Indígenas conquistam restituição de suas terras no Paraguai

O dia 21 de maio é agora mais uma data importante na luta da comunidade Sawhoyamaxa do povo indígena Enxet, do Paraguai. Nesse dia, a Câmara dos Deputados do país sancionou o Projeto de Lei de Expropriação de 14.404 hectares para a restituição de parte das terras ancestrais da comunidade indígena na zona conhecida como Loma Porã, no Chaco ou Região Ocidental.

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Essa decisão chegou oito anos depois de uma sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH), de 29 de março de 2006, que obrigava o Estado paraguaio, em um prazo de três anos, a restituir o território reclamado pela comunidade e que estava ocupado pelo proprietário de terras alemão Heribert Roedel. A decisão condenou o Estado pela violação de direitos fundamentais da comunidade Sawhoyamaxa, que viveu mais de duas décadas fora de suas terras ancestrais usurpadas por Roedel e ordenou às autoridades que concretizem empreendimentos rodoviários e programas de desenvolvimento como forma de ressarcimento.

Roedel chegou ao Paraguai no início da colonização do Chaco, durante a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-89) e começou a comprar grandes extensões de terras com seus habitantes dentro. Em 1991, ordenou à comunidade Sawhoyamaxa – que em enxet significa "lugar onde se acabaram os cocos” – que abandonassem as terras porque interfeririam nos trabalhos de desmatamento para a produção agropecuária intensiva. Os enxet acamparam às margens da rodovia, único lugar onde podiam ao menos levantar uma cabana.

"Nessa época, não tínhamos nem escola”, afirma o líder comunitário Heriberto Ayala para Notícias Aliadas. "Agora, pelo menos já há alguns que terminaram o sexto grau [educação primária]. Temos espaço físico onde está devidamente assentada a escola”.

Povos originários

A decisão da CorteIDH se apoiou no direito consuetudinário, anterior a toda estrutura jurídica, pois os povos indígenas estão aqui desde antes mesmo da origem do Estado. A sentença menciona que o Paraguai violou, entre outros, o direito à vida, à propriedade comunitária e à personalidade jurídica dos indígenas.

Ayla também explica algumas características culturais de sua comunidade. "Na atualidade, linguisticamente, falamos o guarani, nossa própria língua enxet sul e também compreendemos o castelhano. Somos puramente chaquenhos, isso nos caracteriza como comunidade Sawhoyamaxa”, explica.

Ele menciona que a comunidade solicitou 14.400 hectares dos 61 mil hectares que Roedel possui no Chaco. Igualmente, também assinala que o mesmo proprietário possui cerca de 31 mil hectares na zona de Naranjito, no Departamento de San Pedro.

"Nós estamos certos de que esse senhor inclusive está enganando seus próprios compatriotas no negócio das terras. Sabe-se que tem uma ordem de prisão em seu país de origem, Alemanha, por desfalque contra investidores alemães”, denuncia.

Segundo Ayala, não é a primeira vez que se apresenta uma lei de expropriação, pois isso já havia sido realizado em 1997 e 2009, mas em ambos os casos a Comissão de Direitos Humanos do Senado decidiu que o Estado paraguaio não cumprisse com a sentença da Corte IDH.

"Por que as autoridades esperaram que falecessem muitos irmãos nossos no processo dessa luta?”, pergunta Ayala. Inclusive, quando já se encontrava no meio da sentença da Corte IDH, faleceram várias pessoas por causa de doenças das que podiam ser tratadas ou curadas. Essa situação foi desencadeada pelas precárias condições de vida que suportam, assim como pela periculosidade que significava estarem na beira da estrada.

"Nós fomos, de forma pacífica, esgotando todas as instâncias administrativas para tramitar a restituição de nossa terra, mas já não podemos seguir esperando depois de mais de 23 anos. [Em março de 2013] tivemos que romper o alambrado e entramos em nossa terra. Pelo menos, hoje em dia, a comunidade conta com plantações para o autoconsumo”, expõe.

Ameaças

Ayla conta que, após o reingresso a parte de seus territórios, a empresa contratou capangas civis que rondavam os arredores do lugar ameaçando capturar os dirigentes e membros da comunidade.

Detalha que uma vez que a expropriação se concretize serão beneficiadas 156 famílias. "Temos até nosso cemitério, também ficaram sepultados nossos irmãos na beira da estrada nesses 23 anos de acampamento. Desde o momento em que reingressamos em nossa terra ancestral estamos praticando de novo nossos rituais e costumes tradicionais”, relata.

"Os que sustentam a estrutura do poder do Estado têm em suas mãos a possibilidade de nos devolverem a possibilidade de recuperarmos nossas raízes e práticas culturais como povo indígena, em busca de um bem viver e que meus irmãos voltem a ter terras próprias onde produzirem”, disse Ayala.

Fonte: Adital