"Ele me explorou, me usou e não sei se vou superar"
A história de Camila Sousa* foi contada com exclusividade à reportagem do O SÃO PAULO nas escadarias da igreja Nossa Senhora da Paz, em São Paulo, um dia antes que ela viajasse de volta para El Salvador, seu país de origem. O drama vivido pela jovem de 26 anos foi relatado com emoção e voz baixa, porque, quando se vive uma situação como a dela, qualquer lugar ou pessoa passam a ser temidos.
Por Nayá Fernandes, na Adital
Publicado 08/03/2014 18:42
Camila conheceu Carlos José*, boliviano, pela internet. Eles começaram um relacionamento online, e, depois de mais de um ano, ele a convidou para um encontro em São Paulo. "Ele pagou tudo, as passagens, gastos da viagem. Disse-me que eu não precisava me preocupar com hospedagem e alimentação, porque ele estava bem estabelecido em São Paulo.”
É preciso vencer o horror do tráfico humano
A jovem, que tem uma filhinha de 3 anos, tirou o passaporte e teve autorização para ficar um mês no Brasil. "No início foi tudo muito bom! A gente passeava, ele era muito gentil comigo. Depois, foi ficando cada vez mais difícil, ele não queria que eu levantasse a cabeça quando saíamos juntos, pois tinha ciúmes e dizia que eu estava olhando para outros homens, por isso, precisava andar de cabeça baixa ao seu lado.”
Com a passagem já comprada, Camila queria voltar logo para casa, mas tinha que esperar. Quando faltavam poucos dias para a viagem, Carlos tomou das mãos dela os documentos e os rasgou em pedacinhos. Emocionada, a jovem mostrava o passaporte que ela colou com fita adesiva.
Então, o homem começou a tê-la como prisioneira na oficina de costura que tinha e a fazer ameaças. "Ele dizia que, se eu fugisse, ia me dar mal, porque não conhecia nada da cidade e não sabia falar bem o português. Um dia, chegou a me agredir e dizer que, se eu fugisse, ele iria atrás de mim, pois já tinha acabado com a vida de uma mulher.”
"Depois daquele dia, eu fiquei com muito medo, e não conseguia falar com ninguém, nem com os funcionários da oficina de costura. Cheguei a tomar um monte de remédios, porque estava desesperada e queria tirar minha vida, mas o máximo que eles me fizeram foi ter muito sono e uma diarreia forte.”
Um dia, porém, Camila decidiu fugir. Sem saber onde estava, saiu à rua procurando pelo bairro do Brás, pois era a único lugar que tinha ouvido falar. "Não levei nada, só meus documentos. Peguei a chave escondida e saí correndo.” De ônibus, ela foi para o Brás e, chegando lá, disse que era estrangeira e precisava de ajuda.
"Indicaram a Casa do Migrante”, disse. A Casa fica na rua do Glicério e hospeda migrantes do Brasil e do exterior, além de auxiliá-los com documentação e busca de trabalho. "Isso aconteceu em janeiro [de 2013]. Desde então, nunca mais tive coragem de sair da casa. Tinha medo de que ele me encontrasse na rua.”
Camila entrou em contato com a família e soube que Carlos tinha feito a mesma coisa. No dia 7 de setembro de 2013, quando conversou com a reportagem, já estava de passagem marcada e muito ansiosa para voltar.
"Ele me explorou, me usou e não sei se vou conseguir superar isso.” Ao ser perguntada se denunciaria Carlos, Camila disse que não. "Não quero mais pronunciar o nome dele. Quero apenas que este pesadelo acabe. Quero ver minha filha, cuidar dela e viver em paz.”
*Nomes fictícios