Leci Brandão: Trabalho escravo, mal que precisa ser eliminado
“O enfrentamento a esse mal [trabalho escravo] exige determinação, vontade política e, mais do que isso, coragem, para enfrentarmos grandes mercados e grandes interesses financeiros que dão base a esta prática”, afirmou a deputada estadual Leci Brandão (PCdoB/SP), em entrevista ao Portal Vermelho, ao falar sobre essa chaga social e o papel que jogará a Comissão Parlamentar de Inquérito do Trabalho Escravo, instalada na Assembleia Legislativa de São Paulo.
Joanne Mota, para o Portal Vermelho
Publicado 24/04/2014 11:08
Leci Brandão, que foi nomeada relatora da CPI do trabalho escravo no dia 9 de abril, salientou que a Comissão terá a função de apurar a exploração do trabalho análogo ao de escravo em atividades econômicas nas áreas urbanas e rurais do estado de São Paulo. Segundo ela, “as denúncias que chegam à Alesp são muitas e, como parlamentares, devemos tomar medidas que contribuam para erradicar esse problema que muitos trabalhadores enfrentam”.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) esse mal atinge 21 milhões de vítimas no mundo: homens, mulheres e crianças obrigados a exercer trabalhos que não podem abandonar, presos na servidão por dívidas, vítimas de tráfico com fins de exploração sexual e até pessoas que nasceram na escravidão. O mesmo relatório indica que o Brasil tem de 170 mil a 217 mil pessoas em situação análoga à escravidão. No ranking das Américas, o Brasil está em 13º.
O documento da OIT ainda indica que há muito esforço para prevenir, identificar e punir os casos de trabalho escravo, porém este ainda é insuficiente. “O trabalho escravo inclui trabalhadores que estão nos fornos de olarias, presos em um círculo vicioso de dívidas, crianças vítimas do tráfico com fins de mendicância forçada e trabalhadores domésticos que são enganados sobre suas condições de trabalho”, assinala o relatório.
Para a parlamentar comunista, “o enfrentamento a esse mal exige determinação, vontade política e, mais do que isso, coragem, para enfrentarmos grandes mercados e grandes interesses financeiros que dão base a esta prática”.
Ao falar sobre empresas paulistanas flagradas, em 2013, pelo Ministério do Trabalho e autuadas pelo crime de trabalho escravo ou análogo à escravidão, Leci Brandão avisou “a CPI investigará os grandes, os pequenos e qualquer empresa que pratique o trabalho em condição análoga à de escravo. A comissão tem o caráter investigativo e toda e qualquer denúncia será encaminhada aos órgãos competentes que poderão atribuir eventuais punições”.
Acompanhe a seguir a entrevista na íntegra:
Portal Vermelho: Deputada, a senhora acaba de ser nomeada relatora da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do trabalho escravo. Como a senhora avalia a nomeação e quais as expectativas?
Leci Brandão: Estar na comissão já seria uma honra, ser nomeada relatora então, nem se fala. Mas, do mesmo modo que a função vem revestida de orgulho, a responsabilidade também vem junto e só aumenta. Aliás, há um significado emblemático, uma vez que meus ancestrais já lutaram contra este mal e nós, descendentes, ainda sofremos as consequências da escravidão. As expectativas são enormes. O enfrentamento a esse mal exige determinação, vontade política e, mais do que isso, coragem, para enfrentarmos grandes mercados e grandes interesses financeiros que dão base a esta prática.
Nos últimos três anos foram publicizadas muitas denúncias, especialmente envolvendo trabalho escravo com o uso de mão de obra estrangeira, com destaque para os paraguaios e bolivianos. Pode falar um pouco sobre essa nuance da questão?
A erradicação e o enfrentamento à prática do trabalho em condição análoga a de escravo é objetivo global. Os nossos irmãos bolivianos, paraguaios, peruanos, etc., merecem toda nossa preocupação. E, mais do que a nossa preocupação em dar essa assistência, também é de nossa responsabilidade dar condições para que eles tenham a possibilidade de serem inseridos em sociedade e de trabalharem no mercado formal.
Em 2013, empresas paulistanas foram flagradas pelo Ministério do Trabalho e autuadas pelo crime de trabalho escravo ou análogo à escravidão. Como a CPI tratará esses casos? Haverá punição?
A CPI investigará os grandes, os pequenos e qualquer empresa que pratique o trabalho em condição análoga à de escravo. A comissão tem o caráter investigativo e toda e qualquer denúncia será encaminhada aos órgãos competentes que poderão atribuir eventuais punições. Ressalte-se, aliás, que diversos órgãos, como Ministério Público estadual e federal, as polícias militares, civis e federais, o Ministério Público do Trabalho, entre outros órgãos, estarão trabalhando conjuntamente com a CPI.
Deputada, dentro da escala de violência do trabalho escravo as mulheres sofrem a maior opressão. Sendo uma porta-voz na Alesp de defesa à luta de combate à violência contra a mulher, como a senhora observa essa realidade?
Trazer ao ser humano a sua real condição de ser é uma das metas principais. Dentro deste contexto, a condição da mulher, que é tema recorrente em nosso mandato, não poderia ficar de fora do nosso olhar nesta CPI.
Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que o Brasil tem de 170 mil a 217 mil pessoas em situação análoga à escravidão. No ranking das Américas, o Brasil está em 13º. A CPI objetiva que ao final das investigações possa gerar um relatório para contribuir, em âmbito nacional, no combate a esse mal?
O Relatório é o resultado final de um trabalho. Espero que ele seja muito mais que apenas apontamentos escritos. Que este relatório possa ser um instrumento de criação e aprimoramento da legislação, do cuidado com as vítimas e suas famílias, da articulação entre as instituições públicas, privadas e das sociedade em geral e, também, de punição aos que se utilizam, direta e indiretamente desta prática.