Renato: para destravar a nova arrancada do desenvolvimento
O presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, participou do debate “Ideias para o Brasil Avançar” na tarde da última sexta-feira (24), na Câmara Municipal de Porto Alegre. O evento também teve como debatedor Márcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo. O debate ocorreu dentro da programação do Fórum Social Temático. Segue abaixo artigo*:
Publicado 26/01/2014 20:31
Na tarde da última sexta feira (24), o presidente do PCdoB, Renato Rabelo, contribuiu para o debate do Fórum Social Temático 2014, em Porto Alegre, apontando o fortalecimento dos movimentos sociais e a formação de novas maiorias de esquerda como tarefas para enfrentar o capital rentista e vencer os obstáculos a um avanço civilizacional no Brasil. O debate ocorreu na Câmara Municipal de Porto Alegre, sob o tema “Ideias para o Brasil avançar”, num dueto com o presidente da Fundação Perseu Abramo, Márcio Pochmann.
O discurso do dirigente comunista procurou destacar a recente antecipação da campanha presidencial, por meio de gestos agressivos da oposição, e propor uma reação do campo progressista. Leia a íntegra de sua palestra, uma análise aguda da conjuntura, considerando os complexos embates que se dão na superestrutura econômica do país:
A campanha presidencial foi antecipada e levou ao acirramento político e ideológico. Isso acaba revelando o perfil e as posições dos setores dominantes, da elite e das forças conservadoras. É uma espécie de declinação que nos ajuda.
O capital fictício
Foi-se formando uma elite financeira globalizada nestes últimos 20 anos, que provocou a grande crise desencadeada em 2007/2008 e que, ao mesmo tempo, tem o poder de resgatar as suas próprias perdas. Ficam as consequências estruturais da crise, e aí quem paga a conta somos nós.
Hoje, o capitalismo não sabe em que investir o excedente de capital criado. Um exemplo candente disto é a injeção de liquidez financeira do FED (Banco Central dos EUA), coisa de US$ 84 bilhões mensais. Quase nada disso tudo é investido na produção, mas circula na esfera financeira. O capitalismo na etapa atual tem a dominância do que chamamos de capital fictício.
O capitalismo está com dificuldades de transformar trabalho e capital em produtos e serviços. Por isso, fica empoçado na esfera financeira, porque não sabem onde investir para ter o lucro esperado.
Efeitos políticos
Pouca gente se dá conta de que essa crise de magnitude sistêmica e estrutural produz seus efeitos políticos. Depois do desastre, os representantes políticos prestaram o socorro financeiro pra mostrar quem tem o poder de estado, comprometendo o próprio estado em financiar o auxílio financeiro para esses mesmos responsáveis pela crise.
Como disse o principal editor econômico do Financial Times, Martin Wolff: “é correto concluir que os poderosos que detém o poder sacrificaram os contribuintes (leia-se o povo, os trabalhadores) em benefício dos culpados”. Diante da crise, esse fato dos grandes capitalistas serem resgatados às custas dos trabalhadores e do povo cria a situação de que podemos estar no começo de um processo de decomposição de longo prazo.
Não sou eu que estou dizendo isso! Olha a repercussão política desses acontecimentos!
O processo de centralização econômica cria a concentração de poder na Europa e na Alemanha, (com FMI, Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Wall Street), que passam a ter grande influência no partido Democrata dos EUA.
A crise e o Brasil
Concluo que esse conjunto de crise estrutural e sistêmica afeta os países em vias de desenvolvimento como o nosso. A elite dominante, para se salvar, empurra o ônus para os trabalhadores e para a periferia do capitalismo em desenvolvimento.
Eles produziram a crise e têm o poder de serem socorridos, daí a ofensiva. Com a mudança da política monetária dos EUA diminuindo esse aporte financeiro ao mercado, a situação se complica. Não se resolve o problema, porque fica tudo empoçado na esfera financeira, mas eles precisam, porque é como se fosse um efeito de tóxico.
Diante disso, onde investir? A atitude desses grandes capitalistas que têm o controle sobre as agências de risco é de tentar colocar o governo brasileiro nas cordas, com o objetivo de fazer com que o nosso governo recue e faça com que voltemos atrás para beneficiar esses setores rentistas e que negociem o investimento em nosso país em melhores condições. Somos o terceiro país no mundo com melhores condições de investimento.
Daí, uma grande campanha interna e externa contra a presidenta Dilma, tentando mostrar que ela é irresponsável na austeridade fiscal e no excesso de intervencionismo na economia. Toda essa fumaça vem no sentido de dobrar a presidenta e criar melhores condições para o investimento deles. Porque, hoje, não é coisa fácil encontrar investimentos favoráveis, e o Brasil é esse país que permite e tem essas possibilidades.
