Vladmir Putin: "Estamos interessados em uma América Latina unida"

O presidente Vladimir Putin expressou o interesse da Rússia em uma América Latina unida, forte, economicamente sustentável e independente. Em uma entrevista exclusiva para a agência Prensa Latina, antes de viajar a Cuba, Argentina e Brasil, Putin considerou que os processos de integração da América Latina demostram a aspiração à consolidação política da região e o fortalecimento de sua influência no mundo. Leia a seguir a íntegra do texto da entrevista publicada nesta sexta-feira (11):

Putin - Voz da Rússia

Prensa Latina: Os líderes russos anteriores não visitaram a América Latina tão frequentemente como as outras regiões do mundo. O que a América Latina pode oferecer à Rússia de hoje, e vice-versa, em um sentido mais amplo?
Vladimir Putin: É pouco provável que se possa estimar as relações entre os Estados e entre nações somente pelo número de visitas de alto nível. O mais importante são os benefícios mútuos que a nossa cooperação traz. E é isso que é a base mais estável dos laços multifacetados entre a Rússia e a América Latina.

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A América Latina é um continente original e próximo de nós em termos do espírito e cultura. As pinturas de muralistas mexicano, o tango argentino, a canção peruana O Condor Passa e poemas de Pablo Neruda há muito se converteram em parte do patrimônio mundial. Todos nós somos inspirados pelas obras do grande escritor e pensador colombiano Gabriel García Márquez e admiramos as obras do arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer (1907-2012).

A América Latina é uma fonte rica de recursos naturais – como o petróleo e bauxita, água doce e alimentos. Os países da região têm uma experiência muito interessante de terem criado um modelo bem estável de desenvolvimento democrático e crescimento econômico com um forte componente social.

As nações latino-americanas que lutaram por sua independência nos inspiram muito respeito por sua autonomia e pelo direito de autodeterminação. Nomes lendários como Simon Bolívar, José Martí, Che Guevara e Salvador Allende. O "continente flamejante" não é apenas uma caraterística de certa etapa do passado latino-americano. É um símbolo da aspiração a uma vida melhor, prosperidade, progresso e justiça social.

Hoje a cooperação da Rússia com os países latino-americanos é uma das áreas principais e bem promissoras de política externa. O multilateralismo nos negócios internacionais, o respeito ao direito internacional, o reforço do papel central da ONU e o desenvolvimento sustentável são os princípios que nos unem. Tudo isso nos converte em aliados em nível internacional, nos permite desenvolver a cooperação em uma ampla gama de questões. Estamos agradecidos aos sul-americanos pelo apoio das nossas iniciativas internacionais, incluindo a desmilitarização do espaço exterior, consolidação da segurança de informação internacional, combate à glorificação do nazismo.

É de importância fundamental para nós que, independentemente de qual força política chefie um ou outro país da região, permaneça a continuidade das relações com a Rússia, que refletem os principais interesses nacionais, independentemente de que formação política encabece um ou outro país da região no momento.

Entretanto, falando do lado material da cooperação, aspiramos ampliar a interação econômica e comercial, em primeiro lugar, o componente de investimentos. Estamos interessados em promover alianças de projetos, produção e tecnologia com participação dos países da região, proveito máximo das economias complementares, cooperação em tais áreas importantes como energia de gás e petróleo, hidroenergia e energia nuclear, construção de aviões e helicópteros, infraestrutura e, ultimamente, biofarmacêutica e tecnologias de informação.

Continuaremos a prestar aos latino-americanos assistência prática para combater novas ameaças, inclusive a formação de representantes dos órgãos responsáveis pela segurança nos cursos regionais antidrogas em Manágua e Lima. Reforçaremos a interação concreta no rescaldo de desastres naturais.

Achamos importante contribuir para a expansão dos laços humanitários, intercâmbios entre estudantes, juventude e turistas, contatos entre as pessoas. Sem dúvida, ajuda a alcançar esse objetivo o regime de isenção de visto recíproca introduzido nos últimos anos para os nossos cidadãos, abrangendo quase toda a América do Sul e vários países da América Central e do Caribe, e o número de tais países ainda vai crescer.

O que o senhor pensa em relação às novas plataformas de integração na América Latina, tais como a Celac, Unasul e Alba? Que laços a Rússia poderia desenvolver com essas associações?
Estamos interessados em uma América Latina unida, forte, economicamente sustentável e politicamente independente, que está se tornando uma parte importante de uma ordem mundial policêntrica emergente. Nessa região existe a forte tradição de liberdade e respeito pelas outras pessoas e outras culturas e, normalmente, não há graves conflitos entre os países, nem desejo de apoiar a política de "dividir para reinar". Pelo contrário, aqui estão prontos para trabalhar juntos para proteger a "casa latino-americana" comum.

