Encadeamento democrático e a reeleição de Dilma 

Para além das paixões que envolvem as disputas eleitorais em geral e as próximas eleições em particular, que, aliás, tem guiado as contendas desde o pleito de 1994, que elegeu Fernando Henrique Cardoso, em primeiro turno, é preciso reconhecer que todos os presidentes eleitos pós-redemocratização tiveram seu papel na construção de um Brasil melhor para os brasileiros.

Por Marcos Verlaine*

As comparações entre os dois mandatos de FHC (1995 a 2002) e os dois de Lula (2003 a 2010) e, agora, o primeiro de Dilma (2011 a 2014), soam inócuas, se levado em consideração que cada um teve seu papel histórico. Do ponto de vista dos resultados objetivos, e não da propaganda, nivelam-se, com o crescimento no governo Dilma ficando, na margem, cada vez mais parecido com o de FHC.

É sobre isto que desejo debater, que chamo de “encadeamento democrático” e que deverá redundar, a seu turno, na reeleição de Dilma. Se não houver greves problemas na economia.

Para reforçar este entendimento, acrescento que de Sarney a Dilma não houve rupturas. Mesmo Lula, com sua robusta agenda social, imprimiu um governo cheio de contradições, como interpreta André Singer, em “Os sentidos do lulismo”: “O lulismo existe sob o signo da contradição. Conservação e mudança, reprodução e superação, decepção e esperança num mesmo movimento.”

Vamos aos presidentes e suas características fundamentais, ou legados, que permitiram que até aqui chegássemos.

Sarney

O primeiro, ainda sob os resquícios do regime de exceção, José Sarney (1985 a 1990) foi o responsável pela transição democrática, que descortinou o País e ofereceu ao povo brasileiro a Assembleia Nacional Constituinte, cujo resultado é a Constituição de 1988, chamada pelo presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães, de “Constituição Cidadã”.

A Constituição de 88 é o marco histórico entre a ditadura e a democracia. Passadas duas décadas de os militares no poder, com a restrição de vários direitos e depois da derrota na votação (Diretas Já) que instituiria o voto direto para presidente da República, lideranças políticas, como Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Teotonio Vilela, Leonel Brizola, Mário Covas, Tancredo Neves, Luiz Inácio Lula da Silva, Miguel Arraes, Fernando Henrique Cardoso e muitos outros percorreram o Brasil para tentar unir a sociedade com o ideal de pôr um fim ao regime autoritário.

Collor

O segundo, Fernando Collor de Mello (1990 a 1992) ou Collor, o breve, a despeito dos seus arroubos e fanfarronices, contribuiu, ainda que de maneira subordinada, para a inserção do Brasil na economia mundializada. Seu pecado principal, entre outros, foi ético e político, fruto da imaturidade e da soberba, que o levaram a rivalizar com o Congresso.

Como o presidencialismo brasileiro é “multipartidário de coalização”, sem a formação de maiorias no Congresso não é possível governar com estabilidade. Hoje, tardiamente, o senador Fernando Collor (PTB-AL) já deve ter compreendido isto. Mas agora, “Inês é morta”.

Itamar

O terceiro, Itamar Franco (1992 a 1994), que substituiu Collor após o impeachment, foi responsável pelo Plano Real. No governo de Itamar foi elaborado o mais bem-sucedido plano de controle inflacionário desde a Nova República: o Plano Real. Montado pelo seu ministro da Fazenda, FHC, o plano visava criar uma unidade real de valor (URV) para todos os produtos, desvinculada da moeda vigente, o Cruzeiro Real. Desta forma, cada URV correspondia a US$ 1.

Posteriormente a URV veio a ser denominada “Real”, a nova moeda brasileira. O Plano Real foi eficiente, já que estabilizou a economia, proporcionou o aumento do poder de compra dos brasileiros e o controle da inflação.

FHC

FHC (1995 a 2002) foi o quarto presidente. Eleito na esteira do Plano Real. Seu mérito: conduzir um plano de estabilização da economia e controle da inflação. O Real foi um ponto de inflexão na condução da nossa política econômica.

Resgatou a confiança da sociedade brasileira, profundamente erodida pelos fracassos anteriores: Cruzado 1 (1985) – o mais bem-sucedido "estelionato eleitoral" de que se tem conhecimento na história universal – Cruzado 2 (1986), Bresser (1987) e Verão (1989) no governo Sarney, Collor 1 (1990) e Collor 2 (1991).

