Palestinos revelam plano proposto pelos EUA favorável a Israel

O secretário-geral da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Yasser Abed Rabbo divulgou, neste domingo (26), os detalhes da proposta do secretário de Estado dos EUA, John Kerry, para as negociações com Israel. Rabbo vem denunciando o favorecimento ao governo israelense como obstáculo primordial ao processo, e o Hamas, partido islâmico que governa a Faixa de Gaza, disse que “não há potência no mundo” que imponha solução que prejudique os direitos dos palestinos a seus locais sagrados.

Soldados israelenses em Jerusalém - Ed Giles / Lights Talkers

De acordo com Abed Rabbo, a proposta dos EUA inclui o reconhecimento palestino de Israel como um Estado judeu, estabelecer parte de Jerusalém Oriental como a capital da Palestina, resolver a questão dos refugiados de acordo com a proposta do ex-presidente Bill Clinton, manter o controle israelense sobre as maiores colônias (e “vender” o restante a Israel) e sobre as passagens fronteiriças e o espaço aéreo; a presença de forças dos EUA, palestinas e jordanianas na fronteira.

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“Os israelenses também devem ter o direito de perseguir fugitivos ou suspeitos no Estado palestino,” completou Rabbo. “O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu rejeitou essas ideias porque ele quer definir as terras que deseja, e recusa-se a discutir a questão de Jerusalém. Ele também recusa a intervenção de outra parte nas questões securitárias, até mesmo dos EUA.”

Rabbo ressaltou que esta forma de pensar é essencialmente inaceitável. “Nós, palestinos, temos sido mais do que claros em relação a isso. Dissemos várias vezes que rejeitamos o conceito da chamada pátria nacional para judeus na Palestina histórica, ou o conceito de um ‘Grande Israel’. Netanyahu expressou que não só quer legitimar a narrativa nacional sionista [colonizadora e racista] e a expulsão dos palestinos em 1948, mas também os projetos colonizadores contínuos, que tentam alcançar o sonho sionista do ‘Grande Israel’.”

Questões securitárias

O plano de Kerry, exposto por Rabbo, inclui uma formulação sobre procedimentos de segurança que durariam vários anos, supostamente sujeitas ao aparato securitário palestino melhorado.

“Entretanto, ele seria, ainda assim, controlado por Israel, que manteria este controle mesmo que os EUA tenham prometido continuar envolvidos enquanto esses arranjos fossem formulados, para garantir que Israel se retire de certas áreas, inclusive o Vale do Jordão.”

O premiê Netanyahu, entretanto, já prometeu aos seus que não pretende “desenraizar nem um só colono” do vale, que faz fronteira com a Jordânia, à beira do Lago Tiberíades, uma das maiores fontes de água desta região palestina de agricultura.

Os arranjos securitários, disse Rabbo, manterão postos securitários de Israel nos topos das montanhas e no espaço aéreo palestino. Israel manterá o direito de sobrevoar o território palestino quando sentir que há uma ameaça securitária iminente. “Neste ponto, qualquer vestígio de soberania ou contiguidade territorial palestina foi completamente estraçalhada,” ressaltou.

Colônias, Jerusalém e refugiados

Abed Rabbo disse que houve inúmeras discussões sobre os vastos blocos de colônias de Israel na Cisjordânia ocupada (alguns chegam a ter o estatuto de “cidades”). O plano israelense seria o de anexar quatro maiores e “alugar” alguns outros da Palestina caso o Estado seja estabelecido.

Isso significa que as colônias manterão o mesmo padrão e os colonos continuarão vivendo como cidadãos de Israel, com estatuto especial no Estado palestino.

Além disso, de acordo com Israel, “Jerusalém não está disponível para negociações e continuará sob o controle completo israelense, como a sua capital indivisível”, explicou Rabbo.

“Há uma conversa geral misteriosa sobre os palestinos estabelecerem sua futura capital em Jerusalém, mas do ponto de vista israelense, o município estende-se de Ramallah até Belém e a fronteira do Vale do Jordão. Por isso, seria facilmente argumentado que Abu Dis ou Kufr Aqab poderia ser nomeada como a futura capital palestina.”

Em 1980, depois de ter ocupado a porção palestina, oriental, o governo israelense aprovou uma lei em que define Jerusalém “inteira” como a sua capital.

Já sobre os refugiados palestinos, estimados atualmente em cerca de cinco milhões de pessoas, Rabbo disse que há quatro resultados possíveis, como propostos pelo ex-presidente Clinton, que chegou a desempenhar o papel de mediador durante os Acordos de Oslo, do início da década de 1990. Uma das possibilidades inclui o retorno de um número limitado, como mencionado na lei israelense, apesar das inúmeras resoluções da ONU sobre o direito de retorno.

A posição da Autoridade Palestina

De acordo com o secretário-geral da OLP, da qual a Autoridade Nacional Palestina (ANP), criada através das negociações de Oslo, funciona como o órgão Executivo, todas essas potenciais “soluções” são inaceitáveis, principalmente porque Netanyahu não deixará de insistir pela expulsão dos árabes de Jerusalém e rejeita completamente o direito de retorno dos refugiados.

