Líbano: Agência dos EUA condiciona vida política de estudantes

As bolsas doadas a estudantes universitários libaneses pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid, na sigla em inglês) vêm com uma amplitude de condições vinculantes. Os 376 beneficiários de bolsas no Líbano devem abster-se de atividades e posições consideradas pelas autoridades da Usaid como apoiantes do terrorismo. Mas qual é a definição da Usaid de terrorismo?

Usaid - Wikimedia Commons

Após completar o colegial, Zeina, nome fictício, procurou uma bolsa para continuar seus estudos na universidade. Ela recebeu uma da Usaid ao cumprir todas as condições e assinar um contrato padrão. A Usaid coopera com três universidades privadas no Líbano: a Universidade Americana de Beirute (AUB), a Universidade Libanesa-Americana (LAU) e a Universidade Haigazian.

Zeina cumpria todas as condições acadêmicas para a bolsa, e enviou uma cópia do seu histórico para a Usaid. Completou os três passos de qualificação, passou no exame de línguas e foi a várias entrevistas.

Uma agência de “igualdade de oportunidades”, a Usaid não discrimina estudantes com base no gênero ou no local de nascimento, principalmente porque a admissão e as entrevistas são manejadas diretamente pelas três universidades.

Entretanto, muitos estudantes, inclusive Zeina, disseram ao [portal libanês de análises e notícias] Al-Akhbar que foram avisados de que sua liberdade de expressão poderia ser restringida em virtude do contrato, que continua válido até três anos depois da graduação.

Eles são privados do discurso livre nas redes sociais, da participação em atividades políticas, e até de treinar em instituições que se oponham às políticas dos Estados Unidos e de Israel. Muitos estudantes não leem os termos do contrato. Certamente, estes não buscam aconselhamento jurídico antes de assiná-lo. Eles estão demasiados focados em receber uma bolsa completa que cubra acomodação, livros, plano de saúde e uma renda mensal de US$ 500.

Mais tarde, os estudantes descobrem que as provisões do seu contrato são vinculantes. A Usaid está entre os provedores de bolsas mais proeminentes no Líbano, atualmente financiando 376 estudantes, com mais 106 a serem adicionados até setembro de 2014.

Enquanto partes do contrato são padronizados, ele inclui um anexo intitulado “Certificação Relativa à Implementação da Ordem Executiva sobre o Financiamento do Terrorismo.”

De acordo com o primeiro parágrafo, o estudante concorda com o seguinte: “Admito a completa responsabilidade por garantir que, durante o período que se inicia na data de matrícula e que termina em seis anos, eu não fornecerei conscientemente apoio material ou recursos, a qualquer indivíduo ou entidade que cometa, tente cometer, defenda, facilite ou participe em atos terroristas.”

Esta provisão parece aceitável, já que estamos falando de uma agência dos Estados Unidos. Entretanto, a interpretação deste compromisso continua vaga, principalmente devido à explicação ambígua de “terrorismo”.

No contrato, terrorismo é sujeitado à definição da Organização das Nações Unidas (ONU), mas isso não se aplica sempre, na prática, como Zeina e outros estudos descobriram logo. O Hezbolá e todas as outras instituições que apoiam a resistência [contra as agressões de Israel, principalmente] são classificados como terroristas.

No seu segundo ano de faculdade, Zeina fez um estágio em uma companhia que recebeu a aprovação da sua universidade. Uma semana depois, ela recebeu uma ligação de um funcionário da Usaid, que a convocou ao seu escritório “urgentemente”. Ele pediu a ela que escolhesse entre o estágio na companhia e a bolsa. Ela obviamente escolheu a última.

Entretanto, ela não podia entender por que era proibida de estagiar na companhia. O funcionário disse: “Você assinou um contrato e deve cumpri-lo.” Quando ela perguntou como violou o contrato, ele a sugeriu que lesse o anexo sobre o apoio ao terrorismo.

A companhia não é possuída ou gerida pelo Hezbolá ou qualquer outro partido designado como um “grupo terrorista” pelo governo dos Estados Unidos, mas ela também estava ciente de que a companhia emprega alguns apoiadores da resistência contra Israel.

De acordo com Zeina, o paradoxo é que estas pessoas sempre visitam os Estados Unidos e, por isso, não são sujeitas a proibição de viagens. Ela está entre vários estudantes convocados aos escritórios da Usaid por escolher uma companhia que viola o contrato.

Como a Usaid justifica as suas práticas?

Em 4 de dezembro, a secretária de relações públicas dos EUA Robin Holzhauer enviou ao portal Al-Akhbar um e-mail explicando o programa em detalhe. Ela depois comentou sobre os casos relatados pelo portal, dizendo que os estudantes são livres para escolher a instituição ou associação em que querem estagiar ou trabalhar. Eles também são livres para envolverem-se em atividades políticas “como quiserem.”

Holzhauer atribuiu qualquer interferência da Usaid à escolha dos estudantes por uma “organização terrorista” ou uma que apoie o terrorismo. Isso inclui organizações financiadas por indivíduos que apoiem o terrorismo ou organizações cujos funcionários ou chefias apoiem o terrorismo.

Ela insistiu que a Usaid “orienta os estudantes às alternativas”, no caso de as suas escolhas não serem vistas como apropriadas para melhorar o seu desenvolvimento acadêmico ou de carreira.

Conselheiros jurídicos que examinaram o contrato se disseram surpresos em ver como seus termos permanecem válidos por três anos após a graduação. Um advogado disse ao portal que a duração do contrato recai sob a categoria de “termos arbitrários”, já que a primeira parte pode facilmente controlar a segunda.

Fonte: Al-Akhbar
Tradução de Moara Crivelente, da redação do Vermelho