Quem ganha e quem perde com as CPIs
O primeiro passo é rasgar a fantasia. A CPI proposta, para apurar o caso Pasadena, tem duas ameaças objetivas e um propósito subjacente.
Por Luis Nassif*, na Carta Capital
Publicado 29/03/2014 11:19
As ameaças: Deixar Dilma Rousseff sangrando durante as eleições; No limite, batalhar por um impeachment.
O propósito: barganhar.
O governo Dilma conseguiu juntar um conjunto de fatores desfavoráveis – mas que, dependendo do ângulo que se olhe, podem ser vistos como positivos.
Barganhou pouco com o Congresso e com os grupos de mídia, mesmo pecado de Fernando Collor.
Apesar da visão desenvolvimentista, do esforço e dos mimos às federações empresariais, não é vista como um deles. Também não é vista como representativa dos movimentos sociais e sindicais.
Por outro lado, mantém imagem de seriedade, terá o que mostrar na campanha eleitoral – daí a pressa da oposição. E tem o trunfo de ser conhecida por todos. Portanto, é garantia de previsibilidade – ainda que de uma previsibilidade desanimada –, ao contrário dessa maluquice de abrir a caixa de Pandora de uma CPI.
Também tem a seu favor todos os grupos que não acreditam no potencial dos candidatos da oposição. Além, obviamente, da imensa massa de seguidores de Lula.
A aventura da CPI é um coquetel fantástico que, quase sempre, mistura conspiradores, oposicionistas, políticos negocistas, meios de comunicação com interesses variados, de políticos a comerciais – em suma, a elite do subdesenvolvimento político-empresarial brasileiro. Vale para todos os tempos, inclusive para os tempos de PT oposição.
Assim como na crise de Vargas em 1954, como em 1964, na campanha do impeachment de Collor, papel central é ocupado pelos grupos de mídia e por sua capacidade de insuflar a opinião pública. Cabe a eles criar o clima, soltando matérias em cima de matérias, fundamentadas ou mesmo sem fundamento visando gerar a catarse.
Por aqui, uma notícia falsa – a de que Dilma fora conivente com a cláusula put (absolutamente usual em contratos dessa natureza) – alimentou por quatro dias o denuncismo da imprensa. Mas ainda houve pausas e fôlego para esclarecer a informação.
Em uma CPI, será literalmente impossível. Serão uma denúncia e dez factoides por semana. Daí essa atração perigosa por CPIs.
Na campanha do impeachment de Collor, durante dias falou-se que ele movimentava milhões em sua conta pessoal, sacando e aplicando diariamente. E era apenas uma conta comum dos bancos, de reaplicação diária do saldo, o chamado overnight.
Criado o clima irracional, abre-se a caixa de Pandora e os desdobramentos posteriores serão imprevisíveis, com a possibilidade de aparecerem novos protagonistas não previstos inicialmente – como o grupo militar da Sorbonne em 1964.
Por aí se entendem dois movimentos prévios da mídia, procurando afastar dois atores potenciais:
– As críticas surpreendentes da Globo à intervenção militar de 1964 – inclusive através do Jornal Nacional.
– A operação desmonte Joaquim Barbosa. Como todo movimento que junta interesses variados, há a necessidade de um avalista moral. O candidato natural seria Joaquim Barbosa. Por imprevisível e incontrolável, foi descartado. Agora, tratam de trazer a cena a imagem simbólica de El Cid, o Campeador, esse Varão de Plutarco de nome Fernando Henrique Cardoso.
Quem ganha com a CPI
Imagine-se que a Operação CPI seja bem sucedida.
Todos os atores envolvidos terão ganhos expressivos:
1. Grupos de mídia.
Voltarão a ter a imensa influência que obtiveram pós-impeachment e certamente acesso a facilidades para essa dura travessia para o mundo de competição da era digital.
2. Aécio e Eduardo Campos
Já se apresentaram como os novos líderes da oposição e já ensaiaram pactos que assegurariam uma governabilidade, caso a crise se agrave.
3. Senadores e parlamentares em geral
A CPI não sendo bem sucedida, todas as emendas parlamentares – que os grupos de mídia vivem apregoando como o veneno da democracia – serão liberadas, graças a essa parceria grupos de mídia-baixo clero. Sendo bem sucedida, estarão bem situados na próxima orquestração política.
O que não se combinou com os russos
É evidente que trata-se de uma aposta de alto risco, na qual os grupos podem sair vitoriosos… ou derrotados.
Então, se houver bons estrategistas de seu lado, terão que ponderar os seguintes fatores fora de controle:
– Em 1964 havia um partido rachado, o PTB, sem uma liderança única, e com baixa ascendência sobre os novos incluídos. Agora, tem-se um partido orgânico, o PT, sob a liderança de um político, Lula, com fôlego para levantar o país.
– Se fosse em 2010, ter-se-ia um STF majoritariamente partidarizado e um Procurador Geral da República engrossando o coro. Agora, não, há um STF legalista.
– Em 1964 havia o tenentismo ainda uma voz influente nas Forças Armadas, organizando a reação e sendo fortalecido pela quebra de hierarquia militar. Agora, não mais, embora as comissões da verdade incomodem.
– Em 1964, tinha-se a guerra fria e o fantasma presente de golpe dos dois lados – ainda que para um dos lados fosse apenas uma miragem.
– Tinha-se também uma situação econômica difícil, com inflação e estagnação econômica. Agora tem-se uma economia andando de lado, mas com os menores índices de desemprego da história. E, em que pesem os erros cometidos, muito longe do caos econômico de 64.
– Finalmente, teve o Comício da Central e a assembleia dos marinheiros, liberando forças incontroláveis. Agora, há cuidados.
Mais ainda. Uma radicalização do quadro político agravará sensivelmente o quadro econômico, produzirá uma guerra política sem quartel.
Quem quer bancar?
Quem perde com a CPI
Não sendo bem sucedida a operação, como ficarão os grupos?
1. Grupos de mídia
Será a derradeira cartada. Cada demonstração excessiva de poder provoca desgastes consideráveis e aumenta os anticorpos daqueles que denunciam a cartelização da mídia. Os impactos sobre a economia terão efeitos pesados sobre a publicidade e sobre a situação financeira já combalida de muitos grupos.
2. Aécio e Campos
Abrem mão da imagem de bom mocismo e apostarão firmemente na radicalização. Se derrotados, são varridos do mapa político; vitoriosos, se tornarão reféns dos grupos de mídia e da radicalização política brasileira.
3. Senadores e parlamentares em geral
Os espertos saberão como barganhar e pular para o barco mais sólido. Mas arcarão com o desgaste pelas turbulências econômicas que vierem a provocar.
As saídas óbvias
Há dois tipos de impaciência alimentando a crise.
A da oposição é conhecida: a perspectiva de não apenas perder as eleições para a presidência da República mas para dois estados chaves, São Paulo e Rio.
Mas o combustível maior é de outra natureza.
Há tempos as pesquisas vinham apontando que o eleitor quer mudanças com Dilma Rousseff.
Quando a presidente não acena com nenhum sinal de mudança, persiste em uma teimosia férrea, não acata nenhuma crítica, nem as fundamentadas, alimenta a marola que, persistindo a teimosia, transforma-se em inundação.
*Luis Nassif é jornalista econômico e editor do site www.advivo.com.br/luisnassif