Carlos Odas: Não somos inúteis, somos brasileiros
Deu vontade de parafrasear aquele roqueiro que se tornou um conservador chato pra caramba. A gente “já sabemos” tomar conta da gente; a gente “já sabemos” escovar os dentes. E já sabemos escolher presidente. Se tinha gringo pensando que “nós é indigente”, não tem mais – a não ser, talvez, pelo episódio asqueroso protagonizado pelo camarote VIP durante a abertura da Copa do Mundo; foi o único tisnado na imagem do Brasil até aqui em relação ao evento.
Por Carlos Odas, no Brasil 247
Publicado 17/06/2014 05:41
A Fifa nos deve desculpas por ter dado elementos de manchete negativa à mídia que se opõe ao Brasil; Ronaldo deve desculpas aos brasileiros honrados, que não têm do que se envergonhar de seu país. Bastou a primeira rodada da fase de grupos para que o tom da cobertura sobre a Copa do Mundo mudasse de um espectro a outro nas cores pintadas pela grande mídia; aqui ou ali, tentativas de atribuir “ao Brasil” – ou seja, ao Governo – falhas da própria Fifa soam tão canhestras quanto o comportamento daquele zagueiro desastrado de Portugal, o Pepe.
Pepe, aliás, é aquele que por duas vezes já (uma delas nesta Copa do Mundo), é expulso de campo por agredir adversários depois de ele próprio ter cometido falta grave. As ofensas proferidas por endinheirados contra a presidenta da República serviram, ao menos, para revelar os “Pepes” no que se convencionou chamar “grande imprensa” no Brasil. Tanto que incomodou aos que buscam dar um mínimo de respeitabilidade à profissão de jornalista por estas plagas; num rompante de sinceridade José Trajano, da ESPN, nomeou alguns desses zagueiros desastrosos da oposição midiática ao PT que tentaram, ainda que de forma oblíqua, legitimar a má educação como forma de manifestação política. Os quatro nomeados por Trajano, aliás – haveria muitos mais a nomear em vários veículos – escrevem a soldo do panfleto trasvestido de revista semanal. Segundo José Trajano, destilam ódio e inveja; como resposta, recebeu de um dos citados uma declaração de ódio figadal seguida da incitação à claque que o segue, pequena mas com grande capacidade de odiar a tudo que não pareça consigo, para que exercitem o ódio contra o jornalista nas redes e meios que lhes sejam acessíveis.
Esse episódio merece uma reflexão acurada por revelar, uma vez mais, o caráter da parcela da imprensa vinculada aos interesses políticos da oposição, sobretudo o PSDB. O que praticam já não se parece mais com jornalismo, e qualquer um que lhes pareça crítico às suas práticas deve ser desqualificado no debate público. Invertem valores como quem gira uma chave; em episódios similares, tucanos são protegidos pelo manto da dúvida e da isenção, já petistas são achincalhados até à incitação ao linchamento público. Basta uma olhadela no território dos comentários de blogs e sites, sobretudo aqueles protegidos pelo anonimato, para constatar o que disse Trajano. A narrativa dessa turma se fundamenta no ódio, não na realidade. Essa, invariavelmente, os atropela.
Voltando ao ponto, no entanto: até aqui, não houve falha alguma de organização no que coube ao país. O “imagina na Copa” esboroou-se ante a realidade – assim como já se tinham esboroado o surto inflacionário do tomate, o apagão elétrico, o desemprego (que chegaria, chegaria… e não chegou) e o apagão de mobilidade durante a Copa do Mundo. Com isso, vê-se uma mudança radical de percepção no humor geral em relação ao evento. As mobilizações dos movimentos sociais que se indispuseram contra a realização da Copa existem, diga-se; pautas legítimas que permanecerão sobre a mesa e precisarão ser consideradas mais adiante; só não se encontra no ar aquele clima de pessimismo inoculado com a insistência vira-lata da mídia nacional durante meses a fio. Afinal, os brasileiros percebem que não é verdade que sejamos inúteis.
