João Quartim de Moraes fala sobre a esquerda militar no Brasil
O historiador Augusto Buonicore* entrevistou o professor da Unicamp João Quartim de Moraes, que é autor, entre outros, do livro A Esquerda Militar no Brasil. Esta obra, publicada pela primeira vez em 1991, já nasceu clássica. A sua originalidade reside no fato de ela estar voltada para o estudo de uma corrente praticamente esquecida nos dias atuais: a esquerda militar, que teve significativa presença no interior das nossas Forças Armadas entre o final do século 19 e meados do século 20.
Publicado 03/08/2014 12:05
Assim, Quartim de Moraes ajudou a romper o manto do silêncio que havia caído sobre a história dessa importante corrente e contribuiu para a superação de uma série de preconceitos em relação à atuação dos militares na vida política e social republicana.
O projeto do autor é vasto, devendo se concretizar numa obra de três volumes – dos quais dois já foram publicados. O primeiro deles, reeditado pela Expressão Popular em 2005, aborda o período que vai da conspiração republicana até a Coluna Prestes; o segundo volume segue a trajetória da esquerda militar da Coluna até o levante da Aliança Nacional Libertadora; e o último – ainda em preparação – abrange o período da participação de revolucionários brasileiros na defesa da República espanhola ao golpe de 1964.
Buonicore: Há vários anos você lançou pelo IFCH-Unicamp o livro Liberalismo e Ditadura no Cone Sul – uma coletânea de artigos que tinha como tema central a participação política os militares na América do Sul – e posteriormente relançou Esquerda Militar no Brasil. De onde vem o interesse por este tema que é um verdadeiro tabu para a intelectualidade de esquerda?
Quartim: Antes de mais nada, motivou-me a constatação de que o golpe de 1964, como disse com lúcida precisão o saudoso Nelson Werneck Sodré, “foi político, embora operado por forças militares”. Sodré retomou esta argumentação notadamente nos debates que marcaram os trinta anos do movimento sedicioso desencadeado em 31 de março de 1964, mostrando que, de 1945 em diante, as intervenções políticas das Forças Armadas foram inspiradas pelos partidos reacionários derrotados nas urnas, ele explicou com clareza e farta documentação o processo através do qual os latifundiários e a burguesia entreguista intoxicaram ideologicamente parcela ponderável da oficialidade: “Devidamente dopados pelo anticomunismo e pela ação maciça da mídia, os militares faziam sempre o serviço que lhes era solicitado. Jejunos em política, alimentados pela propaganda, supunham que estavam mesmo salvando Deus, a Pátria e a Família, nada menos do que isso”. Esta e outras análises na mesma direção me fizeram ver a importância decisiva, em muitas situações históricas, da luta política no interior do aparelho militar.
Buonicore: Ao contrário do que geralmente pensamos, os militares, incluindo a oficialidade, não tiveram apenas um papel negativo na história brasileira. Esta, sem dúvida, é uma das contribuições de seu livro. Poderia falar um pouco sobre o papel desempenhado por eles no processo da Abolição da escravidão?
Quartim: O Clube Militar, em seu quarto mês de existência, em outubro de 1887, escreveu a página mais generosa de sua secular existência. Ameaçados em seus odiosos privilégios, os donos de escravos reagiam à crescente mobilização abolicionista com uma truculência que seria imitada, no século seguinte, pelos inimigos da reforma agrária. Assim Martinho Campos, que chefiara o gabinete do Império em 1882, resumia seu programa de governo: "Os abolicionistas são salteadores; mas, para estes, tenho meu revólver. A escravidão deve ser mantida, por amor dos próprios escravos". Por amor dos próprios escravos que, teimando em não compreenderem as motivações filantrópicas de seus proprietários, fugiam em massa das senzalas e das plantações, intensificava-se a caça aos fugitivos; como, porém, embora numerosos, os esbirros empregados neste sórdido trabalho de busca e captura mostravam-se incapazes de deter a onda de evasões, os senhores de escravos passaram a pressionar o governo para que, como diriam hoje, mobilizasse o Exército em defesa da ordem social, isto é, na caçada aos foragidos. Em vários centros urbanos formavam-se quilombos, entre eles o de Santos, contra o qual se encarniçavam especialmente os escravocratas, por ali se concentrarem, em número crescente, fugitivos das plantações de café da região de Campinas.
O apelo ao Exército para desmantelá-lo era tido como iminente. Foi então que, reunidos no recém-fundado Clube Militar, os oficiais abolicionistas elaboraram, sob a direção de Deodoro da Fonseca, que assumira a presidência da nova entidade, um “requerimento" à regente Isabel, apresentando-lhe "um pedido que é antes uma súplica": que "o Governo Imperial não consinta que nos destacamentos do Exército que seguem para o interior […] os soldados sejam encarregados da captura dos pobres negros que fogem à escravidão…”. Essa histórica resolução está redigida num tom de respeito e de dignidade que torna ainda mais eloquente a inspiração ética que o anima. O parágrafo final resume-o muito bem: “O Exército havia de manter a ordem. Mas, diante de homens que fogem calmos, sem ruído, tranquilamente, evitando tanto a escravidão como a luta, e dando, ao atravessar cidades, enormes exemplos de moralidade, cujo esquecimento tem feito muitas vezes a desonra do Exército mais civilizado, o Exército brasileiro espera que o governo imperial conceder-lhe-á o que respeitosamente pede em nome da humanidade e da honra da própria bandeira que defende”.
