Crimeia, nova guerra fria contra a Rússia?
A união da Rússia, a Crimeia e a cidade heroica de Sebastopol aguçou a atmosfera de tensões com o Ocidente, iniciada depois do golpe de Estado na Ucrânia, a ponto de remontar o clima de guerra fria.
Publicado 23/03/2014 08:40
Em sua retórica de acusações contra Moscou, os governos dos Estados Unidos e da União Europeia (UE) passaram a incorporar outros ingredientes de tensão como a confecção das listas de funcionários, legisladores e empresários russos; até mesmo companhias deste país que serão objetos de sanções. E tudo, segundo seus autores, porque a Rússia reconheceu a independência da Crimeia e de Sebastopol e legitimou os resultados do referendo de 16 de março, no qual 96,77% de eleitores apoiaram a saída da península da Ucrânia e sua unificação com a Federação Russa.
A gota d´água foi o tratado de adesão assinado pelo presidente Vladimir Putin e os líderes da Crimeia, um ato que recebeu o respaldo quase unânime da população russa e a simpatia de milhões de crimeanos, mas que provocou reações de ódio do Ocidente, do regime golpista na Ucrânia e dos fascistas ucranianos, com provocações de todo tipo, incluindo violência.
Em sua explanação perante a Assembleia Federal (Parlamento unicameral russo), o presidente Putin recriminou o Ocidente por atuar na Ucrânia como "um urso em uma cristaleira", deixando em evidência a continuação ao longo de décadas da política de contenção da Rússia, depois da desintegração da União Soviética.
"Constantemente estão tratando de nos isolar pelo fato de que temos nossa própria posição e não somos hipócritas. Mas tudo tem seus limites. Nossos parceiros ocidentais cruzaram a linha vermelha no caso da Ucrânia", declarou o governante russo.
Exigiu que os Estados Unidos abandonassem a retórica da guerra fria e aceitassem o óbvio: "A Rússia é uma participante independente e ativa da arena internacional e como outros países, tem seus próprios interesses nacionais que devem ser considerados e respeitados".
Enfatizou que a Otan é “bem-vinda” como hóspede mas não pode acampar na retaguarda Rússia, em alusão direta aos planos de ampliação da aliança com novos membros no espaço pós-soviético, com a Geórgia e a Ucrânia.
Para o cientista político Serguei Mijeev, mais importante que o próprio tratado, que segundo ele, era óbvio depois da atuação do Ocidente em torno da Ucrânia, o discurso de Putin tem um significado especial, pois pela primeira vez em anos o estadista apresentou de maneira direta, aberta e com clareza os problemas da Rússia com os Estados Unidos e seus aliados. Destacou Mijeev em declarações a Prensa Latina as referências feitas por Putin a respeito das ambições geopolíticas estadunidenses e da Otan, em especial o cerco da Rússia para governar o mundo com suas regras e seus ditames, seus métodos para gerar o caos e as intervenções.
Quanto às sanções, sublinhou o cientista político, dizem respeito às pressões dos Estados Unidos sobre os governos europeus, frente à falta de liderança política. "Pegam os europeus pela mão, contudo, não existe consenso dentro do Ocidente quanto às medidas coercitivas fortes contra Moscou" assegurou.
A respeito da adesão da Crimeia, que foi parte da Rússia até 1954, diz o Ocidente que constituiu um ato de anexação, o que é repetido pelos grandes meios de comunicação de massa, afirmou o chanceler Serguei Lavrov. "Esse termo do senso comum que empregam alguns políticos se referindo à Crimeia, insulta em primeiro lugar os povos da península".
"Considero que é um insulto contra os cidadãos da Crimeia, contra seu direito inalienável de expressar sua vontade pelo meio ao qual recorreram", expôs Lavrov ao intervir no Senado russo.
O analista internacional Alexander Moiseev recomendou agora voltar os olhares para Washington e Bruxelas, que de uma maneira absurda e descarada, disse, intervieram nos assuntos internos da Ucrânia, propiciaram o palco violento nesse país e fizeram possível o golpe de Estado fascista.
Precisamente o Ocidente, observou Moiseev em declarações a Prensa Latina, apostou em que a Ucrânia se desgarrasse e se polarizasse geograficamente em três partes (centro, ocidente e sudeste), por sua heterogênea composição étnica e linguística.
Alexander Moiseev constatou que os Estados Unidos e a Europa invocam o direito internacional só quando lhes convém, como ocorreu com a Crimeia, que decidiu por vontade própria regressar à Rússia, sustentou.
Não bastando a guerra das listas (indivíduos e corporações sancionados), a Casa Branca e seus aliados europeus acordaram um boicote à presidência russa no G8 e alguns de seus membros se posicionaram pela exclusão da Rússia desse fórum.
A União Europeia também cancelou a Cúpula bilateral com a Rússia programada para junho e os demais encontros projetados para este ano.
Em paralelo, o Pentágono decidiu manter nas águas do Mar Negro (onde se situa a frota russa) o destroier Truxtun, depois de operações realizadas junto à Bulgária e a Romênia, e finalizou o envio de seis caças F-16.
Tais manobras e a velada intenção da Otan de abrir definitivamente as portas da Geórgia e da Ucrânia fazem concluir que está em andamento uma nova escalada da guerra fria contra a Rússia.
Prensa Latina