João Ananias: Mortalidade materna, uma prova da iniquidade

Por *João Ananias

Sempre encarei a morte com inconformismo, seja qual for a idade, causa ou circunstancia. Quando se trata de morte de mulheres, o inconformismo vira revolta, principalmente quando pode ser evitado. É o caso da mortalidade materna no Brasil, mácula que resiste em se apagar. Em 1990, aproximadamente 180 nações pactuaram com a ONU, por meio da OMS, a implementação de políticas que apontassem para a redução da mortalidade materna e infantil. A meta era chegar em 2015 com a diminuição de 75% no número de óbitos maternos e infantis.

Há quatro anos atingimos a meta relativa à redução de óbitos de crianças até o 1º ano de vida, que é como se calcula a taxa de mortalidade infantil. Porém, estamos distantes quando se trata da razão de mortalidade materna, que é o número de óbitos para cada 100.000 crianças nascidas vivas. Para que atingíssemos a meta, teríamos que chegar em 2015 com RMM menor que 35 por 100.000 nascidos vivos, só que estamos com 63,9 óbitos, dados de 2011. Considerável diferença que nos desfavorece em relação ao desafio assumido, pois pelas projeções, baseadas no percentual de redução nos últimos anos, torna-se quase impossível cumprirmos a meta.

No Ceará, a despeito de todo o esforço e investimentos realizados pelo Governo do Estado, este indicador está em 88,6 por 100.000 nascidos vivos, bem maior que a média nacional. Hipertensão arterial, hemorragias, infecção puerperal, doenças do aparelho circulatório, agravados pela gravidez e abortamentos são responsáveis por quase 100% destes óbitos, tanto no Ceará como no Brasil. O perfil das mulheres que morrem, na sua maioria , negras, indígenas, pobres e 15% delas adolescentes. Trata-se de consequência da desigualdade de gênero, raça e poder aquisitivo. Portanto, severa chaga de nossa sociedade, ainda tão mal repartida.

Por minha iniciativa foi criada subcomissão, na Câmara Federal, onde tratamos deste tema, com a intenção de incluir de volta o problema no debate nacional e chamar atenção para grave mazela. A sociedade fica silente diante desta vergonha, não sei se por falta de informações ou por atingir segmentos mais pobres. Aproveito para destacar a iniciativa da Fundação Demócrito Rocha, quando promoveu, em parceira com a Opas, o Ministério da Saúde e a Sesa, o seminário Equidade no SUS, onde foi abordado a mortalidade materna e lançado curso sobre equidade, destinado a agentes comunitários de saúde. O POVO é acreditado instrumento de comunicação, capaz de manter o tema permanentemente no debate, como ele merece. E equidade na assistência, em qualquer dos níveis de atenção, é indispensável para que tenhamos sistema minimamente justo.

*João Ananias é médico e deputado federal (PCdoB-CE)

Fonte: O Povo

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