É amargo o contraste entre estas palavras generosas, escritas há quase cento e vinte anos, e a mesquinha obsessão antissindical dos chefes militares de nosso tempo, que não hesitaram em violentar o espírito, senão a letra, da então recém-promulgada Constituição de 5 de outubro de 1988 ao tomarem de assalto a Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, matando covardemente três operários desarmados. Deste deprimente contraste tiramos, no entanto, um novo alento para a nossa investigação. Quem sabe a compreensão do processo que transformou o Exército que se recusava a perseguir os escravos fugitivos no Exército dos DOI-CODI, do Riocentro e do massacre de Volta Redonda, nos permitirá vislumbrar alguma perspectiva em sentido oposto, vale dizer, no sentido do reencontro dos militares com o ideário generoso da democracia e da transformação social.
Buonicore: Por que o jacobinismo – representado na figura do marechal Floriano Peixoto – não se constituiu numa alternativa viável, tendo que abandonar o governo nas mãos da oligarquia agroexportadora paulista?
Quartim: O jacobinismo original (o da Revolução Francesa de 1789-1794) foi definido por Antonio Gramsci com insuperável concisão: aliança da burguesia revolucionária com os camponeses. O fato de que o nosso tenha sido circunscrito aos centros urbanos, notadamente ao Rio de Janeiro, dá a medida de seus limites. Com a circunstância muito agravante do apoio ao extermínio de Canudos. Mas embora confundisse patriotismo e chauvinismo, o jacobinismo brasileiro configurava uma corrente republicana radical cujo grande inspirador foi Floriano Peixoto, o qual, embora não tenha, obviamente, a estatura de um Maximilien Robespierre, esboçou os rudimentos da plataforma histórica da esquerda nacionalista em nosso país.
Determinamos o significado de uma política tanto pelo que ela propõe quanto por aqueles que a ela se opõem. O ferrenho escravocrata liberal Silveira Martins, principal ideólogo das forças ultrafederalistas e monarquistas que em junho de 1892 se levantaram no Rio Grande do Sul contra o governo federal (o objetivo imediato era derrubar o governador do estado, Júlio de Castilhos, republicano convicto com grande prestígio popular e um dos grandes pioneiros da escola pública em nosso país), anos antes, no Senado do Império, tinha atacado o projeto Dantas, que emancipava os escravos sexagenários, nos seguintes termos: “Será o suplício da Constituição, uma falta de consciência e escrúpulo; um verdadeiro roubo, a naturalização do comunismo, a ruína geral, a situação do Egito, a bancarrota do Estado, o suicídio da Nação”. Um século mais tarde, os porta-vozes do latifúndio retomariam as mesmas imprecações, em tom igualmente histérico, contra a reforma agrária.
No livro, fundamento e desenvolvo a tese de que, com a chegada de Prudente de Morais à presidência, a ditadura dos generais positivistas foi substituída pela dos fazendeiros. Um destacamento militar bastou para derrubar o Império. Mas quem mandava no país eram os grandes agrários, donos da terra e dos cafezais. Ainda predomina, entretanto, mesmo em certos meios de esquerda, a interpretação liberal de nossa história política, que contrapõe a "sociedade civil" (uma destas expressões feitas de borracha mole, que se prestam a todas as torções: inclui tanto os que jantam no Fasano quanto os que dormem embaixo da ponte) ao Estado (considerado em abstrato, sem referência à dominação e exploração de classe). O PT nasceu contaminado por esse "antiestatismo", cuja matriz ideológica é nitidamente liberal-burguesa.
Um exemplo, referido no Prefácio à segunda edição do livro: não faz muito tempo, o simpático senador Eduardo Suplicy homenageou com discurso constrangedoramente ingênuo a memória de Prudente de Morais, primeiro “presidente civil” do Brasil, louvando-o por nos ter livrado da ditadura militar dos proclamadores da República. Difícil crer que o denodado e sincero dirigente petista nunca tenha ouvido falar da “aliança do café”, das eleições a bico de pena, dos currais eleitorais, da oligarquia, do coronelismo etc. A memória é seletiva e nenhuma seleção é ideologicamente neutra: preferindo o fraque à farda, ele fez, talvez inocentemente, o elogio da República Velha da oligarquia agrária.
Buonicore: Durante a República Oligárquica (1889-1930) também ocorreram várias intervenções militares, fundamentalmente da baixa oficialidade. Que papel elas desempenharam no desenvolvimento da crise do antigo regime?
