeçam a continuidade da atuação dos grupos financeiros especulativos internacionais que estão criando oligopólios na educação superior brasileira.

Devemos prosseguir na luta para que as metas do novo PNE sejam cumpridas na íntegra e, se possível, até ampliadas.

Não devemos aceitar retrocessos no campo da educação.

*Madalena Guasco Peixoto é professora Titular da PUC-SP