Duplos critérios são instrumento favorito do Ocidente
Muitos políticos ocidentais afirmam que as intenções da Crimeia em se tornar parte da Rússia contrariam as normas do direito internacional.
Publicado 10/03/2014 19:30
Contudo, quando em 2008 o Kosovo declarou unilateralmente a sua soberania, os EUA e uma série de países europeus consideraram esse passo como totalmente legítimo. Os peritos afirmam que isso não tem nada de surpreendente, porque os duplos critérios já fazem parte da política dos países ocidentais há muito tempo.
O referendo planejado para o dia 16 de março acerca da unificação da Crimeia à Federação Russa seria ilegal porque a sua realização é contrária tanto a Constituição da Ucrânia, como o direito internacional, foi a opinião expressa pela chanceler da Alemanha Angela Merkel na conversa telefônica que esta teve com Vladimir Putin.
Anteriormente outros políticos ocidentais, incluindo o líder estadunidense Barack Obama, já tinham declarado que o desejo da Crimeia em fazer parte da Rússia contrariava as normas internacionais. Contudo, nem os EUA, nem a Alemanha, nem uma série de outros países protestaram quando em 2008 o Kosovo declarou unilateralmente a sua soberania. Isso só prova que o direito internacional é ultimamente interpretado com maior frequência pelo Ocidente da forma que lhe for mais conveniente, diz o diretor do Centro de Estudos Multidisciplinares Europeus e Disciplinares da Escola Superior de Economia (ESE) Timofei Bordachev:
“Excetuando o fato de a Crimeia pretender se incorporar na estrutura jurídica de outro Estado, enquanto o Kosovo não se ter incorporado na Albânia, por exemplo, não existem quaisquer diferenças. Infelizmente, nos últimos tempos o direito internacional é interpretado de uma forma tão arbitrária que acaba por ser o mais forte a ter sempre razão.”
Também é caraterístico o fato de no Kosovo muitas questões se terem levantado não só pela ideia da independência dessa região por si só, mas também pelas personalidades que lutaram por essa soberania. Os analistas referiam, nomeadamente, que o Kosovo e a Albânia detinham a má fama de serem locais de florescimento do tráfico de órgãos. As piores suspeitas se confirmaram quando em 2010 foi publicado o relatório do membro da Assembleia Parlamentar do Conselho de Europa Dick Marty. Esse documento referia que o tráfico ilegal de órgãos humanos envolvia pessoas próximas ao primeiro-ministro do Kosovo Hashim Tha?i. Apresentamos o comentário do decano da Faculdade de Economia e Política Mundial da ESE Serguei Karaganov:
“Os albaneses kosovares foram reconhecidos apesar do direito internacional, mas o mais notável é que os albaneses kosovares e o seu Estado foram desde o início chefiados por terroristas assumidos com as mãos banhadas em sangue.”
Contudo, 108 dos 193 Estados-membros da ONU reconheceram o Kosovo, e quando a Sérvia recorreu à Corte Internacional de Justiça das Nações Unidas, esta estrutura confirmou a legitimidade da separação do Kosovo. Isso foi feito porque em alguns casos o direito de um povo à autodeterminação se sobrepõe ao princípio da inviolabilidade das fronteiras de um país. Nesse contexto é estranho que se afirme que o desejo da Crimeia se separar da Ucrânia contrarie as normas do direito internacional, afirma o jurista especialista em direito internacional Valeri Vanin:
“Ele não o contraria em maior medida que a aspiração de qualquer povo à sua autodeterminação numa situação em que um Estado careça de um governo que expresse a vontade de todos os povos que habitem esse Estado. É precisamente nesse caso que, segundo os documentos normativos da ONU, que um povo tem um direito à autodeterminação que pode ir até à separação.”
Mas se isso não for assim, então porque é que o Kosovo pode fazer aquilo que não pode fazer a Crimeia? A resposta é evidente: neste caso nós enfrentamos uma política de duplos critérios. Este é o comentário de Timofei Bordachev:
“Essa política é a prática mais utilizada, comum e aceite pelos EUA e pela União Europeia em matéria de política externa. Nós compreendemos isso perfeitamente. Assim, a questão não é se os nossos parceiros dizem verdades ou mentiras, mas se podemos contrapor alguma coisa.”
O tema dos duplos critérios foi abordado na segunda-feira, dia 10 de março, pelo Ministério das Relações Exteriores da Federação Russa. “A Rússia está indignada com a ilegalidade que reina neste momento nas regiões orientais da Ucrânia devido às ações dos militantes radicais do chamado Setor de Direita com a complacência total das novas autodesignadas autoridades”, se lê no comunicado do Ministério das Relações Exteriores. “A situação chegou a um ponto em que mascarados bem equipados e armados abriram fogo sobre manifestantes pacíficos, provocando feridos. A milícia de Dnepropetrovsk deteve sete jornalistas russos, se justificando com fato de apenas os interessarem “determinados episódios provocativos”. Contrariando todos os acordos bilaterais existentes, as autoridades ucranianas não permitem a entrada em território da Ucrânia de cidadãos da Federação Russa, tendo de fato anulado a cooperação transfronteiriça".
“É surpreendente o silêncio envergonhado dos nossos parceiros ocidentais, das organizações defensoras dos direitos humanos e da mídia estrangeira. Surge então a questão: onde está a famigerada objetividade e o compromisso com a democracia?”, se lê no comunicado do Ministério das Relações Exteriores da Rússia.
Fonte: Voz da Rússia