Quartim: O fato de que o principal movimento político dos militares durante a República Velha seja conhecido por tenentismo indica que o espírito de rebelião atravessou horizontalmente a escala hierárquica: os jovens oficiais, de baixa patente, batiam-se pelo progresso, ao passo que os mais velhos e mais próximos do topo da carreira defendiam a ordem dos fazendeiros. Mas os esquemas topológicos (baixo/alto; esquerda/direita) só são úteis quando não se interpretam de modo demasiado literal. Tenentes de direita foram protagonistas do movimento dito dos “jovens turcos”, que combateu raivosamente os “tenentes”; de outro lado, as ainda pouco estudadas “salvações” dos anos 1910 (contestação militar do poder político das oligarquias agrárias) foram conduzidas por coronéis e generais, numa divisão vertical (de alto a baixo da escala hierárquica) da oficialidade.
Todos os levantes tenentistas, bem como a grande maioria das demais intervenções militares (inclusive as “salvações”), foram dirigidos contra a dominação política das oligarquias rurais, contribuindo decisivamente para miná-la (1924-1927), derrubá-la (1930) e impedir sua restauração (1932). No segundo volume de A Esquerda Militar no Brasil (Da Coluna à Comuna), publicado em 1994, mostro que a chamada “revolução constitucionalista” de 1932 foi, na verdade, uma frustrada tentativa de restabelecer a velha República dos fazendeiros.
Mas de todas as rebeliões militares, a de mais profundo conteúdo social, e por isso mesmo mais cruelmente reprimida, foi a Revolta dos Marinheiros (dita “da Chibata”), em 1910, contra os maus tratos e os atrozes castigos corporais a que eram discricionária e sistematicamente submetidos pelos oficiais. Retomo aqui trechos do livro que relatam a terrível história do levante dos militares proletários: “Cruelmente tratados, como feras ou bestas de carga, pela hierarquia da Armada […], os subalternos agiram com violência igual à que vinham sendo secularmente submetidos: o suplício de um marinheiro, castigado com 250 chibatadas, incendiou os ânimos e venceu as últimas hesitações, dando o sinal do motim a bordo. Oficiais que resistiram foram mortos e, sob o comando do marinheiro João Cândido, os amotinados […] colocaram a cidade do Rio de Janeiro sob a mira dos canhões da esquadra e enviaram mensagem às autoridades constituídas exigindo a abolição da chibata e de outros maus-tratos e a anistia para todos os revoltosos. […] eles aguardaram, para executar a ameaça, as deliberações do governo e do Congresso, que decidiram enviar a bordo um negociador. Este, ao retornar, trazendo de volta as reivindicações dos marinheiros, revelou que […] nenhum objeto ou documento havia sido destruído ou violado, instalações, máquinas e equipamentos funcionavam normalmente […]; constatou também, no corpo do marinheiro açoitado, a atrocidade do castigo que lhe fora infligido. Enfim, transmitiu a impressão geral de que […] um entendimento era possível, desde que se atendessem às duas reivindicações essenciais dos rebelados: a abolição da chibata e a anistia.
[…] Enquanto o pedido de anistia era examinado em regime de urgência […], a esquadra rebelde foi atacada por dois navios de guerra do tipo destroyer, que haviam permanecido em poder dos seus comandantes. […]. Foram repelidos sem dificuldade, reforçando assim, com este tiro pela culatra, a ideia do entendimento. Para tanto, Congresso e presidência exigiram uma declaração de arrependimento por parte dos rebeldes, com a qual preservar-se-ia o princípio da autoridade. A exigência foi rapidamente cumprida. Com igual rapidez, o Congresso votou e o marechal Hermes sancionou a anistia […]. No dia 26, os marinheiros devolveram os navios aos oficiais.
Terminara o drama, mas, para os revoltosos, a tragédia estava ainda para começar. Haviam obtido a anistia quando e porque estavam armados. Desarmados, contavam apenas […] com a palavra do Congresso e do presidente. Logo constataram haver recebido um cheque sem fundos. Provocações, punições gratuitas e demissões sucedem-se rapidamente. […]. Duas semanas de tratamento de choque reacenderam a revolta […]. O novo levante ocorreu na ilha das Cobras, onde, a 9 de dezembro, cerca de 600 marinheiros exasperados pelo acintoso desrespeito à prometida anistia, retomaram o caminho da rebelião. Foram impiedosamente bombardeados pelos encouraçados que haviam devolvido às autoridades a 26 de novembro.
Quando os canhões se calaram, uma centena de rebeldes havia sido massacrada. […] Em 10 de dezembro […], o marechal Hermes enviou ao Congresso um pedido de decretação do Estado de sítio. Aprovado […], marcou o desencadeamento da repressão em massa, não somente contra os revoltosos do dia 9 de dezembro, mas também contra os de 22 de novembro, que haviam sido solenemente anistiados. Entre 1.000 e 2.000 marinheiros foram sumariamente expulsos da Armada e todos os dirigentes dos dois levantes foram presos.
