Debate sobre o genocídio negro reúne Leci Brandão e movimentos sociais
O 62º Conselho Nacional das Entidades Gerais (Coneg) consolida a afirmativa de que a UNE é uma entidade que sempre procurou falar a linguagem da juventude, entender os problemas dos jovens brasileiros e buscar a realidade que os cerca, seja nas grandes cidades, seja nas periferias do Brasil.
Publicado 31/05/2014 16:56
Na tarde dessa sexta-feira (30) aconteceu no Anfiteatro de Engenha Elétrica da Escola Politécnica/USP, em São Paulo, um grande debate sobre os avanços e desafios da luta contra o racismo, que engloba genocídio da juventude negra, desmilitarização da polícia e segurança pública. Não a segurança pública de uma parcela da sociedade que sempre teve respaldo do estado; é a segurança pública dos brasileiros pobres, pretos, jovens, moradores das favelas, historicamente excluídos das oportunidades e dos direitos básicos.
Você conseguiu ultrapassar as estatísticas?
A discussão foi enriquecida com os depoimentos da sambista, artista e agora deputada estadual pelo PCdoB-SP, Leci Brandão; o representante da Unegro, Julião Vieira; o representante do Círculo Palmarino, Joselicio Junior; a representante do Núcleo de Consciência Negra na USP, Valéria Couto da Silva; e a diretora de racismo da UNE, Marcela Ribeiro.
Os números dizem que a cada 25 minutos morrem um jovem negro pobre no Brasil, vítima da violência. São aproximadamente dois jovens negros mortos por hora, 48 mortos por dia, 335 mortos por semana, 1344 mortos por mês. Esse é um número igual ou maior do que muitas guerras pelo mundo.
“Nós tivemos a consolidação da luta negra no Brasil há muito pouco tempo. Na década de 1950, na época da ditadura militar e até muito pouco tempo atrás queriam transformar a democracia racial em mito, pois não reconheciam o abismo que existia entre a sociedade. Ainda assim, apesar de todo o progresso da discussão, somos a estatística. Somos a juventude do genocídio e do alvo dos policiais”, afirmou Joselicio, que ainda indagou:
“De fato. No Brasil, se você é jovem, negro e favelado, a grande chance é entrar para as estatísticas. Frente a isso, fica a pergunta: Onde está a constituição? Onde estão os direitos humanos? Onde estão aqueles que deveriam nos proteger?”.
Na democracia, o estado é quem pode usar a força e essa força é usada através da polícia. A polícia é quem deveria proteger aqueles que estão correndo risco. A polícia é quem deveria contribuir para salvar a vida dos jovens nas periferias.
Infelizmente, o que acontece é exatamente o contrário. A polícia, especialmente a polícia militar, é uma das principais causadoras das mortes da juventude negra e pobre. É por isso que a UNE e diversos movimentos sociais defendem a desmilitarização da polícia no Brasil.
“Temos uma lista de avanços e o balanço, nesses últimos doze anos, é positivo. Das 59 universidades públicas, em 36 existe um formato de políticas de ação afirmativa para cotas. Das 35 universidades estaduais, 18 tem algum regime de cotas. Houve um ingresso significativo na universidade e as cotas foi uma vitória importante. Já o extermínio da juventude negra é o nosso maior desafio. Temos que entrar nisso de cabeça porque os dados são insustentáveis”, observou Julião Vieira.
“Já passamos exaustivamente por esse debate e não faz muito tempo. No julgamento da constitucionalidade das cotas para universidades públicas reconheceu-se, mais que a legalidade da política afirmativa, a dívida histórica do estado brasileiro com o povo negro e que o racismo ainda existe nesse país”, declarou Marcela Ribeiro.
Marcela não falou especificamente sobre cotas nas universidades, mas as cotas em concursos públicos. Aprovada no Senado, O projeto de Lei (PL) 6.783/13 que garante reserva de 20% das vagas em concursos públicos federais para negros e negras tem causado velhas falsas polêmicas pela grande mídia.
“Ora, se há o reconhecimento da dívida histórica do estado brasileiro com o povo negro, não seria uma das formas de reparação o empoderamento econômico desse setor? E mais, se há o reconhecimento da existência de racismo na organização política, social e econômica do Brasil, não seria correto democratizar os espaços da administração pública?”, argumentou.
A população negra corresponde a mais de 50% da população brasileira e está sub-representada em menos de 30% entre os servidores públicos, de acordo com o Ministério de Planejamento e a Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).
A 2° mulher negra na Alesp em 180 anos de casa
Intérprete, compositora, sambista e deputada estadual. É difícil descrever Leci Brandão num só título, mas, se levarmos em conta não suas habilidades e sim seu histórico de vida, uma só palavra pode sintetizar essa mulher: guerreira! Leci Brandão é a segunda mulher negra a ocupar o cargo de deputada estadual na Câmara dos Deputados, em São Paulo.
“Theodosina foi a primeira parlamentar negra eleita pela cidade e Estado de São Paulo em 1970. Neste parlamento, composto de 94 deputados, apenas 13 são mulheres, sendo que só duas são negras. Há algo de errado e isso deve ser mudado com urgência”, afirmou.
Em seu discurso, Leci lamentou o recente episódio em que policiais militares do Rio de Janeiro, ao socorrerem uma mulher negra, vítima de bala perdida, a colocaram no porta-malas da viatura, sendo que ela caiu e foi arrastada por longa distância. A deputada também fez menção a casos de ofensas raciais nos estádios de futebol. “Lutamos pelos seres humanos, independente de etnia, mas como a história do Brasil é marcada pela discriminação racial, a luta pela igualdade deve continuar”, declarou.
Núcleo de consciência negra da USP
Existe na USP um “barracão” que abriga um núcleo pouco conhecido na USP, mas de extrema relevância para o contexto social que o Brasil vive hoje: o Núcleo de Consciência Negra (NCN) da USP. É uma entidade sem fins lucrativos, localizada há 27 anos no campus Butantã da USP, e que historicamente luta pela implementação de Cotas Sócio-Raciais como meio de reparação histórica ao povo negro brasileiro.
“A USP nunca cedeu um espaço ao NCN e esse barracão onde estamos localizados é uma ocupação que resiste há mais de duas décadas e que nunca foi legitimado oficialmente pela USP. Questionamos a USP diversas vezes sobre a concessão do uso do barracão e nossos pedidos nunca foram ouvidos. A luta aqui dentro não pode estar desvinculada a luta que acontece fora da universidade. Convido vocês a passarem no nosso ´barracão’ e entenderem toda a nossa questão”, finalizou Valéria.
Fonte: UNE