Passo decisivo para um partido comunista de quadros e de massas
Parte 1
A convocação do 8º Encontro Nacional sobre Questões de Partido retoma o debate da construção partidária à luz de seu Programa e das Resoluções do 13º Congresso. Ele se instala em Brasília, dias 11 e 12 de março. O artigo que se segue visa a estimular o debate que vem percorrendo as formulações por um partido comunista de quadros e de massas.
Por Walter Sorrentino*
Publicado 06/03/2014 11:47
A rica noção de um partido comunista de quadros e de massas tem ainda uma longa trajetória a percorrer. Sem falar do horizonte estratégico, ainda posto numa situação de disputa defensiva, numa luta prolongada por construir nova hegemonia política, social e cultural entre as grandes massas de trabalhadores, jovens, mulheres e setores da intelectualidade da sociedade brasileira, a jornada é longa também para dar delineamentos políticos, organizativos e práticos a uma força partidária organizada naquela direção.
Foi fecundo o movimento inicial percorrido nos anos pós-crise e falência da URSS. Livre das amarras de supostos modelos únicos de socialismo, revolução e partido, abriu-se uma reflexão teórica e um movimento prático inicial na direção de um partido comunista de quadros e de massas. Avançando a formulação teórica a partir da teoria leninista de partido – mas, como Lênin, ligando a política de construção partidária essencialmente à estratégia propugnada para a revolução –, estabeleceu-se enorme potencialidade para desenvolver o PCdoB nas condições originais do país, nos termos da contemporaneidade, no caminho de um novo projeto nacional de desenvolvimento para um rumo socialista.
É o que tem sido largamente tratado e debatido nos últimos Congressos, e falta ainda muito nesse percurso, decerto, no que se depende da evolução do curso político real. Mas passos fundamentais estão dados e em evolução. Um programa socialista contemporâneo, que encerra uma estratégia determinada, que os torna tangíveis para ir ao encontro das aspirações mais sentidas dos trabalhadores, de todo o povo e da nação, abrindo caminhos para superar as contradições em presença. Uma tática que considera multilateralmente a realidade concreta de forças de todas as classes e seus interesses e propósitos, que a um só tempo permita constituir um bloco político e social transformador, enquanto unidade popular, e conjugue esforços políticos, de ação de massas, institucional e eleitoral, os movimentos sociais e da cultura, num trabalho molecular permanente pela nova hegemonia. A luta pelas reformas democráticas estruturantes responde por essa exigência concreta.
Mas faz falta referência necessária à questão partido, ou seja, da força política consciente, organizada e mobilizada, que reúna esse pensamento à ação, construa a unidade de forças da esquerda com convicções, clareza e determinação, capaz de empolgar o povo, representar e sustentar esse norte estratégico. O PCdoB escolheu seu caminho nesse terreno: sustentar a identidade comunista, o caráter ligado essencialmente aos interesses fundamentais e históricos dos trabalhadores, e abrir-se como corrente organizada à escala de centenas de milhares de militantes, com quadros que assegurem o caráter da organização e uma base militante ativa – por isso organizada –, comprometida e realizando a pedagogia política cotidiana junto ao povo.
No estágio atual, há duas questões interligadas que respondem, essencialmente, pelos novos passos para aproximar-se e consolidar esse caminho. Uma é o de entender a nova gramática promovida pelas transformações sociais, culturais e, por extensão, políticas, ocorridas nesses doze anos de ciclo político encabeçado por forças populares. Não há como ater-se apenas ao universo restrito dos movimentos sociais organizados, em que pese seu papel estratégico, sem compreender ao mesmo tempo, em profundidade, as características da rica, diversificada e complexa sociedade civil brasileira. Não se compreenderá realmente o país sem esse exame, descortinar casamatas a disputar com o poder conservador ainda hegemônico, os alvos da luta e as forças aglutináveis.
