Joaquim Barbosa e a pena de morte civil a José Dirceu
Não havia provas contra ele nos autos, então um ministro procurou em seu compêndio de Direito Penal uma teoria esdrúxula, criada na Alemanha: a do Domínio do Fato. Nem aquele país a aplica e o seu próprio autor desautorizou a leitura feita pelo presidente do STF.
Por Lincoln Secco*, no Viomundo
Publicado 15/02/2014 19:15
O escândalo de uma condenação por formação de quadrilha sem provas incomodou até o conservador Ives Gandra Martins.
A insegurança causada nos meios jurídicos e o perigo que tal teoria representaria para homens de negócio conduziram um jurista de renome como ele a se pronunciar contra a condenação de um adversário político.
Mas há uma explicação. Como jurista ele precisa demonstrar este incômodo e é provável que, sendo homem honesto, acredite piamente na legalidade instituída. Mas o comportamento do STF não nasce da maldade de Joaquim Barbosa (embora ele seja mesmo um homem mau, conforme o jurista Bandeira de Melo que o conhece).
Quem assistiu ao filme Die Weiße Rose (A Rosa Branca) sobre a resistência de estudantes de Munique ao nazismo, deve se lembrar de um juiz cujas palavras exalavam ódio, jamais qualquer princípio de Direito.
Aqui como lá o que permitia ao juiz revelar toda sua raiva recalcada era um sistema. Ao chegar ao poder o PT simplesmente fez o que os seus inimigos o acusam de não fazer: seguiu as regras e nomeou pessoas supostamente competentes ao STF.
Ao fazê-lo, seguiu a velha lição tucana: “Façam o que eu digo, mas não o que eu faço”.
Aquela legalidade referida acima não existe para adversários políticos porque nós não vivemos num estado de Direito pleno.
Que condenem (mas dificilmente prendam) um senador do PSDB aqui (agora já um peixe pequeno), um deputado da base aliada ali; que até agora o ex-deputado Roberto Jefferson esteja em liberdade não são violações da lei. São aplicações seletivas. Elas são previstas!
Na Democracia Racionada brasileira, os empresários defendidos por Ives Gandra não sofrerão o impacto da teoria do domínio do fato, exceto se tiverem alguma vinculação política indesejável. Quando uma advogada falou publicamente naquela teoria para o caso do ex-governador Fleury nos assassinatos do Carandiru, a imprensa esqueceu.
A volta de Joaquim Barbosa, após compras em Paris, foi mais um ato de afirmação do nosso Direito Racionado. Ele simplesmente revogou decisão do Ministro Lewandowski que assegurava um direito de José Dirceu trabalhar cumprindo sua sentença no regime semiaberto.
Agora, notícias veiculadas pela imprensa mostram que não haverá prazo, após o recebimento da notificação da multa de quase R$ 1 milhão imposta a José Dirceu, para que ele a pague! Ainda que não seja verdade (embora do poder judiciário se possa esperar tudo), a simples notícia já mostra de qual sistema estamos falando.
Parcela da imprensa, oposição partidária e “jornalistas” hidrófobos criam o clima dessa justiça injusta. Não basta inventar a lei contra o terrorismo para impedir hoje jovens manifestantes (infelizmente com o apoio de “companheiros” rendidos ou vendidos); e não basta condenar sem provas a José Dirceu; é preciso condená-lo ao ostracismo, já que não há pena de morte legal.
Mas como condenar alguém ao ostracismo sem voltar à Grécia clássica? O presidente do STF não precisa ir tão longe. Basta voltar ao período colonial.
No Brasil, o regimento diamantino no século XVIII previa essa condenação esdrúxula, espécie de excomunhão civil.
OBS: Sem força para reparar uma injustiça, ao menos que todos nós doemos recursos financeiros de qualquer quantia (pequena ou grande) para pagar a multa de José Dirceu. Será um gesto político.
*Lincoln Secco é professor de História Contemporânea da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras da USP.