Cafu: "O Brasil é o time a ser batido"

Na cerimônia do título da Copa do Mundo de 2002, o experiente Cafu não hesitou: quebrou o protocolo e subiu no púlpito para erguer a taça ainda mais alto. Ele era senhor da situação naquele momento. Para quem viu a cena, custaria crer que aquele mesmo jogador, capitão do penta, teve um início de carreira tão complicado, sendo recusado em diversos testes quando adolescente. “Foram mais ou menos uns nove ‘nãos’ que ouvi”.

Cafu

Em entrevista, o legendário lateral direito fala sobre essa dura provação para iniciar sua carreira e a decolada repentina que teve para, hoje, se tornar uma autoridade em termos de Seleção e Copa. Então qual a expectativa dele sobre seus jovens compatriotas no Mundial deste ano, em casa? Ele não titubeia novamente: “O Brasil é o time a ser batido”.

FIFA.com: Sua história é bastante intrigante. Você demorou para emplacar como jogador. Passou por vários testes, mas, uma vez aprovado no São Paulo e estreando no profissional, imaginava que em tão pouco tempo teria tanto sucesso? Que estaria numa final de Copa em 94? Dava para imaginar de ir tão longe?

Cafu: Não, não dava para imaginar que poderia chegar aonde cheguei, tão rapidamente como foi. Imaginava, sim, ser um atleta profissional, um jogador, naquela época do São Paulo, o clube aonde estava. Mas depois as coisas aconteceram muito rápido. O início de carreira é uma coisa muito árdua para muitos atletas, muitos acabam desistindo na metade do caminho, até pelas próprias dificuldades que o dia-a-dia do futebol e da vida acaba te proporcionando. E o fato de ter recebido muitos ‘nãos’ no começo da carreira – foram mais ou menos uns nove –,
achei que não seria realmente um atleta profissional, principalmente de Seleção Brasileira.

Mas, de uma hora para a outra, num belo amistoso contra o São Paulo, o próprio clube que já havia me mandado embora várias vezes, acabei superando essa peneira e fiquei. Foram uns 15 dias para fazer teste, que duraram uma eternidade. Só faltava aquilo para mim, uma oportunidade. Quando o São Paulo deu, agarrei de uma maneira que não pudesse soltar nunca mais. De 1991, quando me firmei no profissional, em diante, foi uma sequência de seleção paulista, de seleção novos, Seleção Brasileira, até ser campeão mundial.

Você se lembra de um ponto, de um dia em que enfim sabia que as coisas haviam virado?
Que você havia conseguido?

Quando assinei meu primeiro contrato com o São Paulo, não tinha certeza ainda se daria
segmento na minha carreira ou não. Mesmo se transformando em um atleta profissional, a competitividade é muito grande, e, por ter já uma certa idade, achei que seria difícil. Mas, quando me firmei como titular absoluto, quando conquistei o primeiro título, aí vi, sim, que poderia ser um pouco mais ambicioso. Comecei a trabalhar para que pudesse ir para a Seleção. Quando tive isso, aí comecei a trabalhar pela oportunidade de ir para uma Copa do Mundo.

Depois que você está lá, você só quer ganhar uma Copa. Então foi uma sequência
de vitórias e coisas boas, que me proporcionou ser recordista de jogos com a
Seleção, capitão e campeão mundial duas vezes.

Na final de 1994, você começa no banco, mas quando soube que teria de jogar? Como
veio a notícia?

O Jorginho estava bem, fazendo uma boa Copa, e eu vinha entrando gradativamente durante os jogos. Era coisa de 10, 20 minutos. Na final, com 15 de jogo no primeiro tempo, o Jorginho colocou a mão na coxa. O Parreira viu e falou: ‘Cafu, aquece’. ‘Nossa, eu aquecer?’, perguntei. E ele disse que o Jorginho tinha sentido, que ficaria de pré-aviso. Quando veio a notícia, ele
perguntou se eu estava pronto, respondi que estava preparado há muito tempo enem precisava aquecer. Entrei na final, e graças a Deus o Brasil
foi campeão em cima da Itália.

Pensando nos grupos de 1994 e 2002, campeões, sempre ouvimos que as coisas não acontecem só dentro de campo, que o ambiente pode ser tão essencial quanto. Isso é um
clichê ou realmente fundamental?

Para uma equipe, principalmente em Copa do Mundo – uma competição curta –, se não estiver unida, não vence. Sozinho ninguém vence Copa. Não vem falar para mim que o Pelé, o Maradona ou o Matthaus tenham ganhado algo sozinho. É mentira. Sempre tem um time que deu suporte para que se destacassem. Se todo mundo não estiver focado, não adianta, que não ganha. Tanto em 1994 como em 2002 nosso foco era único: a taça. Você precisa ter talento, isso é óbvio. Nós tínhamos o suficiente. Mas, se esses talentos jogassem individualmente, o Brasil não teria sido campeão.

Sobre esse tipo de química entre um elenco: como funciona? Vem muito do técnico ou é
uma sucessão de fatos que pode empurrar o time nessa direção?

É uma sucessão de fatos, mesmo. Claro que também entra o técnico nisso. Mas é uma sucessão para que se possa ganhar uma Copa do Mundo, e, não, um episódio único, ou um detalhe que vai fazer você ganhar. Um detalhe pode pesar numa final, uma falta de atenção. Mas, para chegar lá, você teve toda uma preparação.

Na véspera do início da Copa das Confederações, você estava em Brasília e teve acesso ao treino. Como foi o contato com jogadores? Já sentia um grupo com um astral diferente nesse sentido?

Tive a oportunidade de conversar com eles no meio do campo. Até falaram que eu teria dado uma palestra, mas não foi isso. Foram apenas umas palavras que acabaram mexendo com o brio deles e da comissão técnica. Por tudo aquilo que vivi, acho que valia passar algo para aquela garotada. Acho que assimilaram bem. Ajudou a tocar os jogadores, e o Brasil ganhou a Copa das Confederações de uma maneira fantástica.

A Seleção não vinha com bons resultados. Houve uma troca de treinador até por isso. De repente, contra o Japão, o Neymar acerta um chutaço, as coisas dão certo, e cria-se uma sinergia com a torcida. De alguma forma, tudo isso te surpreendeu?

Para mim não. Sei do que um atleta é capaz, do que uma Seleção pode fazer. Principalmente jogando em seu país, com o apoio da torcida. Foi um dia em que tudo deu certo. O Neymar fez um gol de perna esquerda, e o gol saiu no momento certo. Tudo se encaixou. Na final, o Fred fez um gol deitado. Mas isso só acontece para quem acredita. A Seleção acreditou e ganhou daquela maneira. Então para mim não foi surpresa nenhuma. É a Seleção, e tem de ser respeitada, principalmente em casa.

Entre a final e a estreia na Copa, temos um ano de intervalo. É possível que esse cenário possa ser alterado, ou imagina que, quando o Brasil entrar em campo, será o clima da Copa das Confederações?

Vamos entrar com o clima que vimos na final. Clima de uma Seleção campeã, vencedora, que bateu a Espanha por 3 a 0. Claro, é uma competição diferente, mais difícil. Mas o Brasil é a seleção a ser batida.

Fonte: Fifa