África do Sul: 20 anos após o apartheid
Ao mesmo tempo em que comemora os 20 anos da eleição de Nelson Mandela como presidente e o fim do apartheid (24 de abril de 1994), a África do Sul se prepara para sua quinta eleição presidencial, dia 7 de maio. O contraste não poderia ser maior entre a gestão final do regime de apartheid – simbolizado pela figura do Mandela, mais engrandecida ainda com as cerimônias da sua morte – e o descontentamento e o desânimo com as novas eleições presidenciais.
Por Emir Sader*, em seu blog
Publicado 26/04/2014 15:46
O contraste é claro entre o consenso obtido pelo fim do apartheid e a sociedade que é a África do Sul hoje. A falta de interesse pela quinta eleição presidencial é um reflexo do que é hoje a sociedade sul-africana, convivendo com a miséria, a injustiça e a desigualdade.
Os governos da Congresso Nacional Africano (ANC) aumentaram substancialmente os investimentos sociais, o Estado pós apartheid criou mecanismos de participação popular.
No entanto, a promessa de que o fim do apartheid significaria “uma vida melhor para todos”, está longe de acontecer. Há uma diferença enorme entre a transformação política do fim do regime de apartheid e a manutenção das condições sociais herdadas do antigo regime.
É possível compreender esse paradoxo a partir do próprio pacto político de transição para a África do Sul pós-apartheid. As negociações de paz foram possíveis pela luta do povo sul-africano e pela solidariedade internacional, mas não foram suficientes para simplesmente derrubar o regime de apartheid, que contava com superioridade militar e com o apoio dos Estados Unidos. Os acordos representaram o fim do regime de apartheid, mas não trouxeram ao país a transformação democrática de suas estruturas econômicas.
Não significa que tudo seguiu igual. Os governos da ANC incrementaram os gastos em políticas sociais, se ampliou uma classe média negra e, sobretudo, alguns setores negros foram anexados à elite do pais. Mas a grande massa da população continua vivendo em condições miseráveis, com um desemprego que chegou já a superar os 20%, com índices que dobram essa cifra para a população negra.
Desde o começo do fim do apartheid, os governos sul-africanos fizeram acordos com o FMI, com todas as consequências que conhecemos. O momento do fim do apartheid coincidiu também com o fim da União Soviética e o clima do Consenso de Washington. O certo é que esses acordos entregaram aos negros – através de seu partido, o Congresso Nacional Africano – o controle da política, mas deixaram o controle da economia nas mãos dos brancos.
Os controles sobre a circulação de capitais foram afrouxados, empresas estatais foram privatizadas, não houve prioridade nas políticas sociais. A economia cresceu até a crise internacional iniciada em 2008, frente à qual a África do Sul não apresentou mecanismos de defesa, desarticulados por políticas econômicas neoliberais.
Como resultado do clima de desânimo e de desinteresse, Zuma deve se reeleger em maio para um segundo mandato, mas com muitos setores populares votando por pequenos partidos, alguns pelo DA – o principal partido opositor, liberal, com predomínio dos brancos – e com setores descontentes da própria ANC fazendo campanha por “Não votar”.
Depois do fim do apartheid a África do Sul teve um governo de Nelson Mandela, dois de Thabo Mbeki e um de Jacobo Zuma. Este pode ser o último da ANC, caso setores da oposição – liberais por um lado, agrupações menores da esquerda por outro – consigam capitalizar o enorme descontentamento no país, à 20 anos do regime pós-apartheid.