Quando García Márquez descobriu a Invasão da Baía dos Porcos
Na semana passada, Cuba comemorou o 53º aniversário da vitória contra a Invasão da Baía dos Porcos. Poucos dias depois, os cubanos choravam a morte de um de seus principais aliados, o escritor colombiano, Gabriel García Márquez (1927-2014). A história da tentativa frustrada dos invasores – 1,5 mil homens, treinados e financiados pelos EUA – se cruza com a carreira jornalística de Gabo, quando ele trabalhava para a agência Prensa Latina.
Por Théa Rodrigues, da Redação do Vermelho
Publicado 24/04/2014 14:15
O ano era 1961 e a incursão frustrada ao sul de Cuba não passou de (mais) uma tentativa de dissidentes cubanos anticastristas, treinados e dirigidos pela CIA, com o apoio das forças armadas norte-americanas, de derrubar o governo de Fidel Castro. A Invasão da Baía dos Porcos (Batalha de Girón, para os cubanos) foi derrotada em três dias, pois o governo da ilha estava preparado para o ataque.
Alguns relatos históricos contam que Fidel Castro contou com a ajuda do aparato de inteligência cubano e com alertas emitidos pela KGB (agência russa de inteligência) e pelo próprio Che Guevara. Contudo, um relato feito por Gabriel García Márquez conta como a notícia da invasão chegou com antecedência também nos meios de comunicação cubanos.
“A primeira notícia chegou à Prensa Latina, em Havana, onde eu trabalhava em dezembro de 1960, e se deveu a uma casualidade quase inverossímil. Jorge Ricardo Masetti, o diretor geral, cuja obsessão dominante era fazer da Prensa Latina uma agência melhor que todas as demais, tanto capitalistas como comunistas, havia instalado uma sala especial de teletipos somente para captar e analisar, na redação, o material diário dos serviços de imprensa do mundo inteiro”, afirma.
Segundo os relatos de García Márquez, não se sabe ao certo como aconteceu, mas uma noite, Ricardo Masetti encontrou um rolo que não era de notícias senão de um tráfico comercial da Tropical Cable, filial da All American Cable (empresa de comunicação) na Guatemala. “Em meio às mensagens pessoais havia uma muito longa e densa e escrita em um código complicado”, conta.
Quem decifrou a mensagem foi o jornalista Rodolfo Walsh, que utilizou alguns manuais de criptografia comprados em um sebo em Havana. Depois de muitas noites sem dormir conseguiu fazê-lo e então enviou um informe providencial ao governo cubano.
“Estava endereçada a Washington por um funcionário da CIA, ligado ao pessoal da Embaixada dos Estados Unidos na Guatemala, e era um informe minucioso dos preparativos do desembarque armado em Cuba por parte do governo norte-americano. Revelava-se, inclusive, o lugar onde iam preparar os recrutas: a fazenda de Retalhuleu, um antigo cafezal no norte da Guatemala”, afirma García Marquez.
O diretor da Prensa Latina enviou Walsh para a Guatemala. A missão do jornalista era encontrar o lugar exato do campo de instruções, mas a ideia é que ele fosse disfarçado de pastor protestante. No entanto, o plano fracassou quando o funcionário da agência de notícias foi preso no Panamá, por um erro de informação do governo panamenho.
García Márquez relata que poucos dias antes do desembarque estadunidense na Praia de Girón, viajou com Ricardo Masetti para Lima e eles precisaram fazer escala na Guatamala. “Masetti não teve um minuto de sossego. Estava empenhado em alugar um carro, fugir do aeroporto e ir escrever a grande reportagem de Retalhuleu”, afirma o escritor colombiano.
Ao mesmo tempo em que o escritor colombiano descreve o chefe como “um homem de aspirações brilhantes e impulsos audaciosos”, ele conta que o diretor da Prensa Latina era também “muito sensível à critica razoável”. Márquez usa isso para contar que convenceu Masetti a não concretizar sua ideia e, ao invés disto, lhe propôs uma “aventura de consolação”.
Por fim, eles escreveram a quatro mãos um relato com base nas mensagens que haviam decifrado na agência de notícias, “mas fazendo acreditar que era uma informação obtida durante uma viagem clandestina pelo país”. García Márquez e Ricardo Masetti enriqueceram o texto com detalhes fantásticos que iam inventando enquanto esperavam o voo. Depois de assinar o relato com os nomes reais e tirar uma foto do lado de fora do aeroporto, a qual anexaram ao documento, eles deram um jeito de enviar ao general Miguel Ydígoras Fuentes, presidente da Guatemala.
García Márquez conta no seu texto, publicado originalmente no jornal espanhol El País em 1981, que mesmo após 21 anos, a história ainda lhe causava inquietudes porque nunca soube se o presidente guatemalteco havia recebido ou não a carta, conforme eles haviam planejado.