Levados a um imundo calabouço, os dezoito presos foram intoxicados com cal, abundantemente derramado na cela sufocante sob o cínico pretexto de desinfetá-la. Quando, na manhã de 25 de dezembro, talvez em atenção à data, a cela foi aberta, dezesseis cadáveres, alguns já apodrecendo, a entulhavam. Um dos dois sobreviventes era João Cândido, o principal dirigente da rebelião. Naquele mesmo dia de Natal, deixava o Rio de Janeiro o navio Satélite, levando nos porões uma carga humana de cerca de 500 deportados para a Amazônia, marginais na maioria, mas também 105 marinheiros considerados instigadores da trágica revolta. Na longa viagem, nove dos principais “cabeças” do movimento foram fuzilados. A ordem voltava a reinar na Marinha…”.
Buonicore: Existe uma crítica provinda de setores de esquerda – inclusive comunista – que atribui um viés autoritário e elitista ao movimento tenentista, por ter recusado mobilizar e armar os trabalhadores, especialmente durante o levante de São Paulo em 1924. O que isso tem de verdadeiro?
Quartim: Os liberais de todos os matizes sempre terão razão num ponto: os tenentes eram tenentes, tanto quanto na lógica formal dizemos A=A. Eram, portanto, funcionários da organização que constitui a ossatura do aparelho do Estado e o braço armado de sua força coativa e que, por isso mesmo, é fortemente hierarquizada e rigidamente disciplinada. Não poderiam se transformar da noite para o dia, mesmo quando empenhados na contestação da ordem estabelecida, em bolcheviques ou algo parecido.
Sabemos que a linguagem política nunca é ideologicamente neutra. “Autoritarismo” e “elitismo” são alguns destes “conceitos” de borracha molenga, que podem ter certo valor descritivo, mas se prestam a todas as manipulações da historiografia e da “ciência política” burguesa, sobretudo estadunidense.
No que concerne à recusa de “mobilizar e armar os trabalhadores”, é preciso não confundir o estabelecimento dos fatos com sua interpretação. No capítulo 6, tópico 2, assinalo que houve amplo recrutamento de voluntários durante o período em que São Paulo esteve em poder dos rebeldes e procuro explicar por que não houve aliança política dos dirigentes “tenentistas” com os dirigentes populares paulistanos. Melhor do que em “elitismo”, falo, no livro, em limites burgueses da consciência democrático-revolucionária dos “tenentes”. A participação popular na luta armada não ultrapassaria a forma do recrutamento de voluntários. Nada de milícias operárias. A exatidão histórica exige, entretanto, que não se atribua esta atitude ao tenentismo em geral, mas fundamentalmente ao general Isidoro Dias Lopes e aos oficiais a ele mais diretamente ligados. Em sua qualidade de chefe militar do movimento, Isidoro fez prevalecer seu ponto de vista, contrário ao armamento do proletariado. Consta que o major Miguel Costa não partilhava desta opinião.
Buonicore: O que levou uma parte da burocracia de Estado (os militares), justamente aquela que tem por função preservar a ordem, a viver em pé de guerra contra a monarquia e a República oligárquica? Quais interesses de classe esse setor das Forças Armadas representava?
Quartim: O marxismo nos fornece a chave teórica deste complexo de questões. Nem a burocracia, nem o Estado pairam, sempre idênticos, acima do movimento concreto da história. Procuro reconstituir sinteticamente, no segundo capítulo do livro, a evolução das relações entre Império e Exército. Elas só podem ser compreendidas levando-se em conta o caráter precário da organização estatal que, nas zonas agrárias, estava, em larga medida, às ordens dos fazendeiros, classe dominante no Império, e de seus prepostos. Eles aceitaram a centralização do poder, na medida em que a estabilidade institucional garantia a ordem social, mas necessitavam também de uma força armada política e organicamente descentralizada que constituísse um instrumento de dominação adequado a uma classe cuja base econômica era a grande plantação escravista. Essa força, a Guarda Nacional, foi criada pelo padre Feijó logo nos primeiros meses de Regência (a 18 de agosto de 1831), para servir de “sentinela da Constituição jurada”. Sua função primordial era, na fórmula concisa da História militar do Brasil de Sodré, “neutralizar as forças armadas regulares”. Com efeito, já em seu primeiro ano de existência sufocou uma rebelião militar que pretendia a volta ao trono de D. Pedro I. O efetivo do Exército foi reduzido, de 1830 para 1831, de cerca de 30.000 a cerca de 14.000 homens.