A outra, é que a noção mesma de partido comunista de quadros e de massas, extenso e influente, só se “completa” enquanto pensamento político-organizativo com a capacidade de gerar adesão identitária de vastos setores do povo trabalhador, da juventude e das mulheres, de setores da intelectualidade, com um programa estratégico traduzido em ação e proposição concretas a cada situação. Ou seja, capaz de dizer com clareza pelo quê se luta a cada momento na direção de um projeto totalizante, partindo do cotidiano da vida real do povo, com trabalho cotidiano, pedagógico e político, de solidariedade e participação, combinando as reivindicações com campanhas de massas em torno das reformas estruturantes para um novo arranque na situação brasileira.
Isso conduz a uma questão nevrálgica, que é a necessidade de conferir ao partido um eleitorado próprio mais permanente e definido, fiel a essa identidade e a essas bandeiras, que vejam no PCdoB essa representação e esperança. Uma corrente política de massas em torno de um novo projeto nacional de desenvolvimento como caminho para o socialismo vai desde fileiras militantes até essa faixa eleitoral mais permanente, que oscila sim ao sabor de conjunturas, mas mantém um núcleo com sentido de pertencimento ao projeto. Repito: isso implica bases de massas, protagonismo político, social e cultural, alimentados com ação permanente no cotidiano, constituir redutos eleitorais inexpugnáveis, acentuar o senso de representação do PCdoB. Para tanto é que se coloca, enquanto exigência política, uma extensa militância comprometida, em organizações definidas.
Não retorno ao tema das disfunções políticas que atuam contra isso no caso brasileiro. Sobremodo, o sistema eleitoral nominal, de listas abertas, mantido pelo poder privado do financiamento é nefasto, e essa é a razão da centralidade da luta pela reforma política-eleitoral, pauta indispensável da hora. Há também a tradição movimentista no país, que em geral não estimulou largo trabalho nas bases – com notáveis exceções vitoriosas como, entre outras, as reformas de base dos anos 1960, as greves de 1978, as Diretas Já –, mas a realidade é que sem o movimento de massas nenhuma das conquistas passadas e presentes se faria possível. O fato é que, entre tendências e contratendências, há espaço reclamado pela situação presente de uma corrente desse tipo, de esquerda consequente, com um projeto estratégico. A questão é dar-lhe sustentação: uma corrente militante extensa, aguerrida e organizada, capaz de constituir na ação política, social e cultural um eleitorado próprio mais definido e permanente, e uma estrutura de quadros políticos partidários forjados no pensamento estratégico para o Brasil, felizmente disponível hoje. E mais: há uma riquíssima experiência da juventude, cujo movimento é o que mais se aproxima, hoje, dessa visão e prática.
O 13º Congresso dá ensejo a novos passos na edificação do PCdoB. Quatro deles são destacados: o estudo da realidade social em evolução e seu impacto na formação dos valores e consciências de extensas camadas envolvidas na mobilidade social ascendente que se verificou nos últimos anos, com novo estrato da massa trabalhadora formal à escala de dezenas de milhões; a instituição de fato de Fóruns de Movimentos Sociais na vida partidária como modo de sistematizar e intervir nas múltiplas dimensões da ativa sociedade civil; a instituição de Fóruns de Quadros de base nas maiores cidades do país, para nuclear a vida de organizações de base ativas e permanentes, radicalizando as proposições do 7º Encontro Nacional Um Partido do tamanho de nossas ideias; e a proposição de linhas de indução mais definidas para tornar a aplicação da Política de Quadros em efetivo centro da direção organizativa, para as direções, como também para os quadros de base, os quadros institucionais e os da luta social.
Esses serão os temas do 8º Encontro Nacional sobre Questões de Partido, neste mês de março, para debater e aprovar Diretrizes da construção partidária para 2014, com diretivas de ação concretas e imediatas.
*Walter Sorrentino é médico, secretário nacional de Organização do PCdoB