América Latina é contra "fundo abutre" que ataca a soberania argentina
Os principais blocos políticos da América Latina reagiram com preocupação à recente decisão da justiça dos Estados Unidos que favoreceu os fundos especulativos com os quais a Argentina tem uma dívida de 1,33 bilhão de dólares. Mercosul, Unasul e Alba já se manifestaram a favor do governo argentino, rechaçando o que consideraram um “ataque a soberania” do país dirigido pela presidenta Cristina Kirchner.
Publicado 26/06/2014 10:27
O Mercado Comum do Sul (Mercosul) se juntou à União de Nações Sul-Americanas (Unasul), ao rejeitar o modo como agiram os fundos especulativos, que, segundo o bloco, "afetam a estabilidade financeira global". Da mesma forma, a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba), emitiu um comunicado classificando os fundos como “perigo latente e real para todos os países do mundo”.
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Os também chamados “fundos abutres” são um capital de risco que consiste na compra de títulos da dívida de um Estado em situação econômica difícil (normalmente a 20% ou 30% de seu valor nominal). A especulação financeira acaba favorecendo o comprador que, posteriormente, pode cobrar a totalidade do valor do bônus mais os juros em tribunal.
Os sócios do Mercosul expressaram "solidariedade e apoio à Argentina" e enfatizaram que o pagamento da dívida não deve hipotecar o crescimento econômico do país. O grupo econômico pediu uma solução "que não comprometa o desenvolvimento e o bem-estar do povo (argentino), em consonância com suas políticas de desenvolvimento nacional", afirmou o bloco em comunicado que vai ao encontro da postura da presidente Cristina Kirchner.
Na semana passada, a Suprema Corte dos Estados Unidos confirmou a decisão que obriga o pagamento da dívida argentina de 1,33 bilhão de dólares aos “fundos abutres", porque buscaram nos tribunais a cobrança de 100% do valor nominal mais os juros.
Na cúpula em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, o G77+China afirmou "a importância de não permitir que os ‘fundos abutres’ paralisem as atividades de reestruturação da dívida de países em desenvolvimento nem privem os Estados de seu direito de proteger seus povos, de acordo com o direito internacional".
A Unasul, bloco que desde 2008 reúne os sócios do Mercosul, além de Colômbia, Chile, Equador, Peru e Guiana, emitiu um comunicado nesta terça-feira (24) para rejeitar "o comportamento de agentes especulativos que colocam em risco os acordos alcançados entre devedores e credores, afetando a estabilidade financeira global". O bloco expressou seu "pleno apoio à solução que não comprometa o amplo processo de reestruturação de sua dívida soberana".
Solidariedade latino-americana
Os presidentes da Bolívia e do Uruguai, Evo Morales e José Mujica respectivamente, foram os primeiros a expressarem sua solidariedade com a Argentina. Os mandatários também e criticaram a atuação dos fundos especulativos.
"O que se pretende fazer contra a Argentina é um complô financeiro alimentado pela voracidade de quem se aproveita das nossas crises econômicas", disse Morales, que pediu que se evite que "os atuais especuladores se transformem em extorsores financeiros não só com a intenção de provocar novas crises financeiras, como também de nos conduzir à privatização de nossas empresas e ao saque de nossos recursos naturais".
"Estamos à beira de uma guerra financeira imoral de alta intensidade, uma nova forma de dominação e de assédio estrangeiro contra nossos povos", disse Morales.
"Hoje ou amanhã, podem fazer o mesmo com qualquer um de nós", disse Mujica, argumentando que esses conflitos sejam levados "aos foros internacionais", para "assumir atitudes coletivas".
O embaixador do México na Argentina, Fernando Castro Trenti, também manifestou seu apoio a Buenos Aires. "Acompanhamos a presidente argentina em todas as suas causas, todas as suas lutas", disse Trenti ao ser consultado sobre o litígio com os fundos durante uma apresentação cultural.
A Argentina esperava para esta terça-feira a resposta do juiz americano ao seu pedido de suspensão da execução da sua sentença para avançar nas negociações com fundos especulativos e pagar sua dívida em default de 1,33 bilhão de dólares.
Em uma profunda crise financeira em 2001, a Argentina declarou a moratória sobre sua dívida pública, de um total de 100 bilhões de dólares, em um consenso entre legisladores de todos os partidos. Depois, conseguiu renegociar a dívida em duas permutas com cerca de 93% dos credores, com pagamentos que chegaram a 70% do valor nominal dos títulos.
Reação brasileira
O embaixador brasileiro na ONU, Antonio Patriota, disse que a decisão da Justiça norte-americana sobre a dívida argentina preocupa por expor a racionalidade de decisões jurídicas e tem "efeitos perversos para sociedades inteiras".
Segundo nota do Itamaraty, Patriota disse "que o caso dos fundos abutres expõe a irracionalidade de decisões judiciais domésticas com implicações sistêmicas no plano internacional". E afirmou que é preciso "evitar que o setor privado se comporte de forma insensível e insustentável" e "meditar sobre decisões jurídicas domésticas com efeitos perversos para sociedades inteiras e para a governança financeira internacional".
Patriota falou sobre a ação dos fundos especulativos após o ministro da economia da Argentina, Axel Kicillof, nesta quarta-feira (25) na sede da ONU.
Théa Rodrigues, da redação do Portal Vermelho,
Com informações da AVN, AFP e do site do Itamaraty