Não era, evidentemente, por espírito antimilitarista e ainda menos por convicções pacifistas que a oligarquia agrária empenhava-se em enfraquecer o Exército. O que neste a inquietava era seu caráter de braço armado do poder central. Já a Guarda Nacional era na verdade um conjunto de milícias estaduais, recrutadas e comandadas pelos grandes agrários ou por algum de seus prepostos na política local (ungido do título de coronel). Eles eram, sobretudo liberais no sentido institucional do termo: queriam um Estado ultrafederal, descentralizado ao máximo, de maneira a que o poder efetivo ficasse o mais perto possível da sede de suas fazendas. Se o duque de Caxias é o patrono do Exército é porque entre este e a monarquia havia uma convergência objetiva: a preservação da unidade nacional.
A diferenciação gerada, em meados do século 19 – entre os que mantinham relações escravistas de produção e os que tinham gradualmente introduzido em suas plantações modalidades do trabalho dito “livre” (a mais importante foi o colonato) – acelerou-se quando Sua Majestade Britânica houve por bem proibir o tráfico de escravos pelo Atlântico, que já não mais interessava aos ingleses. A consequência imediata foi o forte incremento da compra e revenda, por negociantes, de escravos provindos das zonas economicamente decadentes do Nordeste. Em 1871, entretanto, ao promulgar a lei dita do Ventre Livre, cortando assim o futuro deste sórdido comércio de carne humana, o poder imperial deu satisfação parcial ao movimento abolicionista e aliviou a pressão britânica, mas se indispôs com os donos de escravos, que ainda eram em boa medida donos do país.
O Exército se tornara antiescravista a partir da Guerra do Paraguai. Os filhos dos fazendeiros, antepassados históricos dos atuais “agroboys”, consideravam engajar-se nas durezas e riscos da guerra a última de suas opções existenciais. Mais fácil era pagar um “voluntário” negro que lutasse em seu lugar, em troca da alforria. Não apenas por razões humanitárias, mas sobretudo por constatar que, em caso de confronto bélico, a nação podia contar mais com os escravos do que com os senhores, os militares tenderam a aderir à causa da emancipação.
Dezessete anos depois, proclamando a Abolição, a monarquia reduziu a quase nada sua sustentação por parte da oligarquia agrária. Mesmo porque muitos dos fazendeiros que já não mais, ou só residualmente, recorriam ao trabalho escravo, tinham aderido, com graus diversos de convicção, à causa republicana. Cabe perguntar por que os militares tomaram a iniciativa de derrubar o regime em 15 de novembro de 1889, embora a Regente Isabel tivesse assinado a lei de 13 de maio de 1888 e a despeito da contradição entre o objetivo político-institucional do Exército (fortalecer o poder central, até como condição de sua própria sobrevivência como organização nacional) e o da fração republicana da oligarquia, que pretendia, como os demais fazendeiros, enfraquecer o poder central em proveito do poder local e regional. Realizou amplamente este programa na chamada “aliança do café com leite”. O leitor encontrará no segundo capítulo do livro a análise concreta deste complexo processo.
Quanto à questão dos interesses de classe que os militares rebeldes representavam, a melhor resposta, dentre as muitas que foram oferecidas é a de que estavam em sintonia com todos os que viviam do outro lado da porteira das fazendas. Cabe, porém, enfatizar a continuidade dos valores positivistas que inspiraram os jovens oficiais abolicionistas dos anos 1880 e os tenentes dos anos 1920. Voltaremos a este aspecto mais adiante.
Buonicore: Uma das particularidades do comunismo no Brasil foi a forte participação de militantes e dirigentes provindos da oficialidade das Forças Armadas. A própria direção da Aliança Nacional Libertadora era composta por oficiais do Exército e da Marinha. A que se deve esse fenômeno?
Quartim: Não havia militares no grupo fundador do PCB. Mas, até a intervenção sectária e obreirista do Secretariado sul-americano do Komintern, houve apoio aos levantes tenentistas. Esta posição está claramente sustentada em Agrarismo e industrialismo de Octavio Brandão (obra pioneira recentemente relançada pela editora Anita Garibaldi), sem esquecer de que Astrojildo Pereira foi visitar Luiz Carlos Prestes em seu exílio boliviano para lhe expor e discutir os princípios do comunismo. Praticamente toda a ala esquerda do movimento tenentista convergiu para o comunismo seguindo a mesma referência que a tinha levado a não aderir, em 1930, ao dispositivo armado da Aliança Liberal. Esta referência tinha um nome glorioso, o Cavaleiro da Esperança.
Os militares também tiveram um papel importante – se não central – na campanha nacionalista ocorrida na década de 1950. A Campanha do Petróleo é Nosso! foi praticamente comandada por oficiais. O que levou a ala nacionalista, que chegou a ter o ministro da Guerra e a direção do Clube Militar, a gradualmente perder espaço dentro das Forças Armadas? Havia outro cenário possível?
Entre 1946 e 1964 houve duas conjunturas em que a “ala nacionalista” ocupou posições decisivas no Exército e na política brasileira: em 1950-1952 e em 1961-1964.