“Netanyahu não quer o envolvimento de uma terceira parte, seja ela os EUA ou não, em qualquer dos seus arranjos no Vale do Jordão, mesmo que ele permaneça sob o controle israelense. Ele que todas as decisões sob a premissa de Israel e, a julgar pelas nossas tentativas passadas, qualquer das nossas tentativas de seguir um plano ou um cronograma será completamente abalada por Israel.”

Um exemplo disso é a permanência das forças de ocupação israelenses na maior parte da Cisjordânia palestina, em áreas definidas para controle militar de Israel por um período de cinco anos, que deveria ter sido encerrado ainda na década de 1990, segundo os acordos assinados em 1993 e 1995 no contexto do “Processo de Paz de Oslo”, iniciado nesta cidade norueguesa.

Israel e os Estados Unidos alegam que o povo palestino poderá receber territórios equivalentes aos que possuía antes de 1967 – quando Israel avançou na ocupação, a partir da Guerra dos Seis Dias – através das trocas.

“Eu não entendo como isso é possível, com blocos de colônias, zonas de segurança israelenses e o muro de segregação [já com quase 700 quilômetros de extensão], que divide as regiões do leste e do oeste da Cisjordânia completamente. Esperam que acreditemos que ganharemos território com as trocas? Isso é impossível,” disse Rabbo.

Transferências de população

O secretário-geral descreveu os israelenses que sugerem as “trocas de população” em conjunto com as “trocas de territórios” como racistas, ressaltando que a OLP não aceita as transferências demográficas. Um exemplo proeminente desta proposta é o ministro das Relações Exteriores de Israel, Avigdor Lieberman.

“Os árabes palestinos que vivem dentro de Israel não são colonos”, ele enfatizou. “Eles não vieram para Israel através da invasão ou da imigração. Eram os proprietários daquela terra e ninguém pode expulsá-los dos seus lares. Trocar colonos por árabes-israelenses significaria trocar cidadãos israelenses por cidadãos israelenses; como isso é possível?”

Para Rabbo, isso mostra que o governo israelense não considera os árabes verdadeiros cidadãos do Estado. “Eles os vêm como cidadãos de segunda ou terceira classe, sem direitos, o que é absolutamente racista. Buscam fazer uma limpeza étnica daquele território mais do que desejam a troca de terras.”

Este é o quadro em que a maior parte das ideias são debatidas, disse o secretário-geral. “Nós não temos qualquer documentação oficial para provar isso, mas a informação vaza de Israel, de uma forma ou de outra.”

As recusas de Israel

Rabbo disse que não se surpreende com as negativas que Israel dá a maior parte das propostas, pela simples razão de querer adentrar na maior parte de território que puder, na Cisjordânia ocupada, e manter o controle absoluto, especialmente nas “zonas securitárias”. Isso daria a Israel o “direito” de intervir e proteger as colônias, o que também significa ter o controle sobre as redes rodoviárias.

“Estamos sendo confrontados com um ultimato”, enfatizou. “Não estamos diante de duas opções distintas, com várias fórmulas que podemos aceitar ou rejeitar. Entretanto, qualquer tentativa de adoçar a linguagem desses acordos, ao invés de criticar seus preconceitos, nos levarão ao desastre.”

Rabbo rechaçou a culpa delegada aos palestinos caso o plano de Kerry falhe. “O jogo das culpas não nos preocupa, e não tomamos isso nas nossas considerações políticas. Quem pode nos culpar por querermos ter o nosso país com as fronteiras de 1967 e Jerusalém como a nossa capital, e por buscar uma resolução justa e aceitável para a questão dos refugiados?”

Impasse e falência das negociações

Embora Kerry “tenha feito o seu melhor” para tornar a proposta aceitável para os dois lados, disse Abed Rabbo, “parece que ele leu a posição israelense no começo e aceitou as garantias verbais, genéricas, vagas e ambíguas que Netanyahu geralmente oferece a quem quer que ele encontre. Ele as deve ter interpretado em alguma forma, e quando olhou para a impressão, se deu conta de que se trata de duas posições israelenses diferentes.”

Assim, Rabbo diz acreditar que Netanyahu enganou Kerry para discutir a questão securitária primeiro e o chanceler estadunidense aceitou, mas descobriu que “os israelenses querem usar a segurança como uma desculpa para justificar suas ambições de expansão. Isso explica como e por quê chegamos ao atual impasse.”

Já a agência de notícias Safa citou um membro do Birô Político do Hamas, Ezzat Rashq, que disse: "O Hamas reitera sua advertência sobre os perigos vinculados ao plano-quadro proposto pelo secretário de Estado dos EUA. O plano tem como objetivo liquidar a causa palestina e revela uma tendência desavergonhada dos Estados Unidos com relação à agenda israelense. Os EUA nunca foram um mediador honesto no processo de paz."

Rashq pediu que a Autoridade Palestina se oponha ao plano, como já foi anunciado pelo governo e pela OLP, e que suspendam as "negociações absurdas", que só servem de cobertura para que Israel cometam mais crimes contra o povo palestino, contra suas terras e contra os locais sagrados, como Jerusalém. A AP comprometeu-se com um período de nove meses de negociações, que deve terminar em abril, e não será estendido, garantiu.

Por Moara Crivelente, da redação do Vermelho,
Com informações da agência Safa e do portal Middle East Monitor