Que a realização da Copa do Mundo no Brasil tem incidência no debate eleitoral, ninguém consciente discorda; haja vista o esforço monumental que oposição e mídia a ela vinculada empenharam em desacreditar a capacidade do país de organizar o evento. Nesse aspecto, no entanto, eu não creio que a realidade se imponha somente à oposição. O Governo falhou miseravelmente em comunicar-se sobre a Copa nos sete anos entre a escolha da sede no Brasil e sua realização; saberá capitalizar o sucesso da mesma após a trégua que esse sucesso impõe ao fogo de saturação da grande mídia? Tenho cá minhas dúvidas, pra ser sincero.
A mídia busca um elemento para galvanizar o bom humor do brasileiro em relação à Copa do Mundo que não seja o reconhecimento de nossa capacidade, afinal, de realizar um evento desse porte, com imenso sucesso, em meio à crise que assola a maioria dos países centrais; esse elemento é a Seleção Brasileira, a “canarinha”, o “escrete sagrado”. Falar do bom futebol da Seleção – ainda mais se ele vier a se tornar de fato bom à altura do nível técnico desta Copa –, será a forma de tratar desse sentimento de bem-estar que a Copa tem gerado sem associar isso ao sucesso nas obras de mobilidade urbana e infraestrutura ou à excelência demonstrada na organização do evento. Se o desastre anunciado não se confirmou, quem o anunciou finge que não previu desastre algum e tenta desviar os olhares para um foco, digamos, mais neutro.
A Seleção pode ser esse foco porque é um símbolo despolitizado na mesma medida em que é manipulável; num ambiente onde, convenhamos, o que fala mais alto há muito tempo é o dinheiro dos patrocinadores, não me espantaria que um ator privilegiado pelas relações comerciais e pessoais que mantém com a Seleção Brasileira – e com lado definido na disputa eleitoral – como Ronaldo, já não esteja trabalhando a utilização da imagem de vários dos possíveis campeões mundiais em favor de seu candidato. Por isso não gosto quando a presidenta se esforça mais em sacralizar a Seleção como instância “acima da política” – por que ela precisa dizer isso? – do que em frisar os sucessos todos que estamos tendo na organização do evento. Sim, o futebol dentro das quatro linhas não tem – ou não deveria ter – nada a ver com a política; mas, não tenho dúvida, a primeira edição do Domingão do Faustão pós conquista da Copa – se vier – desafiará esse dogma e politizará a vitória do Brasil em favor da “mudança de tudo isso que está aí”. Quem aposta que não?
Por fim, se a coloração da cobertura sobre a Copa mudou, não podemos esquecer que isso também se deve – e muito – à pressão de patrocinadores e sócios da grande mídia, sobretudo da Rede Globo, que perceberam que na luta política só não vale torrar dinheiro desestimulando os brasileiros a participar do espírito desse grande evento. A súmula, por ora, desta primeira fase é que a realidade se impôs para todos: somos capazes de organizar magnificamente o maior evento do mundo; a trégua deve se estender até o jogo final, se o Brasil chegar lá – senão, o armistício pode ser desfeito antes; a guerra aberta, com combinação tática entre os franco atiradores da mídia, tem data para recomeçar: 14 de julho.
O que fazer diante disso? O primeiro e importante passo é não ouvir o canto da sereia; seria bom que o Governo, pelos meios que pudesse, questione, afinal, os que previram o fracasso e envergonhe diante dos brasileiros os que se diziam envergonhados do Brasil. É preciso que fique claro que as previsões eram torcida pura. Por outro lado, é preciso um processo intenso e consequente de diálogo com os que se opuseram à Copa por questões legítimas – e os há. Ao fim e ao cabo, os temas levantados por alguns desses setores – como o direito à mobilidade, a qualidade dos serviços públicos, a reforma política e o modelo de desenvolvimento – são as pautas que poderão fazer a diferença nessas eleições. Afinal, o que nos diferencia dos nossos adversários não é a paixão pelo futebol ou a torcida pela Seleção, mas o que pensamos sobre as questões sociais e o que propomos para o futuro do país.
Carlos Odas é ex-secretário nacional de Juventude do PT