Em 1950, a chapa nacionalista, encabeçada pelos generais Estillac Leal e Horta Barbosa, venceu por ampla maioria as eleições para a direção do Clube Militar. Mais do que meros nacionalistas, os oficiais que a integravam eram também anti-imperialistas. Além da campanha O Petróleo é Nosso!, tiveram também papel importante, ao lado do PCB (do qual alguns faziam parte), na luta para impedir que soldados brasileiros servissem de tropa auxiliar na invasão estadunidense da Coreia, decidida pelo presidente Truman (o mesmo das duas bombas atômicas). Nelson Werneck Sodré, que a integrava e já era considerado, não sem razão, o principal teórico da esquerda militar, assumiu a direção do Departamento Cultural do Clube, cuja revista tornou-se a tribuna dos oficiais empenhados a fundo na batalha pelo desenvolvimento nacional, por uma política externa independente e por reformas sociais avançadas. A direita militar, exacerbada pelos ódios da “guerra fria”, logo se articulou numa “Cruzada Democrática” para aniquilar esse perigoso foco subversivo, que ousava contestar a subordinação do Brasil ao “colosso do Norte” (fórmula reverencial dos deslumbrados com o poderio do dólar e do Pentágono). Com o apoio dos colossos estadunidenses, logrou não somente derrotar a ala nacionalista do Exército, mas também acuar Getúlio ao suicídio.
Na História militar do Brasil Sodré relata as perseguições então desatadas, que só seriam suplantadas pelo expurgo promovido pelos golpistas vitoriosos de 1964 contra seus companheiros de farda fiéis à legalidade constitucional. Interrompida em 1955, quando o general Henrique Lott desarticulou o dispositivo golpista da UDN contra a posse de Juscelino Kubitschek, a perseguição recrudesceu em 1960, com a vitória de Jânio Quadros sobre o general Lott, candidato nacionalista. Entrementes, sua notável e fecunda atuação no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), tornara-o um dos intelectuais mais conhecidos e respeitados do país. Mas para poder prosseguir seu trabalho teórico-crítico, foi constrangido a solicitar transferência para a reserva. Nas Memórias de um soldado registrou quão difícil foi, para ele, esta decisão, “que vinha amadurecendo de há muito: quatro anos de exílio na fronteira, cinco anos embalsamado […] numa Circunscrição de Recrutamento […] novo exílio no extremo norte […] instrutor de generais e no entanto sem perspectiva nenhuma na carreira”. “Certo”, prossegue, “o dever é resistir, incomodar, permanecer, mas eu vinha fazendo isso há praticamente quinze anos, sem resultado algum. Não era justo que militares democratas abandonassem o serviço ativo; mas há um limite além do qual o positivo se torna negativo”.
O fiasco do golpe militar de 1961 contra a posse de João Goulart renovou o oxigênio intelectual nos meios militares, permitindo e até suscitando a eclosão de novos movimentos de militares de esquerda. O plural aqui é decisivo: estes movimentos foram pelo menos três, o dos oficiais nacionalistas, o dos sargentos e o dos marinheiros e fuzileiros navais. Não foi “gradualmente” que eles perderam espaço dentro das Forças Armadas, mas de um só golpe, o de 31 de março de 1964. Há uma vasta bibliografia sobre este tema tão complexo quão dramático, referida por Paulo Cunha na preciosa Introdução que escreveu para esta segunda edição do primeiro volume de A Esquerda Militar no Brasil.
Havia outro cenário possível: a vitória do programa de reformas de base defendido pela esquerda durante o governo João Goulart.
Buonicore: O que liga os jacobinos republicanos do final do Império e início da República, os tenentes revolucionários da década de 1920 e os oficiais nacionalistas de 1950? Em outras palavras, o que o autoriza a colocá-los todos dentro do que você chamou de esquerda militar?
Quartim: O nexo histórico que liga os tenentes revolucionários dos anos 1920 aos oficiais nacionalistas dos anos 1950 são os tenentes aliancistas e comunistas dos anos 1930. Já disse acima o nome que expressa eminentemente esta continuidade de três décadas: Luiz Carlos Prestes. Já a conexão entre os jacobinos do final do Império e início da República e o tenentismo é bem mais tênue. É nítida, entretanto, a continuidade, num tempo histórico de cerca de três gerações, dos valores positivistas que inspiraram os jovens oficiais, da participação na campanha abolicionista e na Proclamação da República aos levantes antioligárquicos dos anos 1920: confiança na emancipação da humanidade através do conhecimento científico, ênfase nos princípios republicanos, na escola pública etc.
A esquerda se determina pelas causas que defende e pelos inimigos que combate. Todos estes movimentos militares combateram por causas generosas e politicamente avançadas. Todos contestaram as iniquidades da ordem estabelecida.
A história da esquerda militar parece ser a crônica de uma derrota. Os jacobinos foram derrotados pelas oligarquias no alvorecer da República, depois a esquerda tenentista perdeu espaço no pós-1930 e, por fim, a oficialidade nacionalista depois de altos e baixos foi eliminada no pós-1964. Ao contrário do que ocorreu no Peru na década de 1960 e ocorre hoje na Venezuela, a esquerda militar não conseguiu impor sua hegemonia nas Forças Armadas e exercer influência decisiva nos rumos do Estado brasileiro. Quais as razões dessa derrota?
