Mauro Santayana: A compra dos Gripen e a doutrina de defesa
Depois de 13 anos, finalmente o governo brasileiro deu sua aprovação à compra de 36 novos caças para a Força Aérea Brasileira, optando pelos Gripen NG suecos, em detrimento do Rafale, da Dassault francesa, e do F-18 da Boeing norte-americana. O menor preço, unitário e por hora de voo, a transferência de tecnologia e a questão política foram fatores determinantes para a escolha.
Por Mauro Santayana*, em seu blog
Publicado 22/12/2013 02:13
Como ainda não está totalmente desenvolvido, o caça sueco-brasileiro será projetado em conjunto por técnicos e empresas das duas nações, como as brasileiras Akaer – que já participa do projeto –, Embraer e a própria Saab. Está prevista a criação inicial de aproximadamente 2 mil empregos em São Bernardo do Campo, São Paulo, onde seria instalada a unidade de montagem. O pacote financeiro – cada avião sairá por aproximadamente US$ 125 milhões – também foi o mais atraente. O Brasil só começaria a pagar os aviões depois de recebida a última das 36 aeronaves, no começo da próxima década.
Para o Brasil, o Gripen NG representa um novo patamar, do ponto de vista da indústria aeronáutica militar, bem acima do turboélice de ataque leve e treinamento avançado Super-Tucano, da Embraer. Mas ele – como bem lembrou o ministro Celso Amorim, ao dizer que o país continuará negociando um caça de quinta geração – não solucionará todos os problemas do país nessa área.
Como o Brasil será dono do projeto, com o tempo ele poderá ser vendido para outros países da Unasul e até mesmo do Brics, como é o caso dos sul-africanos, que já possuem Gripen mais antigos em sua Força Aérea. Com eles estamos desenvolvendo conjuntamente mísseis A-Darter, que podem armar esse avião.
O importante é que o Gripen NG possa render, estratégica e economicamente, o máximo de retorno para o investimento previsto.
Não é preciso dizer, da Engesa ao AMX, o quanto a descontinuação na fabricação de material bélico foi e pode ser danosa para o Brasil, tanto no desmonte da estrutura estabelecida para sua fabricação quanto na perda de conhecimento e na desmobilização do pessoal técnico envolvido.
Verificando o que está sendo feito no país, neste momento, não é racional gastarmos centenas de milhões de reais para montar um estaleiro para fazer quatro submarinos. O correto seria dar início, a partir daí, à fabricação de pelo menos uma nova belonave por ano, para manter ativos e operantes todos os elos da cadeia produtiva. O mesmo vale para blindados, helicópteros, mísseis, artilharia, avançando, a cada etapa, na nacionalização de componentes, até adquirir total autonomia do exterior.
Precisamos aprovar encomendas do governo que permitam garantir demanda suficiente para manter em funcionamento todas as linhas de produção, assegurando que elas possam eventualmente ser aceleradas, em caso de conflito.
É por essa razão, considerando-se preço, consumo de combustível e garantia de transferência de tecnologia, que os Gripen não deveriam ficar limitados, apenas, ao reduzido número de 36 aeronaves. Sua fabricação deveria durar, pelo menos, dez anos, a um ritmo de 12 aviões por ano, até completar – asseguradas as modernizações possíveis e o natural ganho de escala – um número mínimo de 120 caças, ainda assim insuficiente para garantir a vigilância de nossas fronteiras e uma condição militar à altura de nossa situação geopolítica.
O grande vetor para a projeção estratégica do Brasil fora do contexto geográfico sul-americano, considerando-se a concorrência e a competição entre os EUA, a Europa e o Brics, nos próximos anos, não será o Gripen mas o caça-bombardeio de quinta geração T-50 PAK-FA, que se encontra atualmente em desenvolvimento por russos e indianos, e para o qual o Brasil já foi convidado a participar oficialmente.
Poderíamos, assim, estabelecer uma teia de atuação aérea progressiva, complexa e abrangente, cobrindo nossas necessidades de defesa e de projeção de nosso poder militar, começando, em um anel mais externo, pelo uso de satélites, drones, Vants e Super-Tucanos para vigilância de nossas fronteiras.
A seguir, viria uma rede de bases e esquadrilhas de Gripen NG BR, dispostas, estrategicamente, para a proteção de nossas maiores cidades, litoral e Amazônia Azul, e, em caso de grave ameaça, um número inicialmente menor de aviões mais avançados e ofensivos, como o Sukhoi Su-35, e, futuramente, o T-50, potencialmente adaptados aos sistemas de dirigibilidade, controle e manutenção da FAB.
A mera escolha do Gripen, fabricado a partir de peças ocidentais, não pode ser vista como um fator limitante para a cooperação do Brasil com outro tipo de nações, que apenas contribuiria para consolidar nossa dependência, no campo da defesa, de países da Europa e dos próprios Estados Unidos.
O Ocidente não tem nenhum compromisso estratégico conosco e, muito menos, a médio e longo prazos. Nunca se poderá contar com nenhum país ocidental, em caso de eventual problema com um deles. Vide o caso da Argentina, abandonada totalmente por seus fornecedores de armamento, na Guerra das Malvinas.
*Colunista político do Jornal do Brasil, diário do qual foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou na Folha de S. Paulo (1976-82), onde foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.