Bachelet defende reformas e projeto que amplia direito ao aborto
A presidente do Chile, Michelle Bachelet, apresentou ao país nesta quarta-feira (21) as primeiras medidas da tão esperada reforma educacional, projeto estelar durante sua campanha eleitoral em 2013. Foi durante a tradicional cerimônia de prestação de contas presidencial ao Congresso, que acontece em cada 21 de maio, em Valparaíso.
Por Victor Farinelli, de Santiago para a Opera Mundi
Publicado 22/05/2014 09:36
O projeto mais importante é o que estabelece a gratuidade na rede pública de ensino, ao exigir que os administradores de colégio públicos de ensino médio e fundamental ofereçam vagas gratuitas para poder receber recursos do Estado. A proposta também prevê que esses estabelecimentos passam a ser fiscalizados pelo Ministério de Educação (atualmente respondem aos municípios), e que o Estado pode se fazer responsável em caso de problemas de gestão por parte dos administradores.
Além disso, os colégios públicos estarão proibidos de selecionar estudantes por critérios econômicos, étnicos ou culturais, e os de ensino médio considerados de excelência (como Instituto Nacional, masculino, e Liceu N° 1, feminino, e seus correspondentes em cada província) deverão abandonar a seleção por meio de prova de aptidão e selecionar estudantes destacados das escolas públicas de diferentes comunas, incluindo as mais pobres.
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Essas três medidas estão relacionadas às demandas mais importantes do Movimento Estudantil chileno desde 2011, como a gratuidade na rede pública e a desmunicipalização. “Essa é uma reforma que pretende reforçar a educação pública no país, para que ela volte a ser gratuita e de qualidade, como nos anos 60, mas com uma cobertura muito mais ampla, para que seja um direito garantido a todos os chilenos”, defendeu Bachelet.
A reforma educacional não foi a única abordada no discurso presidencial. Ela também se referiu à reforma tributária, que já foi aprovada na Câmara dos Deputados, e que espera o trâmite no Senado para ser a primeira das grandes transformações prometidas em campanha a ser concretizada. “Será fundamental para financiar os projetos da reforma educacional e outros programas sociais em saúde e habitação, além de estar voltada a um Chile menos desigual, onde os mais ricos paguem impostos de acordo com seus lucros, aliviando a carga dos que tem menos”, explicou.
Reações
As críticas aos projetos, principalmente o da reforma educacional, vieram de diferentes frentes e tons. A oposição acusou o governo de “passar um rolo compressor” sobre o direito das famílias de ter uma educação de qualidade, segundo o presidente do partido UDI, Ernesto Silva. “A liberdade das famílias está ameaçada por essa padronização que o governo pretende fazer, porque a gratuidade não garante qualidade da educação, e quem busca um colégio de qualidade para o seu filho irá encontrar um monte de colégios gratuitos e que são todos iguais, sob o risco de esse processo ser um nivelamento por baixo”, reclamou.
Por sua parte, o Movimento Estudantil qualificou as medidas anunciadas como insuficientes. A porta-voz da Confech, Meliss Sepúlveda, disse que “não se observa uma intenção do governo em transformações mais profundas, mais parece uma maquiagem, aborda os temas principais, mais não resolvendo os problemas”. Sepúlveda dá como exemplo o projeto de gratuidade mantém o controle dos estabelecimentos nas mãos de privados – apesar de exigir que a oferta de vagas seja gratuita –, enquanto os estudantes defendem que esse controle volte a ser do Estado.
Durante a cerimônia, a Confech (Confederação dos Estudantes do Chile) realizou uma marcha em Valparaíso, que terminou nas imediações do Congresso Nacional. Cerca de 20 mil pessoas participaram. Outro destaque da manifestação foi a participação de um genro de Bachelet, que encabeçou uma delegação de estudantes anarquistas – um dos grupos mais críticos com relação a atual proposta.
Aborto
Porém, um anúncio inesperado roubou a cena durante o discurso. Bachelet anunciou que levará ao Legislativo, nas próximas semanas, um projeto para a despenalização do aborto em casos de má formação fetal, risco para a saúde da mulher e gravidez fruto de violência sexual.
A proposta repercutiu especialmente por ser apresentada duas semanas após o caso de uma jovem de 16 anos que foi internada devido a uma hemorragia provocada por um abortivo comprado no mercado negro. No dia 12 de maio, a menor recebeu voz de prisão quando se encontrava na UTI do Hospital Municipal La Reina, o que gerou protestos das organizações de defesa dos direitos das mulheres. A presidente afirmou que “o Chile precisa encarar esse debate de forma madura, sem preconceitos e sem a desinformação que pautou esse debate no passado”.
A controvérsia aumentou com a reação do ex-presidente Sebastián Piñera via Twitter, que fez alusão a outro anúncio de Bachelet (que multa pessoas que abandonem seus bichos de estimação na via pública) para atacar o projeto: “parece que há mais cuidado e preocupação com o bem estar dos mascotes que com a vida e a dignidade das crianças que estão por nascer”.
No ano passado, Piñera causou polêmica ao oferecer recursos e estrutura estatal para uma menina de 11 que estava grávida. Organizações disseram que o presidente tentou convencer a menor a desistir do aborto, colocando em risco sua vida. Na ocasião, ele respondeu que a menor, ao decidir seguir com a gravidez, havia dado “um grande exemplo de maturidade ao país”.