Nem tudo foram derrotas: 1888, 1889, 1930 e 1932 marcaram vitórias das forças do progresso. A esquerda tenentista perdeu espaço no pós-1930 porque, erroneamente em meu entender, não participou do movimento que derrubou a República oligárquica. Recuperou-o (por muito pouco tempo) com a Aliança Nacional Libertadora (ANL), um dos mais pujantes avançados revolucionários de massas de nossa história. Não se inclinando perante o ato de força de Getúlio, a ANL enveredou pela trilha da insurreição, tentando responder à repressão política pela violência armada. As consequências foram terríveis e politicamente catastróficas.
Outras vitórias das forças avançadas não teriam sido possíveis sem a participação ativa da esquerda militar. Além da criação da Petrobras, a ela devemos, em larga medida, a vitoriosa resistência aos golpes reacionários de 1955 e de 1961, bem como a realização do plebiscito de 3 de janeiro de 1963, em que 80% dos votantes disseram sim ao reconhecimento dos plenos poderes presidenciais de João Goulart.
O que ocorre hoje na Venezuela tem um fundo comum com dezenas de outros movimentos militares nacionalistas no chamado “terceiro mundo”. Alguns eram apenas isto, nacionalistas. Outros, nomeadamente o peruano, tiveram nítido conteúdo anti-imperialista e democrático-social. Não nos esqueçamos, entretanto, de que no Peru a hegemonia da esquerda militar não sobreviveu ao general Velasco Alvarado, que nacionalizou a exploração do petróleo, até então pilhado descaradamente pelos trustes imperialistas, e promoveu uma reforma agrária que erradicou os latifúndios. Faltou, entretanto, a esta revolução pelo alto a capacidade de mobilizar em profundidade as massas populares e consequentemente, de neutralizar a reação pró-imperialista. Velasco não era Chávez: este sim, ultrapassou os limites da esquerda militar, pondo-se à frente de uma revolução popular de grande envergadura histórica, que já foi mais longe, em duração e em profundidade, do que todas as outras do continente, exceto a cubana.
Quanto às razões da derrota da esquerda militar brasileira, elas são as mesmas que as da derrota de toda a esquerda brasileira e, portanto, se inscrevem no estudo do imenso desastre para nossa nação que foi a vitória da contrarrevolução de 1964.
Buonicore: Você é incisivo ao afirmar que o golpe de 1964 destruiu a possibilidade de ser mantida a tradição de uma esquerda militar nacionalista no seio da corporação militar. Esta é uma situação irreversível ou é possível que volte a se constituir uma esquerda militar no país? Qual deveria ser a atitude da esquerda socialista diante das Forças Armadas na atualidade?
Quartim: O que foi destruído pode ser reconstruído, mas para aquilatar a envergadura da tarefa convém ter presente a amplitude da destruição, que se deu em dois tempos:
1- De imediato, os golpistas vitoriosos procederam a expurgos de grandes proporções na oficialidade das três armas. Reproduzo aqui os números referidos no livro Liberalismo e Ditadura no Cone Sul:
O primeiro expurgo ocorreu a 11 de abril de 1964, dez dias depois da vitória dos golpistas: 122 oficiais foram expulsos das Forças Armadas. Mas os nacionalistas de esquerda não foram os únicos atingidos pelo primeiro “ciclo punitivo” da “Revolução”. Os oficiais “legalistas”, que, sem ter opiniões de esquerda, se recusaram a aderir ao movimento sedicioso, foram, na maioria, passados para a reserva. Essas medidas não pouparam escalão nenhum da hierarquia. […] dos 29 oficiais promovidos ao generalato por Goulart, apenas cinco estavam na ativa em 1968. Cifra tanto mais significativa que, no mesmo momento, 17 entre 29 oficiais promovidos ao generalato por predecessores de Goulart ainda estavam em função”.
Os expurgos que atingiram os tenentes dos anos 1920 tinham correspondido a um corte horizontal no corpo de oficiais: os velhos, no topo da hierarquia, eliminaram os jovens, na base da hierarquia. Nos anos 1930, em que parte do tenentismo tinha aderido ao regime Vargas, o corte inclinou-se para a vertical: getulistas e fascistas expurgaram os comunistas e outros aliancistas derrotados. Três décadas depois, em corte ainda mais vertical (porque atingiu o generalato), os fascistas e pró-imperialistas expurgaram getulistas e comunistas, estes em especial, eliminando todas as variedades da esquerda verde-oliva.
2- Duas décadas de intensa lavagem de cérebro no interior da organização militar deixaram marcas profundas, que não seriam suprimidas da noite para o dia. Mesmo porque, como mostro num capítulo do referido Liberalismo e Ditadura no Cone Sul, a postura golpista da cúpula do Exército persistiu pelo menos até o fim dos anos 1980 e com ela a pressão ideológica, não somente sobre os diferentes níveis do ensino militar, mas também no controle exercido pelos “serviços de inteligência” sobre a massa da oficialidade.