Os processos de integração na América Latina refletem em grande parte as tendências mundiais do desenvolvimento da integração regional e demonstram o compromisso com a consolidação política na região, e o fortalecimento de sua influência no mundo.

Gostaria de destacar a formação da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Trata-se de uma associação de todos os países do continente direcionada para se tornar om fórum para examinar os assuntos regionais sem participação e interferência de forças externas. Saudamos a prontidão da Celac para fomentar os laços fora da região, inclusive com a Rússia. No ano passado foi realizada em Moscou a reunião dos chanceleres da Rússia e da "troika" ampliada da Comunidade. Agora é importante definir as áreas concretas da cooperação. Nós estamos prontos para esse trabalho.

Achamos bem promissora a promoção de contatos entre a Celac e os países-participantes da União Aduaneira – Espaço Econômico Único. A Rússia junto com Bielorrússia e Cazaquistão estão aprofundando os processos de integração – em maio passado firmaram o acordo sobre a criação da União Econômica Euroasiática, que começará a funcionar já a partir de 1º de janeiro de 2015. Está em formação um dos maiores mercados do mundo – com população de quase 170 milhões de pessoas, com circulação livre de capitais, bens, serviços e mão de obra. O mercado baseado em princípios universais, normas e regras da OMC. Isso contribui significativamente para o ambiente de fazer negócios no espaço euroasiático, amplia as possibilidades para promover contatos empresariais mutuamente vantajosos com os parceiros externos.

Quero destacar que estamos abertos à interação substantiva com todas as associações da região latino-americana. Além da Celac estou falando sobre a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), Mercado Comum do Sul (Mercosul), Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), Aliança do Pacífico (AP), Sistema de Integração Centro-Americana (Sica), Comunidade do Caribe (Caricom).

O mais importante é que todas essas associações, promovendo seus laços externos, trabalhem para unidade, ao invés da separação dos países latino-americanos, inclusive conforme critérios políticos e ideológicos. Contamos com que a consolidação da cooperação multilateral servirá como um fator adicional no desenvolvimento bem-sucedido das nossas relações bilaterais com os parceiros latino-americanos.

Rússia e Cuba têm longa tradição nas relações bilaterais, e os nossos países procuram desenvolvê-la no espírito da parceria estratégica. Qual é a base das relações russo-cubanas hoje em dia? Como vê o futuro delas?
A base das relações russo-cubanas é tradição longa de amizade sólida e experiência rica, em grande parte única da cooperação frutífera. O povo russo tem simpatia sincera e respeito pelos cubanos. Estou convencido de que esses sentimentos são recíprocos.

Como se sabe, nos anos 1990, os ritmos de nossa cooperação bilateral baixaram, e os parceiros estrangeiros de outros países nos ultrapassaram em várias áreas. Por exemplo, os canadenses propuseram a Cuba projetos conjuntos promissores na indústria de mineração, os europeus desenvolviam ativamente o turismo. Estamos prontos para recuperar o atraso.

Hoje em dia, Cuba é um dos principais parceiros da Rússia na região. A nossa interação é de caráter estratégico e é orientada para perspectiva de longo prazo. Estamos realizando coordenação estreita da política externa, inclusive no âmbito das organizações multilaterais. As nossas posições coincidem no que se refere a vários assuntos globais e regionais.

A tarefa principal da agenda bilateral é ampliação dos laços econômicos à base do programa intergovernamental de cooperação econômica e comercial, científica e tecnológica para os anos 2012-2020. Estão em desenvolvimento grandes projetos na área de indústria, alta tecnologia, energia, aviação civil, uso pacífico do espaço exterior, medicina e biofarmacêutica.

Uma das áreas mais importantes dos trabalhos conjuntos é incremento de intercâmbio humanitário. Já se tornou uma boa tradição a realização de turnês de grupos musicais e teatrais russos em Cuba, bem como exposições de grande escala. Continuaremos a estreitar os contatos entre representantes da juventude e círculos científicos, cooperação na esfera da educação e turismo.

Em uma palavra, somos otimistas sobre o futuro das relações russo-cubanas. Há boas perspectivas praticamente em todas as áreas-chave da cooperação bilateral.