Lula

Lula (2003 a 2011), o quinto presidente, se elegeu sob os auspícios da erosão do modelo neoliberal de privatização desenfreada da economia e desregulamentação do mercado e das relações de trabalho. Mas foi a estabilidade econômica, o controle da inflação e o "vento de cauda" exterior que permitiram a Lula imprimir uma vigorosa agenda social.

Agenda essa só possível enxergar porque o controle da inflação expôs, como jamais visto, que as desigualdades sociais saltavam aos olhos. Com a inflação baixa e controlada ficaram claros os aviltantes salários pagos no País, em particular o mínimo, que no primeiro ano do primeiro mandato de Lula girava em torno de U$S 70, e a precária situação social dos mais pobres no País.

Assim, sem fazer comparações, a era Lula imprimiu uma vigorosa agenda social, sob os olhares desconfiados do mercado e da parcela mais abastada da sociedade. Ao implantar o Bolsa Família, carro-chefe da distribuição de uma renda básica, Lula fez com que muitos brasileiros adquirissem renda. O programa social possibilitou que a economia fosse ativada em diversos municípios do Norte e Nordeste, as duas regiões mais pobres do Brasil. Vários estabelecimentos comerciais surgiram em razão dos novos consumidores que brotaram em virtude dessa nova renda.

A oferta de crédito e a estabilidade monetária registrada no governo petista possibilitaram o aumento do consumo. A recuperação do valor do salário mínimo contribuiu para a inserção de milhões de indivíduos no estrato C. A era Lula fez com que milhões de brasileiros descobrissem o bem-estar econômico e a inserção social.

Dilma

Sob essa agenda, Lula, com mais de 80% de aprovação popular e com um governo bem avaliado, elegeu sua sucessora. Mais: não fosse o governo Lula muito bem avaliado, jamais uma mulher, ex-guerrilheira, presa política e de esquerda, teria sido eleita.

A sexta presidente, Dilma Rousseff (2011 a 2014), primeira mulher na principal magistratura do País, deu continuidade à agenda social do seu antecessor e tratou de enfrentar demandas que Lula não teve condições de implementar.

Avançou contra os dogmas do mercado, falsos, diga-se de passagem. Entrou no tema “juros” e enfrentou o grande desafio para a sua queda adicional, que era a remuneração da caderneta de poupança. Movimento difícil, que exige algum entendimento com os agentes econômicos e que, reconhece-se, não os venceu integralmente.

A reeleição

O principal fator que poderá viabilizar ou inviabilizar a reeleição de Dilma será a economia. Se a economia estiver bem, se continuar empoderando os de baixo, com poder de compra, aumento de consumo e boas perspectivas sociais, dificilmente alguém tira a reeleição da Presidente. O contrário, a recíproca é verdadeira.

Com o advento da reeleição, os ciclos de poder são agora de oito anos. Assim, se os gestores forem bem avaliados pelos eleitores no primeiro mandato têm substantivas chances de renovar a permissão ou eleger o seu candidato, em caso de não poder disputar.

Em 1994, Itamar tinha 55% de aprovação e FHC, que era seu candidato e ex-ministro da Fazenda, foi eleito em primeiro turno com 54% dos votos.

Em 1998, FHC era aprovado por 58% da população e foi reeleito, em primeiro turno, com 53% dos votos válidos.

Em 2002, FHC tinha 35% de apoio e seu candidato, o ex-ministro do Planejamento, e da Saúde José Serra alcançou 39% dos votos válidos no segundo turno, perdendo a eleição para Lula. Acrescente-se a isto, o fato de nessa eleição Serra ser o candidato da continuidade, num ambiente de mudança.

Em 2006, Lula tinha 63% de aprovação e foi reeleito com 61% dos votos válidos em segundo turno.

Em 2010, como Lula tinha aprovação superior a 80%, bastaria que transferisse 60% desse percentual para sua candidata para que ela fosse eleita em primeiro turno. Mas, como a candidata não ultrapassou 50% dos votos válidos – teve 46,89% contra 32,62% de seu principal adversário – houve a surpresa do 2º turno.

Os adversários, portanto, só têm chances reais ao final do ciclo, quando a disputa fica aberta à renovação. Foi assim em 2002, no final do ciclo ou era FHC, com a vitória de Lula. E se repetiu em 2010, no final da era Lula, quando houve a real possibilidade de uma vitória tucana.

*É jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap