Denise Gomide: Clara Charf, uma guerreira incansável
Conheça a trajetória de Clara Charf e sua luta por uma sociedade igualitária, pela difusão da paz e contra a violência às mulheres.
Por Denise Gomide, na Revista Fórum
Publicado 13/12/2013 16:56
Militante política desde 1945, viúva de Carlos Marighella e há muitos anos em São Paulo, Clara Charf, 87 anos, nunca se permitiu um minuto de descanso. Integrou o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e movimentos sociais logo após a Segunda Guerra Mundial. Viveu o exílio em Cuba durante os anos de chumbo da ditadura militar no Brasil. Hoje, difunde novas formas de praticar a paz e combater a violência doméstica. Em entrevista à Fórum, Clara discorre sobre alguns dos mais marcantes momentos de sua rica e, por muito tempo, conturbada vida.
Fórum: Clara, por que você optou pela militância política e em movimentos sociais?
Clara Charf: Sou filha de família pobre, vivi minha infância em Maceió e depois nos mudamos para Recife, e meu sonho era ter liberdade, eu queria voar, ser aeromoça, ser médica, trabalhar. Em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial, o cenário político do Brasil era o seguinte: Getúlio Vargas já tinha rompido com os alemães, quando voltou para o país Anita Leocádia, filha de Luís Carlos Prestes e Olga Benário, assassinada em um campo de concentração alemão. Anita, que nasceu em um campo de concentração, foi resgatada de lá pela avó, mãe de Prestes, e levada para o México, já que aqui ainda se vivia, então, sob o “Estado Novo”. Prestes estava na prisão; logo, não podiam voltar para o Brasil. Quando Anita chegou, toda a população em Recife ficou comovidíssima com a passagem dessa menina, porque foi o grande ato democrático ocorrido naquela época. E eu despertei para a luta política a partir daí.
Comecei, então, a militar em movimentos populares, de mulheres – que ainda era muito incipiente –, e fui organizando a minha vida. Vim para o Sudeste, fui trabalhar como aeromoça. Nessa época, no PCB, havia uma bancada de 14 deputados e um senador, foi a grande bancada democrática do País depois da Segunda Guerra. E como eu era estenógrafa, taquígrafa, fui trabalhar para a bancada. Foi lá que conheci Marighella, que era deputado, e começamos a namorar. Essa bancada trabalhou por dois anos. Em 1947, cassaram os mandatos dos deputados comunistas, o Partido Comunista foi novamente fechado e todo mundo começou a ser perseguido. Veja: a liberdade acabou em pouquíssimo tempo, durou de 1945 a 1947. Aí, começou a minha vida clandestina.
Que acontecimentos marcaram esse período?
Um dos fatos desse período na clandestinidade, na década de 1950, foi a minha prisão em Campinas (SP), por quatro meses. Fui para lá dar um curso para os ferroviários – e levei uma mala cheia de livros de marxistas, além de uma bandeira sindical do Japão, linda. Eu não conhecia a cidade, e um companheiro que eu já conhecia foi me buscar na rodoviária. Fomos para a casa de uma outra companheira, mas ela ficou com medo quando soube o que tinha na minha mala, e pediu que eu fosse embora. Procuramos outra casa para me abrigar, porém não encontrávamos ninguém. Um carro da Guarda Municipal percebeu o nosso movimento e nos parou. Quiseram saber o que estávamos fazendo, ficaram desconfiados, disse que estávamos lá para eu me tratar, pediram para ver a mala. Meu companheiro fugiu, e eu comecei a gritar: “Abaixo a ditadura de Getúlio”. Na delegacia, perguntaram meu nome e, de novo, por que eu estava na cidade. E eu disse “Marta Santos”, assim, do nada, e que estava lá para tratamento médico. Mas era estranho para eles: uma mulher branca, jovem… Além disso, naquela época não havia presos políticos. Enfim, toda vez que me perguntavam, a resposta era a mesma – e toda a cidade ficou sabendo de mim, fui notícia em vários jornais, começaram a deixar roupas e alimentos na delegacia para mim. Daí, o Partido arrumou um advogado, e ele salientou que a única forma de conseguir um habeas corpus para eu sair da prisão seria se dissesse meu nome verdadeiro. No dia do julgamento, a imprensa toda estava lá. Enfim, só consegui sair após o terceiro pedido de habeas corpus, mas fiquei com medo, pois sabia que iriam atrás de mim. Quando o delegado me disse que eu podia ir, respondi: “Não vou!”. E ele: “Mas a senhora não sabe o que quer, como não vai?”. “Não!”. “Mas a senhora tem de ir.” Pensei rapidamente e disse: “Só vou se for com o presidente da associação de jornalistas da cidade”, mas eu nem sabia quem era ele. Mas não é que ele – Bruno Barreto – foi me buscar? E me levou para sua casa, onde fui muitíssimo bem tratada por ele e sua esposa, até que ele conseguiu contato com a cúpula do Partido e fui embora.
Em âmbito internacional, foi programado, em 1962, o primeiro encontro de mulheres latino-americanas em Cuba. Eu fui para lá representando o Brasil, enviada pela Liga Feminina do Estado da Guanabara. Porém, antes disso, tenho de contextualizar. Na ocasião, os americanos ameaçavam Cuba constantemente, era uma crise permanente – e de outra forma ainda é hoje, vamos ver o que Obama [Barack, presidente dos EUA] fará. Eles diziam que a ilha era dominada pelos soviéticos, e que a então União Soviética havia colocado um míssil para garantir a proteção de Cuba contra uma invasão norte-americana. Com isso, os EUA exigiam que Cuba retirasse o míssil; caso contrário, haveria guerra. E foi sob esse clima político que chegamos para o encontro em Cuba. No hotel, dividi o quarto com uma uruguaia, havia mulheres de vários países lá. Ficamos todas lá, e o congresso começaria dois dias depois. No mesmo hotel também estavam hospedados vários homens e jovens, pessoas do mundo todo que iam para lá saber das experiências e inovações cubanas nas áreas de saúde, educação etc. O cenário era esse, e fomos sem saber dos bastidores – só sabíamos que Cuba era permanentemente ameaçada pelos americanos, e que a URSS ficaria ao lado de Cuba, mas não sabíamos da questão dos mísseis. Passaram-se dois dias, eu estava no quarto com a companheira do Uruguai, quando de repente chegou uma companheira cubana que disse: “Olha, vocês não podem sair do hotel, porque está havendo uma ameaça de invasão dos americanos.” Imagine o susto. A uruguaia começou a chorar, ficou em pânico, e nós dizendo: “Bom, vamos ficar quietas aqui, porque não vai acontecer nada com a gente”. As cubanas avisaram todas as mulheres – e os cubanos avisaram os homens – que ninguém podia sair do hotel, porque era possível ocorrer, sim, o ataque americano, e alguém poderia morrer.
Essa cena é muito difícil de descrever. Imagina: você vai para um congresso de mulheres, a ideia era conhecer a ilha, ver as conquistas que a Revolução Cubana teve em pouco tempo, de 1959 até 1962, e aí ouvir que havia uma ameaça de invasão por parte dos americanos, por terra ou ar… Com isso, ficamos vários dias dentro do hotel. Os cubanos, mais de uma vez por dia, reuniam todas as pessoas do hotel e explicavam como estava a situação do lado de fora. Certo dia, um comandante cubano chamou todas as delegações do hotel, para explicar o que de fato estava acontecendo: a situação era grave, os americanos exigiam que os cubanos retirassem “os mísseis”, que estavam voltados para os EUA. E os cubanos diziam que não iam se entregar nunca, que os americanos não iriam dominá-los. Foi uma situação difícil de transmitir em palavras. Então, avisaram que só poderíamos sair do hotel em caso de extrema urgência, mas somente em companhia de cubanos. No hotel, os jovens estavam eufóricos e diziam: “Agora chegou a nossa vez de lutar contra os americanos”. Como a crise passou? O que consta da história é que a URSS fez um acordo com o Kennedy [John F., então presidente dos EUA], exigindo que os EUA não atacassem Cuba e que os mísseis seriam retirados. Por fim, o encontro das mulheres não aconteceu. Mas eu ainda consegui ficar mais dois dias lá, e fui convidada para assistir a um congresso de jovens cubanos – e foi onde consegui ouvir Che Guevara dando uma palestra! Fiquei emocionadíssima, e apesar de na ocasião falar pouco espanhol, entendi quase tudo.
Cerca de um ano depois, levando em conta o ocorrido em Cuba, Moscou realizou um grande congresso internacional de mulheres socialistas, e eu fui uma das coordenadoras da delegação brasileira. O objetivo fundamental era reunir mulheres de várias partes do mundo na luta pela paz e contra todas as ameaças de guerra, e também mostrar as suas conquistas nos Estados socialistas. Foi incrível! Mais de 2 mil mulheres de vários países estavam lá, mulheres de todas as raças e credos. Naquela época, falavam do primeiro homem que foi enviado ao espaço, Yuri Gagarin, em 1961. Mas pouca gente sabia que Valentina Tereshkova foi a primeira mulher cosmonauta a ir ao espaço, em 1963. Porém diziam que mulher não podia, de forma alguma, ser cosmonauta…
A seguir, em 1964, como todos sabem, houve o golpe militar aqui no Brasil.
E como foi a sua vida durante a ditadura militar?
Com a ditadura, os direitos políticos de inúmeras pessoas foram cassados. Eu fui uma das primeiras mulheres a ter os direitos políticos cassados. E continuei militando na clandestinidade. Marighella também, além de ser procurado pela polícia. Em 1969, ele foi assassinado.
Depois disso, eu, sem meus direitos políticos e sendo perseguida, tive de sair do País. Fui para Cuba, e sou muito grata ao governo e ao povo cubanos, onde fui recebida com toda solidariedade, recebi tratamento médico, já que estava doente, entre tantas outras coisas boas.
Como foi sua vida no exílio, em Cuba?
Em Cuba, havia pessoas exiladas de todos os países da América Latina. Fiz vários trabalhos lá, e um deles foi como tradutora de cabine em congressos, pois sabiam que eu falava português e espanhol. Dia de domingo, por exemplo, fazíamos a limpeza dos jardins junto com a população cubana, o que era um trabalho voluntário. Sobre o Brasil, tínhamos poucas notícias. De vez em quando, ia alguma visita daqui, que, para chegar a Cuba, passava por outros países – porque Brasil e Cuba não mantinham relações diplomáticas. Assim, acompanhamos quando surgiram as primeiras greves operárias, quando surgiu a figura do Lula. Chico Buarque esteve lá, e me visitou, e também outros cantores, artistas, fomos mantendo contato e acompanhando o que acontecia aqui. Até que, com a Anistia Geral em 1979, pude voltar para cá.
O retorno ao Brasil se deu como?
Quando voltei, cheguei sem passaporte. Ainda em Cuba, me chamaram e disseram: “Companheira, você está indo para o Brasil, você está anistiada lá, mas como vai voltar sem passaporte?”. Eu disse: “Vocês me dão o passaporte”. E eles: “Mas Cuba não tem relações diplomáticas com o Brasil, então, você não pode tirar o passaporte aqui. Você tem de ir a outro país para conseguir o documento e viajar”. Fiquei completamente atordoada, mas aí falaram: “Vamos fazer o seguinte: vai para o Panamá [país com que Cuba tinha relações], na embaixada brasileira, diz que você é anistiada e quer voltar para o Brasil”. Deixei tudo o que era meu em Cuba e viajei somente com a roupa do corpo, mais uma muda e a foto do Marighella. No Panamá, fui à embaixada do Brasil e me apresentei. O rapaz me perguntou: “E seu passaporte?” Eu disse que não tinha, que era exilada por causa da ditadura, contei a história toda, e falei que queria voltar ao Brasil porque já estava anistiada. Mas ele falou que eu não poderia viajar sem o passaporte. E perguntei se não podiam me dar, já que tinham relações com Cuba, e que lá me falaram que lá eu poderia conseguir o passaporte no Panamá, mas ele respondeu: “Sim, temos relações com Cuba, mas a senhora está voltando para o Brasil, então, precisamos perguntar ao governo brasileiro se autoriza a senhora a receber o passaporte.” Pensei: estou ferrada, e agora, o que eu faço? “A senhora volta amanhã, vamos nos comunicar com o governo brasileiro por telex e ver se eles dão a aprovação para lhe darmos o passaporte.”
No dia seguinte, voltei, e fui avisada que a ordem era para não me dar o passaporte. Para resumir, fui dez dias lá, e eles dizendo que estavam passando telex, insistindo – e estavam mesmo –, e a resposta era ‘Não”. Aí eu disse: “Se vocês não me derem o passaporte, vou chamar a imprensa, dizer que sou anistiada e que o governo brasileiro não quer me dar o passaporte para eu voltar para o Brasil” – e eu ia fazer isso mesmo! Aí pediram: “Não faça isso, vamos ver se conseguimos resolver.” Mas eles não podiam fazer nada, a ordem era mesmo do Brasil. Resultado: não deram o passaporte. Porém, informaram que iam me dar uma autorização, veja bem, “autorização”, “para a senhora desembarcar no Brasil”. E falei: “Mas quando eu chegar lá, vou ser presa. Como vou desembarcar sem passaporte?”. E disseram para eu não me preocupar, que eu estaria com a autorização. Aí, me lembrei que Idibal Piveta – autor e diretor de teatro, jornalista e advogado – havia estado em Cuba, e disse que, se eu precisasse de algo quando eu voltasse, o procurasse. Telefonei para minha irmã, pedi a ela para procurá-lo e explicar a situação. Ele disse que era perigoso desembarcar sem passaporte, mas para eu voltar que ele me esperaria no aeroporto. Ao chegar, quiseram me impedir de entrar. Mas Piveta, que estava lá me esperando, disse para o cara: “Vocês não podem pegar essa mulher porque ela é anistiada.” Aí me deixaram entrar.
E o que fez depois que voltou?
Depois de comemorar minha volta, comecei a reorganizar minha vida. Fui morar com minha irmã, aqui em São Paulo, mas o que fazer depois de tantos anos fora? Eu precisava trabalhar, e comecei a procurar emprego. Eu tinha muitas profissões, mas nenhuma servia para aquele retorno. Minha irmã disse para eu procurar Regina Schnaiderman, psicanalista famosa e que conhecia muita gente, casada com o tradutor russo Boris Schnaiderman. Fui falar com ela, disse que poderia ser intérprete, pois também falo espanhol e inglês. E Regina disse que tinha uma paciente cuja empresa contratava tradutores. “Mas não diga para ela que você esteve em Cuba”, alertou. Bom, como não queria mentir, a senhora acabou descobrindo que vivi em Cuba por conta do meu sotaque ao falar espanhol e de insistir em saber onde estudei. Porém, apesar de constatar que eu falava muito bem os idiomas, de ela ter dito para a Regina que ficou “encantada” comigo, não me contratou. Regina me indicou outra empresa, onde fui trabalhar como auxiliar de biblioteca.
Nessa época, também procurei o pessoal do PT, que já havia sido fundado, virei “lulista”, voltei a militar no movimento popular, no movimento de mulheres, não parei mais.
Você foi candidata a deputada estadual. Como foi esse processo?
Eu estava trabalhando naquela empresa, aluguei um apartamento em Pinheiros, morava sozinha, estava felicíssima. Já tinha feito contato com as companheiras do PT, naquela altura já tinha falado com todo mundo. Um dia, chego de noite em casa, tocam a campainha, e lá estava toda a Comissão de Mulheres do PT. Surpresa, perguntei o que estavam fazendo lá, e responderam. “Clara, é a primeira eleição depois do fim da ditadura, e o PT vai participar [1982]. Você vai ser a nossa candidata.” E eu disse: “O quê??? Vocês são loucas? Eu acabei de chegar do exílio, fiquei anos fora do Brasil…”. Mas elas insistiam, e eu comecei a chorar. Mas acabei aceitando, e fizemos uma campanha linda, aconteceram fatos incríveis. Viajei por todo o estado, participei de comícios – e muitos me conheciam pelos nomes que usei quando estava na clandestinidade. Por fim, apesar de não eleita, recebi 19.560 votos. Eu não acreditei!
E a seguir, quais foram as suas atividades políticas?
Obviamente, continuei trabalhando e militando. Trabalhei na Câmara dos Vereadores e na Assembleia Legislativa. Continuei na Secretaria de Mulheres e na Secretaria de Relações Internacionais do PT. Como participava intensamente do movimento de mulheres, fui indicada para integrar o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Hoje, sou conselheira emérita do CNDM.
Como surgiu a ideia de fundar a Associação Mulheres pela Paz, da qual você é presidenta?
A Associação Mulheres pela Paz foi fundada em 2003 e legalizada em 2008. Teve início com a realização do projeto “1000 Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz”, proposto por ativistas pelos direitos humanos da Suíça a mulheres de diversos países. A ideia das suíças era fazer uma indicação conjunta de mil mulheres ao Comitê do Prêmio Nobel da Paz para dar visibilidade ao trabalho dessas lutadoras. Fui convidada para coordenar o projeto no Brasil. A proposta era inédita! Isso envolveu fazer muitos contatos com diversas entidades, com a mídia, formamos uma comissão para avaliar as biografias recebidas. Enfim, 262 brasileiras foram indicadas por suas notáveis lutas pelos direitos humanos. Como o Brasil tinha como cota indicar 52 nomes, após o difícil processo de escolha, 52 brasileiras concorreram ao Prêmio. Apesar de não terem vencido, esse processo, que reuniu 23 países, deu grande visibilidade às diferentes lutas e movimentos das mulheres no mundo. Depois disso, na Suíça, foi fundada a Associação Mulheres pela Paz ao Redor do Mundo, com o objetivo de apoiar e divulgar as ações das mil mulheres, e ampliar ainda mais essa rede. Elas também publicaram o livro 1000 Mulheres pela Paz ao Redor do Mundo, em inglês [1000 Peace Women Across the Globe]. Aqui, publicamos o livro Brasileiras Guerreiras da Paz, com os perfis das indicadas ao Prêmio, realizamos em diferentes lugares a Exposição 1000 Mulheres pela Paz ao Redor do Mundo, com as fotos das indicadas de 150 países, além de fundar a Associação.
Quais são as atividades atuais da Associação?
São dois focos principais: continuar com atividades voltadas a dar visibilidade ao trabalho das mulheres – com a exposição e painéis temáticos, e o enfrentamento à violência contra a mulher. Em 2011 e 2012, levou-se a cabo um projeto para a construção coletiva de um foco específico na metodologia de educação popular feminista, para trabalhar a questão da violência doméstica com mulheres e homens, que foi coordenado por nossa diretora executiva, Vera Vieira. Estivemos em cidades das cinco regiões do Brasil, onde realizamos oficinas e exposições para discutir com mulheres e homens – inclusive policiais – sobre a violência doméstica e a ampliação e redefinição do conceito de paz, como já proposto pela Resolução 1325 da ONU, em 2000, e do conceito de gênero, de masculinidades, com recortes de raça, etnia, orientação sexual.
A paz se dá no dia a dia, no cotidiano, em casa, no trabalho, em todas as nossas pequenas e grandes ações. Paz não é somente o oposto de guerra, é preciso praticar a paz em todos os momentos da nossa vida.
Esse foi um processo muito importante, porque assim como antigamente não se podia discutir o papel da mulher, pois o homem era quem resolvia tudo e a mulher não podia dar palpite, a experiência de hoje mostra que podemos quebrar essa coisa terrível que é a violência contra a mulher. Por isso, é fundamental que os homens também participem desses debates – e que também façam esses debates, como ocorre, por exemplo, com os homens da Campanha do Laço Branco.
Hoje, chegamos a uma situação que comprova, na prática do dia a dia, o valor e a capacidade das mulheres. Atualmente, temos inúmeras mulheres chefes de família, temos mulheres em todas as profissões, temos inclusive, uma presidenta da República no Brasil, Dilma Rousseff – uma mulher competente, brilhante, com muitas experiências de vida, tanto no tempo da liberdade quanto da repressão.
Assim, a novidade desse projeto foi incluir homens nessas discussões sobre a violência contra as mulheres, sobre a violência doméstica. Parte do projeto já está relatada em nosso site e, em breve, vários depoimentos das e dos participantes estarão também disponíveis.
Clara, qual a sua avaliação da atual conjuntura política do Brasil?
Bom, isso dá uma palestra, não é? [risos] Quando se atravessa por tantos momentos difíceis, é interessante ter uma oportunidade de ver que se passou por tantos períodos distintos e poder dizer: “Que bom que eu estou viva!”. Ver todas essas transformações pelas quais o Brasil passou, estou feliz por poder ainda participar, e espero poder participar por muito tempo. Quem não passou pelas agruras da ditadura, não sabe o valor da democracia em que vivemos hoje.