Estatuto da Família: fundamentalismo contra os direitos LGBT
Está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei 6583/13, conhecido como Estatuto da Família. O objetivo do PL é definir o conceito de família como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável. Também considera família a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, por exemplo: uma viúva ou viúvo e seus filhos; um divorciado, uma divorciada ou mãe solteira com seus dependentes.
Por Débora Vaz*
Publicado 15/05/2014 16:05
Este projeto é um forte exemplo das garras do conservadorismo que toma conta do legislativo brasileiro. O criador do PL, Anderson Ferreira (PR-PE), é evangélico, assim como o relator da proposta, deputado e pastor da Assembleia de Deus, Ronaldo Fonseca (Pros-DF). Eles querem acabar com os direitos já conseguidos pela comunidade LGBT e deslegitimar a família que não se encaixa nos padrões heteronormativos impostos pelos “auto representantes de Deus”.
Fonseca também pretende incluir no texto dois temas não menos polêmicos: a internação compulsória de pessoas dependentes de drogas e o debate sobre a Lei da Palmada, que proíbe o uso de castigos físicos em crianças e adolescentes.
O projeto propõe que a família receba assistência especializada para o enfrentamento do abuso de álcool e drogas e determina que o governo preste apoio às adolescentes grávidas, e que seja dada prioridade na tramitação de processos em demandas que ponham em risco a “sobrevivência da entidade familiar”.
Na avaliação do parlamentar, a sociedade não pode aceitar a “ditadura de uma minoria”, referindo-se aos homossexuais. Fonseca nega ser fundamentalista religioso, mas se define como “conservador”. Em debate sobre o tema no programa Repórter Brasil, da TV Brasil, na noite da última quarta-feira (7), ele reiterou o termo “ditadura de uma minoria”, ressaltou que a família natural é formada por “papai homem e mamãe mulher”.
Por videochat em que debateu na terça-feira (6), com internautas, a criação do Estatuto, Fonseca defendeu o amplo debate com a sociedade em torno deste tema polêmico, “Não vamos fazer leis de costas para sociedade. Vou fazer muitas audiências públicas”, disse o relator.
Na última quarta-feira (7), em uma das audiências públicas para o debate na Câmara – parece que ainda teremos muitas – a comissão especial que analisa o Estatuto ouviu o pastor Cláudio Duarte, que tem longo histórico de aconselhamento a casais religiosos.
Fonseca quer ainda que participem deste debate o pastor Silas Malafaia e o arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani Tempesta. Para contrapor este mar de homofobia, ele quer ouvir o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ayres Brito, que foi o relator do processo sobre união homoafetiva no Supremo (Britto votou a favor).
Mas o convite à Britto também diz respeito ao fato de que Fonseca acredita que o reconhecimento de uma família homoafetiva é inconstitucional. “O estatuto não pode divergir da lei maior que é a Constituição. O artigo 226 diz exatamente isso. Se nós queremos outro modelo, temos que mudar a Constituição”, justificou Fonseca. Segundo ele, os próprios ministros do STF reconheceram que a decisão final caberia ao Congresso Nacional, por meio da legislação.
Interpretação do STF
Para ele, o Supremo errou ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) com o entendimento de que quando a Constituição fala em homem e mulher não trata de gênero, mas sim de direitos. “Após isso começou a balbúrdia e o Conselho Nacional de Justiça obrigou os tribunais a validarem casamentos de pessoas do mesmo sexo”, disse Fonseca.
Em resposta à internauta Nanda, que questionou a perda de direitos por membros de famílias que não se enquadrarem no conceito previsto no estatuto, o deputado disse que, sob o ponto de vista da lei, crianças adotadas por casais homoafetivos atualmente não são reconhecidas.
“O que temos é uma interpretação do STF sobre essa questão”, disse Fonseca. “O problema todo é o conceito de família. Se o critério é afetividade, por que não incluir o cachorro, o gato? Não tem afetividade?” questionou.
Para o deputado, embora o STF tenha reconhecido a união homoafetiva, o Congresso é o responsável pelas leis do país: “O STF não tem a palavra final. Não é rebeldia em relação ao Supremo, quem legisla é o Congresso”.
*Da CFemea, com Agência Câmara e Agência Brasil