Ucrânia: Uma mão afoga os protestos, outra atiça a revolta
Com repressão e a recusa a dialogar sobre um futuro comum em uma nação magnânima e diversa, o governo em Kiev arrasta a Ucrânia a uma guerra interminável e destrutiva para os alicerces do Estado e sua integridade territorial.
Publicado 12/04/2014 21:48
O golpe de Estado do dia 22 de fevereiro pela aliança da elite neoliberal, aliada aos elementos neofascistas, e a derrocada do presidente Víktor Yanukóvich fragmentaram definitivamente o país em duas partes.
Desde então uma significativa maioria nas regiões orientais e meridionais ucranianas não reconhece a junta golpista nem o mandato das autoridades impostas sem eleição alguma.
Uma futura federalização para aplacar os ânimos separatistas nas cidades rebeldes não parece contemplar as reformas constitucionais anunciadas pelo governo e nas quais aparentemente trabalha uma comissão legislativa completamente hermética.
A Chancelaria anunciou que a Ucrânia estava aberta a diálogos internacionais, com a Rússia inclusive, mas pôs ponto final à ideia de uma federalização, reivindicação que inunda as ruas de Donetsk, Dniepropetrovsk, Járkov, Lugansk, Mariupol, Nikolaev e Odessa.
São estas precisamente as cidades com um predomínio de mais de 60 por cento de população russófona (Donetsk, Lugansk e Mariupol); enquanto em Járkov, Dniepropetrovsk, Zaporozhie e Odessa, a proporção oscila entre 30 e 60 por cento.
Ao todo, as regiões leste e sul têm um peso de 45 por cento no Produto Interno Bruto da Ucrânia, como centros de produção industrial, com a metalurgia e a mineração entre os setores fundamentais.
Depois do golpe de Estado, a junta, num casamento político dos partidos Batkivschina (da ex-primeira ministra Yulia Timoshenko) e Svoboda (Liberdade), empreendeu com ajuda dos comandos do Setor Direito uma perseguição de líderes e ativistas opositores para alijar o movimento de protesto de seus quadros.
No início de março, foi preso o governador de Donetsk, Pavel Gubariev, líder da milícia popular de Donbass. Outras limpezas foram feitas em Járkov, Odessa, Nikolaev e Lugansk.
Apesar disso, na região do Donbass duas organizações tiveram um protagonismo chave nos protestos: as denominadas Forças Patrióticas de Donbass e o Movimento Popular de Libertação, defensores dos direitos das comunidades originárias de russos, ucranianos e armênios.
Depois da Crimeia
Numa reação em rede, manifestantes tomaram as sedes do Serviço de Segurança e os governos regionais em Donetsk, Járkov e Lugansk.
A 24 horas de reter o controle dos imóveis, ativistas opositores ao regime de Kiev proclamaram a república popular como uma nova entidade independente nas três regiões.
Para castigar o separatismo dos territórios rebeldes o governo enviou tropas policiais, comandos especiais e forças do Exército. Contudo, os focos de resistência continuam, com um ativismo cívico em favor do referendo de autodeterminação.
Analistas coincidem em que o desinteresse de Kiev para escutar as demandas, a omissão dos direitos dessa parte da população e a repressão atuam como catalisadores da desestabilização interna.
Para o titular do Conselho Regional de Donetsk, Valeri Golenko, uma consulta popular sobre a federalização e o status do idioma russo são duas questões chaves na solução da crise política ucraniana.
“Nossa gente deve receber um sinal de Kiev de que sua opinião não é ignorada em seu país, em relação com a definição do status das regiões e do idioma russo, afirmou o titular da assembléia local, que foi tomada pelos manifestantes”, disse.
Golenko chamou as autoridades ucranianas a findar a perseguição aos ativistas e participantes nos protestos.
Não poucos cientistas políticos percebem a situação nesses territórios diferentemente do cenário que se originou na Crimeia, onde o parlamento, o governo local e as unidades militares cerraram fileiras na separação e unificação com a Rússia.
No oriente da Ucrânia, os ativistas opositores controlam pouco mais de alguns edifícios governamentais. Por outro lado, nem toda a população apoia a ideia secessionista e uma adesão à Rússia. O federalismo é uma variante que tem forte respaldo nas regiões de Lugansk, Járkov e Nikolaev.
Para o cientista político russo Fedor Lukyanov, a situação no leste ucraniano é bem diferente da Crimeia e a Rússia não tem a intenção de repetir um cenário similar, sustentou.
O analista acredita que Moscou se limita a um apoio moral aos manifestantes, o que "é um bom instrumento de pressão sobre as autoridades de Kiev", estimou o também presidente do Conselho de Política externa e Defesa.
O autoproclamado Conselho Popular de Donetsk pediu ao presidente Vladimir Putin o envio de um contingente de pacificadores russos como garantias da segurança, no meio do prelúdio de uma incursão militar de forças ucranianas.
A este respeito, o titular do comitê de defesa e segurança do Conselho da Federação (Senado) da Rússia, Victor Ozerov, refutou as possibilidades de uma ocupação militar em Donetsk, uma vez que se contrapõe ao direito internacional, disse.
É um mandato que corresponde unicamente ao Conselho de Segurança da ONU, expôs Ozerov em declarações à imprensa sobre o assunto.
Por outra parte, a tese de uma confabulação da elite política dirigente com o status quo nas regiões parece ganhar partidários.
Na opinião do especialista do centro de análise social da Ucrânia, Nikolai Pesetski, a instabilidade nessas regiões é vantajosa para Kiev, por duas razões fundamentais.
Mencionou a possibilidade de que "uma situação revolucionária" pode dinamitar as eleições presidenciais previstas para o dia 25 de maio, nas quais Yulia Timoshenko seria a grande perdedora, segundo as sondagens.
Em segundo lugar, sublinhou Pesetski, seria um fundamento para uma explicação a respeito de uma péssima situação econômica, em um país que já começou o caminho para a integração europeia, observou com ironia o especialista.
Argumentou ainda que o país é dirigido "de jure" por Arseni Yatseniuk e Alexander Turchinov, mas “de facto” é Timoshenko quem por ora tem o poder em suas mãos. Mas as previsões para ela são decepcionantes. De maneira que ao serem realizadas as eleições, ganhará outro candidato, e ela perderia o poder, resumiu o analista ucraniano.
Por isso, no seu julgamento, os distúrbios são verdadeiramente "um excelente instrumento" para abortar as eleições presidenciais, e ao mesmo tempo podem ser um pretexto para implantar estado de emergência, um dos cenários prováveis, segundo alguns analistas, sem descartar o uso da força direta, com o emprego de mercenários estadunidenses, inclusive, segundo denunciou a chancelaria russa.
Enquanto isso, as tentativas de criminalização dos protestos populares, a linguagem da força e a recusa a escutar as reivindicações dos setores descontentes só intensificarão a crise e reforçarão a possibilidade de uma guerra civil e até a desintegração da Ucrânia.
Da sucursal da Prensa Latina na Rússia.