Atualização do projeto de desenvolvimento
Nesses dez anos, na verdade pouco tempo histórico, atravessamos esse período nessa linha de mudanças no papel do Brasil no mundo, no mercado externo, e na nova diplomacia… Assim, o Brasil chegou a uma nova etapa que exige uma atualização do projeto de desenvolvimento, no sentido de continuar o avanço das mudanças.
Esta é a questão central: novas exigências pelo desenvolvimento mais acentuado, acelerado e duradouro, mantendo a linha de distribuição per capita da renda. Este é o desafio e essa é a nossa compreensão.
Por isso que a elite dominante capitalista, e seus agregados, a oposição e a mídia, intensificam sua campanha contra a presidenta, querendo um modelo de desenvolvimento do passado, quando a realidade do Brasil é outra. A oposição intensifica a dura luta política e procura atualizar as suas teses superadas.
As forças progressistas precisam dizer não a esses paradigmas, não à desregulamentação financeira, motor dessa grande crise, e não a esse modelo de austeridade fiscal, aliás, a exemplo da Europa.
Nesse período, além do crescimento com desenvolvimento, o Governo promoveu a ascensão social, fez crescer a distribuição de renda, o país ficou menos exposto a choques e crises externas. Houve mudanças estruturais, avançou-se na produção agroindustrial e avançou-se significativamente para resolver a questão fundamental da energia.
Os obstáculos
Como destravar uma nova arrancada do desenvolvimento mais acentuado e responder às demandas para o avanço civilizacional? Esta é a diferença entre nós e eles.
Temos que levar grandes contingências na situação atual, rescaldos estruturais da crise, retração dos investimentos, valorização abrupta do dólar com essa indicação de mudança na política monetária dos EUA, forte pressão das grandes finanças sobre nós e firmar uma nova política macroeconômica. Por isso à volta atrás aos interesses dos rentistas.
Foco nos investimentos
A luta política que estamos travando ocorre em desvantagem no terreno econômico. Na etapa atual, defendemos a necessidade de adotar uma estratégia de crescimento focada na adequação dos investimentos e não prioritariamente pressionada pelo consumo. Não quer dizer que o consumo não seja importante, mas deve crescer mais. E também defendemos a manutenção de elevado nível de emprego, grande conquista que temos que fazer avançar, através do aumento da produtividade.
A hora da integração nacional e das cidades
Opino que duas carências estruturais podem abrir caminho para investimentos e aumento da produtividade. A integração nacional com edificação e ampliação de extensa infraestrutura, mesmo com os dois PACs ainda bastante defasados para as condições de um país continental. São ferrovias, portos nessa grande costa e aeroportos, respondendo a essas carências logísticas.
Por isso, a comparação que eu faço com o período Juscelino, através do vetor Brasília da interiorização. Agora a grande questão é a integração nacional com o avanço da infraestrutura moderna que está defasada para as condições de um continente, que é o nosso país.
A segunda carência estrutural é a construção da urbanização moderna e humanizada, sobretudo nas grandes cidades. Respondendo às questões da aguçada especulação imobiliária, mobilidade urbana precária, grandes carências de saneamento básico, lógica excludente de urbanização, aquilo que defendemos como efetiva reforma urbana democrática.
Pensamos, portanto, que os investimentos e a produtividade, levando em conta essas duas carências estruturais, têm que dar passos importantíssimos nesse sentido.
Para isso, primeiro passo, além da crescente exigência de investimento público, age como ação imediata o êxito das concessões. Essa parceria do capital privado com o público, que é fundamental ampliar as possibilidade de investimento. Isso é necessário e urgente nesta etapa, como também o sistema de partilha no petróleo, na questão do pré-sal.
Tripé macroeconômico
Há necessidade básica do redirecionamento da política macroeconômica. O chamado tripé, quando da implantação do Plano Real, foi realizado com um acordo tácito para estabilização dos preços, mantido da seguinte maneira: a condição era média alta de juro real e câmbio sobrevalorizado. Temos que sair desse ciclo vicioso. Temos que romper esse ciclo para aumentar o investimento e a produtividade.
O investimento e a produtividade é que vão permitir a consolidação do papel do Brasil como potência alimentar, potência energética e com a edificação de uma indústria moderna, relacionando também a importância crescente do investimento em educação e inovação tecnológica que se traduz em médio prazo em aumento da produtividade.
Isso é que vai garantir os avanços sociais. Como continuar avançando nos investimentos sociais e na conquista civilizacional sem um crescimento maior e uma produtividade maior?
