Abate do avião malaio derrubou também o governo da Ucrânia
A demissão do primeiro-ministro ucraniano Arseny Yatsenyuk e a dissolução do Parlamento devem-se, de fato, aos problemas internos criados pela derrubada do avião que fazia o vôo MH17 da Malaysian Airlines, e não a supostas divergências entre o governo e a sua maioria parlamentar, sobre a aplicação ou não das receitas do Fundo Monetário Internacional (FMI) na Ucrânia.
Por Urszula Borecki, de Kiev, e Castro Gomez, de Donetsk para Jornalistas sem Fronteiras
Publicado 31/07/2014 09:06
Esta realidade, que para muitos ucranianos não é segredo, continua a ser omitida nos meios internacionais comprometidos na campanha de propaganda em torno da crise na Ucrânia.
“Desde o primeiro momento se sabe que há um choque entre o Ministério do Interior e o Ministério da Defesa sobre a derrubada do avião”, afirma um alto funcionário do Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia que pediu anonimato.
“O primeiro-ministro Yatsenyuk tinha um relatório completo sobre os fatos 23 minutos depois da tragédia, enviado pelos militares que estavam na torre de controle do aeroporto de Kiev, e ao escamotear a realidade permitiu que o conflito entre os dois ministérios contaminasse todo o executivo, acicatado pelos interesses dos círculos fascistas que controlam a componente de segurança”, continuou.
“Não sei se o primeiro-ministro foi ou não apanhado de surpresa pela derrubada do avião”, afirma Anatoly Kovalenko, sociólogo e analista político na região ocidental da Ucrânia. “O que sei”, sublinhou, “é que para tentar sobreviver na teia de conspirações em que se transformou o regime, está ocultando um crime que pode conduzir a um conflito internacional de grandes proporções”.
“Acho muito estranho que a imprensa ocidental nunca mais tenha dedicado a atenção que merece à comunicação via Twitter publicada por um controlador espanhol do aeroporto de Kiev enquanto não o silenciaram”, diz Ielena Honcharenko, jornalista. “Todos os fatos por ele relatados na hora estão sendo confirmados com o passar do tempo, especialmente o disparo do míssil Buk contra o aparelho, o suspeito desvio de rota imposto pelas autoridades e, sobretudo, a informação de que dois caças militares ucranianos escoltaram o avião da Malásia até três minutos antes de desaparecer do radar”, lembrou.
A situação foi igualmente abordada pelo funcionário superior do Ministério das Relações Exteriores. “As comunicações do controlador espanhol mostram que nesse dia, em consequência de um conflito que se arrastava, os militares do Ministério da Defesa ignoravam o procedimento dos seus colegas que agem sob o controle do Ministério do Interior até se aperceberem, in loco, na torre de controlo, do que na realidade aconteceu ao avião e às 300 pessoas que nele viajavam”.
“O Ministério do Interior é o principal antro dos grupos fascistas”, define Kovalenko. “Controla a polícia política (SUB) – que tem tido um papel determinante na invenção de supostas provas para incriminar a Rússia na tragédia e, provavelmente, nos esforços para fazer desaparecer provas reais – e comanda as milícias nazistas de assalto congregadas na nova Guarda Nacional. A conspiração foi conduzida por este setor, o primeiro-ministro e o resto do governo sabem disse, mas é preciso esconder a verdade a todo o custo."
"Resultado", conclui Anatoly Kovalenko: “como o governo não tinha condições para funcionar num cenário de permanente ajuste de contas, foi preciso inventar esta mentira segundo a qual Yatsenyuk se demite por ter dificuldade em fazer passar as imposições do FMI no Parlamento. Num regime autocrático como o de agora em Kiev é ridículo invocar uma circunstância destas quando se sabe que o Parlamento é decorativo, a junta governa por decreto e as receitas do FMI estão plenamente em vigor”.
A jornalista Ielena Honcharenko considera, por seu lado, que Yatsenyuk acabou igualmente por ser vítima da principal figura do seu próprio partido, Iulia Timoshenko, “que não deixou por um momento de conspirar, sobretudo desde que perdeu as eleições presidenciais, e dispara em todas as direções, incluindo a do seu subordinado de quem fez primeiro ministro e a do presidente Poroshenko”.
Honcharenko não tem dúvidas de que Timoshenko, “sempre abrigada no apoio norte-americano e recebendo orientação direta da subsecretária de Estado dos EUA Victoria Nuland, viu nas manobras dos setores fascistas boas oportunidades para manter espaço de influência e prepara-se agora para apostar forte nas eleições gerais – que serão parciais em termos geográficos. Para a antiga chefe da ‘revolução laranja’, a ‘comissão de serviço’ de Iatseniuk acabou e só foi tornada possível porque ela estava na cadeia quando os estadunidenses e a União Europeia decidiram mudar o regime”, afirmou Ielena Honcharenko.
“Apesar de já ter visto muita coisa insólita em relações internacionais”, comenta o alto funcionário do Ministério das Relações Exteriores, “é alarmante que toda a estratégia ucraniana dos Estados Unidos e da União Europeia, principalmente a aplicação de sanções à Rússia, esteja baseada nesta perigosa farsa que é o jogo político de Kiev, manipulado por fascistas, e na atribuição da responsabilidade de um gravíssimo crime contra a humanidade a quem não o cometeu, conhecendo perfeitamente os seus autores e o que realmente se passou”.
Fonte: Jornalistas sem Fronteiras
*Título original: "Derrube do avião malaio fez cair o governo de Kiev"