Sem dúvida, a luta pelo controle democrático das Forças Armadas deu alguns passos à frente nos últimos quinze anos. O impedimento de Fernando Collor foi a primeira crise política importante em que não houve sequer tentativa de intervenção militar. Mas é longo o caminho que falta para percorrer. Induzidas a renunciar à ditadura, em 1985, perante a forte pressão da opinião pública, as cúpulas militares empenharam-se em manter sua autonomia corporativa no interior do Estado e em bloquear qualquer iniciativa tendente a pôr fim à distorção institucional que permitia aos ministros das três armas exercerem, no governo, a função de mediadores e porta-vozes das corporações a que pertenciam, em vez de executarem, em suas respectivas esferas de atividade, o programa do governo de que faziam parte. Para ultrapassar esta segmentação do poder político (responsável, entre outras disfunções, pelas contradições de nossa política externa: enquanto a diplomacia defendia orientação antiblocos e, portanto, contra alinhamentos automáticos, os chefes militares continuavam aferrados às obsessões da guerra fria e ao cabresto estadunidense), era indispensável a criação do Ministério da Defesa, isto é do órgão encarregado de gerir os meios militares da defesa nacional, aplicando as orientações políticas definidas pela presidência e pelo Congresso. A decisão de criá-lo foi tomada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, que dispunha de um trunfo importantíssimo para neutralizar a resistência dos militares de direita: sua profunda identidade com a política imperialista estadunidense.
É sempre mais fácil resolver um problema no papel do que na crua concretude dos fatos. Embora inscrito no organograma governamental, o novo ministério era considerado um estranho no ninho pelos saudosistas da famigerada “segurança nacional”. Aceitavam a forma institucional, mas pretendiam esvaziar-lhe o conteúdo. Esta contradição permaneceu em estado larvar até que o general Francisco Albuquerque, atual comandante do Exército, encarregou-se de ativá-la. O incidente mais grave ocorreu em outubro de 2004, quando o Centro de Comunicação Social do Exército publicou nota no Correio Braziliense justificando a tortura de prisioneiros políticos durante a ditadura. O ministro da Defesa, José Viegas, condenou imediata e inequivocamente a nota abominável, exigindo o afastamento do general Albuquerque, sem cuja anuência os nostálgicos do DOI-CODI, que lhe são subordinados, não teriam ousado assumir tão acintosamente as atrocidades praticadas por aquele organismo. Viegas pediu ao presidente Lula que o autorizasse a demitir o comandante do Exército. Não tendo obtido a autorização, sentiu-se constrangido a solicitar sua própria demissão.
Aparentemente, o general Albuquerque extraiu do episódio a conclusão de que, tendo derrubado um ministro, tudo mais lhe seria permitido. A esta inspiração, sem dúvida, obedeceram os novos incidentes de que também foi protagonista. Particularmente acintoso foi o espetáculo que proporcionou no aeroporto de Campinas, no dia 1º de março de 2006, mandando parar um avião na cabeceira da pista para retirar dois passageiros e embarcar, com sua mulher, no lugar deles. Pouco depois, no dia 31 de março, lançou um elogio ao nefasto golpe ocorrido quarenta e dois anos antes, declarando que ele “é memória, dignificado à época pelo incontestável apoio popular […] para alicerçar, em cada brasileiro, a convicção perene de que preservar a democracia é dever nacional”. A grotesca “carteirada” no aeroporto de Viracopos mostrou o que significa para ele esta “convicção perene”.
O movimento socialista, notadamente os comunistas, exercerão influência junto aos militares de espírito verdadeiramente patriótico (é inútil perder tempo com os basbaques ideologicamente a reboque do “colosso do Norte”) se defenderem e, sobretudo levarem adiante, uma plataforma que assuma as grandes aspirações históricas das forças progressistas brasileiras: as reformas sociais avançadas que ponham fim à miséria de nosso povo, o desenvolvimento das forças produtivas de nosso país, a afirmação da soberania nacional através de uma política externa independente e voltada para a integração sul-americana.
Perante a memória histórica do povo brasileiro, cometeríamos, entretanto, a pior das infidelidades, a traição à memória de nossos mortos, se consentíssemos em pagar, pelas boas relações com os militares de hoje, o preço do esquecimento dos crimes cometidos pela ditadura. Mesmo porque, nos países sul-americanos submetidos ao terrorismo de Estado, só no Brasil os torturadores não somente permanecem totalmente impunes, mas também continuam a receber elogios por parte da cúpula atual do Exército.
*Augusto C. Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira: encontros e desencontros e Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas, ambos publicados pela Editora Anita Garibaldi.
** Uma versão reduzida dessa entrevista foi, originalmente, publicada na Revista Princípios edição 86 – agosto/setembro de 2006.