Publicado 28/04/2014 10:12 | Editado 04/03/2020 16:27
No dia 4 de abril deste ano aconteceu mais uma seção da Comissão da Verdade em São Paulo, que tem como objetivo esclarecer as atrocidades ocorridas contra civis durante o período da Ditadura Militar iniciada em 1964 e que se prolongou por 21 anos. Esse ato de anistiar pessoas é importante tanto para os perseguidos quanto para a família. Confira a seguir uma entrevista com Juliana e Gilda Cosenza Avelar. Por ser irmã das duas, orgulho-me ao saber que o sangue da Esquerda corre por nossas veias.
Houve uma seção da Comissão da Anistia que julgou 24 processos de filhos de perseguidos políticos na Ditadura Militar. Vocês foram duas das anistiadas. O que acharam do ato? O que sentiram?
Juliana: O ato é de extrema importância, pois demonstra que não apenas os estudantes da década de 1960, que sofreram com as restrições impostas pela Ditadura e pelos seus atos como a tortura, exílio e outros, foram atingidos de forma direta. Ficou evidente que os seus filhos, assim como os pais, também foram atingidos de forma direta e um exemplo disso são as certidões de nascimento que tiveram que ser alteradas na data e no local de nascimento por questão de segurança para as crianças, direito básicas como a identidade foi violada. É importante também pelo fato de tornar público a um número maior de pessoas, e principalmente para os jovens de hoje, o que aconteceu na época do regime ditatorial para que esse tipo de crime não ocorra nunca mais de forma institucional como naquela época. O pedido de desculpa do Estado Brasileiro a nós, filhos dos anistiados, traz o reconhecimento público do que foi o Regime da Ditadura e suas consequências. O que eu senti, muita emoção. Ver os meus pais sendo homenageados por tudo o que fizeram me deixou mais orgulhosa dos pais lutadores que eu tenho. Se pudesse escolher os escolheria com certeza e digo com toda a certeza sempre estarei ao lado deles nessa luta por um mundo melhor.
Gilda: O ato foi muito significativo. O sentimento pessoal foi de muita emoção e, como cidadã, de satisfação em ver o Estado reconhecer seu erro. Não há reparação, mas há de certa forma, o reconhecimento de que a história oficial, aquela contada nos livros escolares, não corresponde à real.
Juliana e Gilda, como foi viver naquela época? Como conseguiram carregar um nome falso e não poder contar a ninguém?
Juliana: A segunda pergunta eu não sei responder ao certo. Talvez nossos pais possam te falar em detalhes como eles conseguiram esta façanha. Nós só ficamos sabendo que o nosso sobrenome era outro depois da anistia e isso sim foi difícil de aceitar, pois eu já tinha 12 anos e minha irmã 10 anos. Tivemos que fazer caligrafia vários meses para acostumar com o sobrenome novo. Não entendíamos muito o porquê de algumas restrições, mas aceitávamos quando os nossos pais nos explicavam que isso era para melhorar o mundo. Acho que o sangue socialista veio pelo DNA e pelo exemplo de casa.
Gilda: Éramos criança e não tínhamos a compreensão do que ocorria. Nossa identidade, nosso nome, nossas origens e a identidade de nossos pais só foram revelados com a anistia, portanto não havia angústia porque desconhecíamos a verdade. Todavia, havia apreensão com o horário e com a possibilidade de nossos pais não voltarem, com os homens maus (eventuais agentes da Ditadura que se aproximassem) de quem deveríamos manter distância e muitas perguntas não respondidas satisfatoriamente, mas que pela pouca idade e pela confiança em nossos pais, aceitávamos sem questionamentos. Orgulho-me em dizer que a nossa infância foi muito feliz e que nossos pais foram muito competentes em proteger nossa integridade física e psíquica. Todavia, estranhávamos não poder levar os amiguinhos em casa, a ausência completa de família, a insistência de nossos pais em que várias coisas e pessoas deveriam ser esquecidas. Só fomos entendendo essas coisas com o passar do tempo.
Vocês poderiam resumir a Ditadura em uma só frase?
Juliana: Vou resumir em uma única palavra – Liberdade.
Gilda: "Ditadura, Nunca Mais. Viva a Liberdade!"
Comparem para os jovens que não viveram naquela época, a situação de hoje com a da Ditadura.
Juliana: A comparação é simples – Liberdade. Ser livre para ir e vir, estar, permanecer, falar, dizer o que pensa, é fundamental para o desenvolvimento de qualquer ser humano. Se hoje podemos desfrutar de todos esses e outros direitos fundamentais, como o de votar, é consequência da luta de milhares de jovens brasileiros da década de 1960 que enfrentaram todos os obstáculos para a construção da Democracia.
Gilda: A luta de classes permanece hoje. Não acabou e muito ainda precisa ser conquistado. As forças reacionárias continuam utilizando um grande aparato para fazer valer seus interesses, como por exemplo da grande mídia, todavia ter a liberdade de pensamento, de expressão e de locomoção preservada, não tem preço. A democracia é uma conquista que custou a vida de muitos e que deve ser mantida e ampliada sempre.
*Virna Sena Avelar (13 anos) é estudante e colaboradora do Vermelho/CE. Virna é irmã de Juliana e Gilda Cosenza Avelar que, na foto, estão com suas filhas acompanhadas da mãe, Gilse Cosenza.
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