O volume do comércio e dos investimentos entre Moscou e Havana ainda não atingiram o nível tão alto quanto as relações políticas e diplomáticas. Que passos a Rússia poderia sugerir para aumentar o volume de investimentos russos em Cuba e elevar significativamente o nível da cooperação na área de comércio entre os dois países? Existem projetos grandes em Cuba dos quais com certeza participarão empresas russas?
Os laços russo-cubanos na área de comércio e investimentos têm grande potencial. Para aproveitá-lo de forma eficaz, funciona de forma regular a Comissão intergovernamental, cuja 12ª reunião está planejada para este ano em Havana. Existe cooperação intensa entre as estruturas empresariais (Conselhos Empresariais Rússia-Cuba e Cuba-Rússia). As nossas empresas tradicionalmente participam da Feira Internacional de Havana anual: em 2013, 50 empresas russas apresentaram seus produtos.

Acreditamos que existem todas as possibilidades para passar ao nível qualitativamente novo da cooperação – inclusive por via de projetos grandes conjuntos.

Em particular, em agosto de 2013 a S/A Zarubezhneft iniciou a perfuração do primeiro poço de produção no campo Boca de Jaruco.

No futuro próximo – exploração de novos campos na plataforma continental de Cuba. S/A Zarubezhneft e S/A NK Rosneft estabeleceram interação ativa com a companhia estatal cubana Cupet com estes fins.

A Companhia Inter RAO S.A pretende aderir à construção de blocos de energia para a usina termelétrica Máximo Gómez e Havana Oriental. Equipamentos de energia elétrica russa estão sendo fornecidos a Cuba.

Devido ao desenvolvimento em Cuba da zona econômica especial de Mariel, uma série de empresas russas especializadas, em particular, em fabricação de artigos de plástico armado, produção de autopeças, montagem de tratores e maquinaria para indústria ferroviária, expressaram interesse em promover cooperação.

Está sendo elaborado um projeto de grande escala com participação da Rússia, Cuba, com possível atração de investimentos de terceiros países para formar um grande centro de transporte. Ele visa com modernização do porto marítimo Mariel e construção na cidade de San Antônio de los Baños de um aeroporto internacional moderno com terminal de carga.

Atribuímos grande importância à cooperação na área de alta tecnologia. Em especial, estamos trabalhando ativamente para criar na ilha uma infraestrutura terrestre do sistema Glonass, fornecer a Cuba produtos, serviços e tecnologia na área de sondagem remota da Terra e telecomunicações via satélite.

Também atesta ao caráter estratégico das relações o fato da Rússia ter dado um passo sem precedente – cancelamos 90% da dívida de Cuba em empréstimos feitos na época soviética. A soma total da dívida é enorme (mais de US$ 35 bilhões). O acordo intergovernamental respectivo foi assinado em outubro passado e agora está na fase final da ratificação. Também, os 10% restantes – ou seja US$ 3,5 bilhões – serão gastos em Cuba, em projetos de investimentos importantes que pretendemos selecionar e consolidar com a parte cubana. Os objetos seriam orientados para desenvolvimento social e econômico da república. Contamos com que esses investimentos sejam frutíferos.

Como se desenvolvem os laços tradicionais entre os Rússia e Cuba na esfera humanitária, na área cultural e de turismo?
O desenvolvimento dos laços nessas áreas é prioritário. Dezenas de milhares de cubanos estudaram no nosso país. Anualmente damos aos estudantes cubanos a oportunidade de estudar em universidades russas por conta do orçamento federal – Cuba recebeu 100 bolsas para os anos 2014-2015.

É com grande êxito que estão sendo implementados os projetos conjuntos na esfera de teatro e arte musical. O exemplo notável é o triunfo que a apresentação de Anna Karenina pelo teatro Evgueni Vakhtangov, que foi considerado em Cuba o melhor espetáculo estrangeiro de 2013, realizado em outubro passado. A Rússia participa ativamente de feiras de livro internacionais anuais em Havana, inclusive da 23ª Feira realizada em fevereiro passado. Damos muito valor à oportunidade de fazer com que os cubanos conheçam a literatura clássica e contemporânea russa.

Acho bom que depois de um intervalo prolongado Cuba tenha retornado para a Associação Internacional de Professores da Língua e Literatura Russa. Junto à associação foi criado um grupo de especialistas em língua russa, e à base do departamento especializado da Universidade de Havana foram abertos os cursos respectivos.

Outro monumento verdadeiro à amizade russo-cubana é a igreja ortodoxa em Havana que foi inaugurada em 2008 conforme a iniciativa do líder da revolução cubana Fidel Castro.

Há menos de um mês esteve em nosso país a delegação da juventude cubana – no âmbito do programa de viagens de referência para a Rússia de representantes jovens dos círculos políticos, sociais, científicos e empresariais dos países estrangeiros Nova Geração. Tais viagens se realizam já há dois anos. Contamos com que essa prática tenha no futuro caráter regular.

