Estados Unidos não entendem o que acontece na Rússia e na Ucrânia

São os erros da política externa dos EUA que levaram a um esfriamento brusco das relações russo-americanas, disse em entrevista à Rossiya Segodnya (Rússia Hoje) Alexander Lukin, doutor em ciências históricas e vice-diretor da Academia Diplomática do Ministério das Relações Exteriores da Rússia.

Por Andrei Ivanov, na Voz da Rússia

Ucrânia bombardeia cidades na região leste do país

Segundo Lukin, "o antigo embaixador na Rússia, Michael McFaul, que acredita sacramente na ideia do 'democratismo', é considerado principal perito nos assuntos russos".

"Ao mesmo tempo, a maioria das suas previsões referentes à Rússia e ao mundo estão erradas", avisa. Leia a seguir a continuação da conversa com Lukin:

"Por exemplo, ao intervir em maio de 2012 no Centro Carnegie de Moscou, McFaul defendia que a democratização e a derrota dos regimes autoritários laicos em países árabes não levariam à vitória de islamitas, como aconteceu na Argélia. Este erro é uma consequência da ignorância das diferenças entre o Islã dos países árabes e o Islã brando do Sudeste Asiático, influenciado por tais religiões tolerantes como o budismo e o hinduísmo. Também é o resultado da aspiração, assente na ideologia, a tomar os desejos pela realidade."

Ainda hoje, não entendendo novamente o fundo da questão, McFaul apela a isolar a Rússia “errada” à margem da luta ideológica entre a “democracia” e “autocracia” e a continuar a pressionar a Rússia em todas as frentes: na Ucrânia, Geórgia e Moldávia.

Tal atitude já levou à desintegração territorial da Moldávia e da Geórgia e contribui hoje para desmembrar a Ucrânia. Estes países poderiam manter-se unidos só, se os seus líderes levassem em conta tanto os interesses dos habitantes das regiões que se simpatizam com a Europa, como daqueles que querem guardar laços tradicionais com a Rússia.

Aposta pouco perspicaz em nacionalistas pró-Ocidente em países pós-soviéticos provocou graves conflitos internos e perseguições da população russófona, fato ao qual a Rússia não pôde ficar imparcial. Quando foi envolvida a Ucrânia “irmã” e surgiu a ameaça da entrada da Otan na Crimeia, em relação à qual a Rússia experimenta sentimentos especiais e cujos habitantes se consideram russos na maioria, a Rússia fortalecida decidiu que não pode recuar.

Rossiya Segodnya: Provavelmente, a reação brusca de Moscou tenha apanhado de surpresa o Ocidente?
Alexander Lukin: Exatamente. No fim de março de 2014, o comandante das Forças Unidas da Otan na Europa, general Philip Breedlove, observou surpreendido que a Rússia atua “muito mais como adversário e não como parceiro”. Será isso surpreendente? O bloco da Otan não alterou o conceito de adversário em relação à Rússia após o fim da Guerra Fria. Por isso, a mudança da política da Rússia, que tentava honestamente tornar-se parceiro do Ocidente e da Otan, foi apenas uma questão do tempo.

Rossiya Segodnya: Ao que pode levar tal mudança?
Alexander Lukin: Gostaria de crer que o bom senso vença no Ocidente e que as preocupações da Rússia para com o respeito dos direitos da população pró-russa nas antigas repúblicas da URSS sejam seriamente consideradas pelo Ocidente.

Atualmente, a Rússia apresenta propostas razoáveis, cuja aceitação poderia regularizar a situação na Ucrânia: a formação de um governo de coalizão que levaria em conta os interesses das regiões orientais e meridionais, a federalização, a neutralidade, a atribuição do estatuto oficial à língua russa, etc. Infelizmente, ideólogos ocidentais reagem a estas propostas não como a uma via de solucionar o problema, mas sim como a obstáculos ao movimento da Ucrânia rumo ao progresso, levantados por “maus rapazes”.

Na ótica do Ocidente, a aceitação das propostas russas significará reconhecer que alguém, salvo ele, tem o direito a definir o que é o progresso social e o que é bom e o que é mal para outras sociedades e Estados. Por isso é muito provável que o Ocidente opte por um outro caminho, apoiando radicais pró-Ocidente em todo o espaço pós-soviético, o que provocará novos conflitos. Nestas condições, a Rússia terá de reorientar seriamente sua política para o Sul e Oriente.

Por um lado, tal pode ajudar a resolver a tarefa estratégica de desenvolvimento de suas próprias regiões asiáticas. Mas, por outro, isso pode torna-la dependente dos fortes parceiros asiáticos, em primeiro lugar da China. Contudo, a inimizade e o desentendimento do Ocidente não deixam outra opção à Rússia.

Fonte: Voz da Rússia