Uílson de Souza: Quinze anos sem o (meu) velho Washington

Washington de Souza foi um destacado militante do PCdoB, líder sindical dos operários da construção civil. No transcurso do 15º aniversário do seu falecimento, aos 73 anos, o Portal Vermelho associa-se às homenagens que os militantes comunistas e sindicalistas baianos fazem ao histórico combatente, com o artigo do seu filho caçula, Uílson de Souza.

O aniversário de Salvador se tornou um momento especial e de muita saudade. Lembro sempre do 29 de março de 1999, naquele ano morava em BH, estava ansioso para ligar pra casa e dar a notícia de que eu iria ter um filho ou filha daí a nove meses. De repente toca o telefone. É Daisy (minha cunhada, casada com Washingtinho) e fui logo falando para ela a boa notícia, e ela me fala o motivo da ligação, era para informar o falecimento do meu pai.

Que paradoxo! Minha esposa grávida e o falecimento do meu pai no mesmo dia e ainda o aniversário de 450 anos de Salvador.

Falar deste assunto vem um longo filme em minha cabeça de como eu e meu pai fomos companheiros e como eu participo na formação da minha filha, hoje com 14 anos e próximoa a completar 15.

Das muitas memórias algumas são especiais. Uma vez ele levou um tempo sumido, entre os anos de 1977 e 1978, chegou em casa com uma calça verde pra mim e foi logo me vestindo, porém sem a devida experiência de vestir calça em um menino. Aconteceu o previsto, fiquei com o “pinto” preso no zíper. Ele saiu comigo contando para todo mundo o acontecido.

Lembro bem do revezamento que era feito em casa para me levar à escola infantil, que fica, até hoje, no Campo Grande. Quando minha mãe me levava ou pegava era diferente, ela usava o dinheiro do transporte para comprar guloseimas que vinham com brinquedos de brinde e íamos andando. Só há pouco tempo vim a descobrir o motivo. Como sou o caçula e tinha entre três e quatro anos, ela tinha medo que os militares, que sempre a seguiam, achassem que ela me levava para ver meu pai. Então ela criava caminhos para eu ir seguro da escola pra casa e de casa pra escola.

Certa vez teve uma movimentação diferente naquela rua lateral ao Shopping Barra (não lembro o nome da rua), não havia tantos prédios e a rua era usada como estacionamento. Um grupo de homens se escondiam abaixados atrás dos carros e um vizinho nosso de nome “Camarão” avisou a minha mãe que aqueles homens estavam atrás de meu pai.

Era a luta contra a carestia e achavam que meu pai era um dos líderes do quebra-quebra.

Neste mesmo ano ele me levou para o 1º de Maio, no Campo grande, a praça lotada. Desde muito novo ele me ensinou a cantar a Internacional Comunista e estava entre os inscritos para falar. De repente, sobe comigo nos braços, faz um breve discurso e me coloca para cantar a Internacional. Como criança assimila o som e não a palavra, eu cantava a primeira estrofe errada, cantava, … “de pé ouvinte mas com fome”… quando o correto é … “de pé, ó vítimas da fome”. Para ele, isto era motivo de orgulho e felicidade e contou esta história por muito tempo.

Outro momento que ele se orgulhava de mim foi quando eu estudava numa escola conveniada e a dona era a esposa de João Durval, à época candidato ao governo do estado pelo PDS. Ela distribuiu a camisa de campanha do candidato entre as crianças e suspendeu o uniforme escolar. Pois eu fui a única criança a recusar usar a camisa. Meu pai, claro, me fez repetir milhares de vezes os meus argumentos de criança para não aceitar a camisa.

Passamos também momentos tensos juntos. Lembro de um comício no Engenho Velho da Federação de apoio a Mário Kertezs. Na saída, ficamos sozinhos e fomos cercados, ele foi brutalmente agredido mas a todo tempo me escondia atrás dele.

Teve também a apuração de uma eleição do Sindicato da Construção Civil. Na campanha fizeram uma camisa infantil especialmente para mim e no dia eu estava lá ao lado dele. Em certo momento se notou a movimentação de militares convocados pelos pelegos que dirigiam o sindicato, ele rapidamente me fez ir embora sozinho. Mesmo muito pequeno, ele sabia que apanharia e não me queria por perto. Os alvos eram ele, Haroldo Lima, deputado federal e Luiz Nova, deputado estadual, ambos do PCdoB.

E o bloco carnavalesco Panela Vazia? Eu tinha certeza de que iria ser cantor do Panela. Ele falava com todo mundo dentro do bloco …“Ele quer subir no trio elétrico e cantar, sabe todas as músicas”…

De todas as lutas que participou, sejam as guerrilhas de Iaçu e Belém (Cachoeira), ou a participação ativa nas lutas sociais, a Revolta dos Peões foi a mais emblemática. Ver a cidade tomada pelos peões da construção civil, carregando os galhos de ramos na mão e obrigando os patrões a aceitarem o maior reajuste salarial da categoria, foi histórico.

Um movimento sem recursos, eles eram oposição ao sindicato, organizaram a greve e tiveram uma importante vitória, com o brado “O Peão tá Retado”, liderados pelo velho Washington, conseguiram enfim retirar um dos últimos pelegos à frente dos sindicatos na Bahia.

Eu falaria horas desta relação. Sobre quando fui eleito presidente do grêmio, quando fui para a mesa na posse dele, enfim, para mim ele é um símbolo de luta e resistência, uma referência, um herói dos trabalhadores e do povo brasileiro. Procuro a cada dia me inspirar nos seus ensinamentos para me tornar um ser melhor.

Ah! Aquele bebê veio a nascer no dia 22 de outubro e ganhou o nome de Victoria. Em homenagem à história da qual ela é herdeira.

15 anos sem meu pai! 15 anos sem Washington José de Souza!

Uílson de Souza é membro do Comitê Muncipal do PCdoB em Lauro de Freitas (BA)