Achamos mutuamente vantajosa e promissora a cooperação na área de turismo. No ano passado mais de 70 mil cidadãos russos visitaram a ilha. Agora estamos implementando as medidas para aumentar o número de companhias aéreas que realizem os voos diretos entre as cidades dos dois países. Assim, pretendemos garantir crescimento sustentável do fluxo de turistas russos para Cuba.

Quais são as principais tendências do desenvolvimento das relações da Rússia com a Argentina? Quais são as expetativas do senhor em relação à visita a esse país? Que objetivos pretende alcançar para que a visita possa ser considerada bem-sucedida?
A Rússia e a Argentina estão unidas pela história de mais de um século de laços estreitos e atração mútua forte. Dizem que um em cada seis argentinos tem pelo menos uma gota de sangue russo. Para muitas pessoas do nosso país Argentina virou a segunda pátria. Em 2015 comemoremos 130 anos desde o estabelecimento das relações diplomáticas.

Hoje em dia a Argentina é um dos parceiros principais, estratégicos da Rússia na América Latina, na ONU, G-20. As nossas abordagens aos assuntos fundamentais da política global são próximas ou coincidem. Temos visão única em relação à necessidade de formação de uma nova ordem mundial mais justa e policêntrica, com base em direito internacional e papel central coordenador da ONU. O bom exemplo da interação entre os nossos países foi assinatura em maio passado da Declaração Conjunta da Federação da Rússia e da República Argentina sobre não serem os primeiros a colocar armas no espaço cósmico.

Valorizo muito o diálogo construtivo e de confiança com a presidenta Cristina Kirchner. Vejo a minha visita a Buenos Aires como a oportunidade de discutir todo o conjunto de assuntos atuais da agenda bilateral e internacional, continuar a troca frutífera de opiniões sobre os meios de aprofundamento das relações em várias áreas, traçar projetos conjuntos da cooperação mutuamente vantajosos.

O nível atual do intercâmbio comercial entre a Rússia e Argentina é relativamente baixo. O que precisa ser feito, em sua opinião, para dar impulso às relações econômicas entre os dois países?
Em 2009 os nossos países assinaram o Plano de Ação da Parceria Estratégica, à base do qual temos trabalhado de maneira frutífera nos últimos anos e, aparentemente, alcançamos o nível alto em termos do cumprimento dos passos previstos.

Quando falamos sobre cifras, o importante é que estamos comparando. Na última década o volume do comércio russo-argentino cresceu seis vezes e atingiu o nível estável de US$ 1,8 bilhão, o que permite considerar a Argentina um dos parceiros principais da Rússia na economia e comércio na região da América Latina.

A cooperação se realiza à base de vantagens mútuas. Por exemplo, compramos nos volumes necessários os produtos agrícolas que têm demanda no nosso país. A quarta parte do total da energia elétrica na Argentina é gerada pelas turbinas fabricadas na Rússia.

Por outro lado, os projetos implementados nos últimos anos pelos empresários russos e argentinos nas esferas da energia renovável, energia elétrica, setor de gás e petróleo, engenharia de transportes e outros, ainda não resultaram em aumento significativo do intercâmbio comercial. Aqui tem espaço para aperfeiçoamento.

Daremos atenção especial ao aumento da cooperação tecnológica e de investimentos, em particular, no setor da energia, energia nuclear e maquinaria. Vemos boas perspectivas no futuro para trabalho conjunto na Antártica. Pretendo abordar todos esses assuntos em detalhe no decorrer das negociações com a presidenta Cristina Kirchner.

Em março, foi difundida a informação de que a Argentina poderia se tornar o sexto país do Brics. Esta ideia foi apoiada por três dos cinco países – Índia, Brasil e África do Sul. Qual é a opinião da Rússia sobre o assunto? Seria razoável expandir o Brics? Quais são os critérios para a eventual adesão de um país ao Brics?
A Rússia saúda a aspiração das autoridades argentinas a aproximar-se do Brics. É possível estabelecer uma parceria estratégica do Brics com a Argentina – como acontece com outros grandes países em desenvolvimento – em aspectos políticos, econômicos e financeiros internacionais.

No entanto, a questão da expansão do Brics não está sendo examinada em termos práticos. Primeiro é preciso ajustar os trabalhos de vários formatos de cooperação já existentes no âmbito da união.

Não há critérios rigorosos para aderir ao Brics. A decisão é tomada individualmente.

Em geral, hoje cada vez mais países estão enxergando as perspectivas da nossa associação. Por isso no futuro provavelmente surgirá a questão da ampliação gradual do Brics.

Por Luis Enrique González Acosta*, para a Prensa Latina
*Presidente da Agencia Prensa Latina