Estados Unidos não entendem o que acontece na Rússia e na Ucrânia
São os erros da política externa dos EUA que levaram a um esfriamento brusco das relações russo-americanas, disse em entrevista à Rossiya Segodnya (Rússia Hoje) Alexander Lukin, doutor em ciências históricas e vice-diretor da Academia Diplomática do Ministério das Relações Exteriores da Rússia.
Por Andrei Ivanov, na Voz da Rússia
Publicado 16/07/2014 15:52
Segundo Lukin, "o antigo embaixador na Rússia, Michael McFaul, que acredita sacramente na ideia do 'democratismo', é considerado principal perito nos assuntos russos".
"Ao mesmo tempo, a maioria das suas previsões referentes à Rússia e ao mundo estão erradas", avisa. Leia a seguir a continuação da conversa com Lukin:
"Por exemplo, ao intervir em maio de 2012 no Centro Carnegie de Moscou, McFaul defendia que a democratização e a derrota dos regimes autoritários laicos em países árabes não levariam à vitória de islamitas, como aconteceu na Argélia. Este erro é uma consequência da ignorância das diferenças entre o Islã dos países árabes e o Islã brando do Sudeste Asiático, influenciado por tais religiões tolerantes como o budismo e o hinduísmo. Também é o resultado da aspiração, assente na ideologia, a tomar os desejos pela realidade."
Ainda hoje, não entendendo novamente o fundo da questão, McFaul apela a isolar a Rússia “errada” à margem da luta ideológica entre a “democracia” e “autocracia” e a continuar a pressionar a Rússia em todas as frentes: na Ucrânia, Geórgia e Moldávia.
Tal atitude já levou à desintegração territorial da Moldávia e da Geórgia e contribui hoje para desmembrar a Ucrânia. Estes países poderiam manter-se unidos só, se os seus líderes levassem em conta tanto os interesses dos habitantes das regiões que se simpatizam com a Europa, como daqueles que querem guardar laços tradicionais com a Rússia.
Aposta pouco perspicaz em nacionalistas pró-Ocidente em países pós-soviéticos provocou graves conflitos internos e perseguições da população russófona, fato ao qual a Rússia não pôde ficar imparcial. Quando foi envolvida a Ucrânia “irmã” e surgiu a ameaça da entrada da Otan na Crimeia, em relação à qual a Rússia experimenta sentimentos especiais e cujos habitantes se consideram russos na maioria, a Rússia fortalecida decidiu que não pode recuar.
Rossiya Segodnya: Provavelmente, a reação brusca de Moscou tenha apanhado de surpresa o Ocidente?
Alexander Lukin: Exatamente. No fim de março de 2014, o comandante das Forças Unidas da Otan na Europa, general Philip Breedlove, observou surpreendido que a Rússia atua “muito mais como adversário e não como parceiro”. Será isso surpreendente? O bloco da Otan não alterou o conceito de adversário em relação à Rússia após o fim da Guerra Fria. Por isso, a mudança da política da Rússia, que tentava honestamente tornar-se parceiro do Ocidente e da Otan, foi apenas uma questão do tempo.
Rossiya Segodnya: Ao que pode levar tal mudança?
Alexander Lukin: Gostaria de crer que o bom senso vença no Ocidente e que as preocupações da Rússia para com o respeito dos direitos da população pró-russa nas antigas repúblicas da URSS sejam seriamente consideradas pelo Ocidente.
Atualmente, a Rússia apresenta propostas razoáveis, cuja aceitação poderia regularizar a situação na Ucrânia: a formação de um governo de coalizão que levaria em conta os interesses das regiões orientais e meridionais, a federalização, a neutralidade, a atribuição do estatuto oficial à língua russa, etc. Infelizmente, ideólogos ocidentais reagem a estas propostas não como a uma via de solucionar o problema, mas sim como a obstáculos ao movimento da Ucrânia rumo ao progresso, levantados por “maus rapazes”.
Na ótica do Ocidente, a aceitação das propostas russas significará reconhecer que alguém, salvo ele, tem o direito a definir o que é o progresso social e o que é bom e o que é mal para outras sociedades e Estados. Por isso é muito provável que o Ocidente opte por um outro caminho, apoiando radicais pró-Ocidente em todo o espaço pós-soviético, o que provocará novos conflitos. Nestas condições, a Rússia terá de reorientar seriamente sua política para o Sul e Oriente.
Por um lado, tal pode ajudar a resolver a tarefa estratégica de desenvolvimento de suas próprias regiões asiáticas. Mas, por outro, isso pode torna-la dependente dos fortes parceiros asiáticos, em primeiro lugar da China. Contudo, a inimizade e o desentendimento do Ocidente não deixam outra opção à Rússia.
Fonte: Voz da Rússia