A nova maioria
Quais as tarefas políticas para enfrentar esses desafios econômicos? De forma resumida, a formação de uma nova maioria política. As manifestações de junho tiveram um papel saliente no curso político brasileiro. No entanto, os movimentos recentes reuniram múltiplas pequenas coletividades, com reivindicações diversas sem um denominador comum. As redes sociais são um meio de mobilização moderno, mas não um fim em si mesmo. Sem organização coletiva sem unidade ampla em torno de um projeto norteador, ou pior, negando o papel da política e do partido político, resulta em dispersão. Os protestos fragmentados raramente se transformam em força política.
Cresce ainda mais a importância do fortalecimento e da renovação do movimento social organizado, do movimento sindical e das entidades representativas da sociedade civil. O que fazer com esses contingentes enormes e novos de trabalhadores e de estudantes? É necessário, portanto fortalecer e renovar esse movimento social organizado tradicional e ao mesmo tempo realizar um diálogo com os novos movimentos surgidos. A partir daí será possível construir um grande torrencial político para mudanças mais profundas.
Compreendendo que não há avanço democrático sem partido político. Não há como alcançar o poder político, conquistando a hegemonia política no estado, ou conseguindo um parcela de poder sem um partido político com representatividade que goze de ampla influência e respeito da sociedade. Esta é uma questão universal.
Reformas prioritárias
Daí a importância que damos à reforma política e midiática. Nosso estado é essencialmente conservador e antirreformista. Esta é uma condicionante histórica.
Depois dos acontecimentos de junho, merecem nosso apoio as iniciativas populares de reforma política democrática, que temos que dar peso.
Democratização da comunicação é uma bandeira estratégica. Este é um obstáculo. Ter meios de comunicação tão monopolizados como os nossos para o aprofundamento democrático em nosso país. Devemos dar destaque ao marco civil da internet em discussão no Congresso Nacional e também contribuir para a democratização deste importante instrumento, sobretudo levando em conta a neutralidade da rede, a privacidade e a liberdade de expressão.
Fortalecer o campo à esquerda
É necessário que defendamos o fortalecimento do campo à esquerda. Diante da demanda atual por reformas mais profundas, ganha centralidade a construção de um campo político e social formado por todos quantos tenham afinidade com bandeiras de esquerda, sobretudo com essa compreensão de levar adiante as reformas democráticas e estruturais.
A proposta é de coesionar o campo de afinidades de esquerda no âmbito dessa coalizão maior que apoia o governo. É necessário existir uma representação nessa coalizão que seja um bloco que represente a unidade popular.
A formação de uma nova maioria política é uma questão fundamental. Por isso que o atual curso político nacional, sobretudo levando em conta a antecipação da campanha presidencial, é importante responder à agressividade cada vez maior dos setores conservadores com essas iniciativas que temos que tomar.
Essa é a compreensão do projeto que vamos defender para esse quarto mandato, projeto atualizado que procurei explicitar de forma resumida. Não temos ilusão em relação à agudeza do combate político que está em desenvolvimento.
A compreensão do PCdoB é que nos temos que ter um campo muito bem definido e tomar posição na encruzilhada política de 2014. Já estamos diante dela agora.
Por isso o objetivo traçado no Congresso do PCdoB, sua mais alta instância, é que todos esses meios programáticos e lutas sejam levadas adiante para que o povo obtenha a sua quarta vitória consecutiva.
O antirreformismo brasileiro
Antes de Rabelo, o presidente da Fundação Perseu Abramo, Márcio Pochmann, de forma objetiva sinalizou os temas segundo sua concepção.
Ele também detecta uma mudança histórica com a política adotada nestes últimos dez anos de governos populares, com o fim do “paulistanismo”, em que São Paulo seria a locomotiva que conduzia o Brasil por meio de uma industrialização forçada, até mesmo na Amazônia.
Pochmann apontou a dificuldade do país em estabelecer projetos nacionais claros, sempre interrompidos por rupturas políticas. O petista apontou as dificuldades brasileiras na formação de maiorias.
A resistência a reformismos vem desde outros tempos, como as reformas de base que vinham avançando com João Goulart e foram bruscamente interrompidas.
Ele afirmou alguns dilemas que o Brasil não resolve e que precisam ser enfrentados. Citou a intenção da China em ter 150 grandes empresas (das 500 mais importantes que existem no mundo hoje) para disputar em pé de igualdade a invasão transnacional. “Quantas o Brasil quer ter?”
Por outro lado, ele admite a importância das políticas de estímulo à pequena empresa, responsável pela formação do quadro de emprego nos pequenos empreendimentos.
Abordando o tema da formação de maiorias políticas, Pochmann avalia que as manifestações juvenis mostram que os problemas estão articulados, enquanto as políticas públicas para resolvê-los são fragmentadas e desarticuladas. Este é um desafio a ser enfrentado pelo governo. Pochmann apontou a necessidade de reformas profundas do estado brasileiro como um meio de enfrentar esses desafios.
*Assessoria da presidência do PCdoB; enviado domingo (26) às 00h14.