65 anos de abusos sobre a defesa dos defensores
Em um 10 de dezembro há 65 anos, a Assembleia Geral da recém-criada Organização das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Há 65 anos a população palestina saia de suas casas após a declaração de independência do Estado de Israel. O artigo 3 da Declaração diz “Todas as pessoas têm direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.
Por Ana Sánchez Mera e Thais Bonilla*, no espanhol El Diario
Publicado 11/12/2013 10:58
Há 65 anos, a população palestina deixava suas casas depois que foi declarada a independência do Estado de Israel. Meses antes, no seno das Nações Unidas, se aprovava a Resolução 181, na qual se recomendava o caminho para resolver o conflito já existente na região através da criação do Estado de Israel. Desde então, a população palestina vive em uma “naqba” (palavra árabe que designa desastre) contínuo. Palestinos e palestinas se viram privados de seus direitos mais básicos e fundamentais, entre eles o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Sobre o conflito Palestino e as violações de direitos básicos cometidas por Israel ao largo destes anos já foram escritos rios de tinta. Há dezenas de resoluções, condenações, recomendações, comunicados expressando preocupação pela deterioração dos direitos humanos. Contudo, a situação não faz mais além de piorar. O exército israelense segue matando impunemente as pessoas que se empenham em denunciar seus crimes.
Neste ano encerraram as investigações sobre as mortes de três pessoas sob custódia israelense: Rachel Corrie, cidadã americana, Bassem Abu Rahma e Mustafa Tamimi, ambos palestinos. A eles foi negado o direito à vida enquanto defendiam o direito do povo palestino à liberdade, sob o único pretexto do direito à segurança do povo israelense. Suas mortes ficaram totalmente impunes, ninguém assumiu responsabilidades. O governo de Israel, juiz e parte desses crimes, decidiu dar os casos por encerrado e a comunidade internacional, uma vez mais, cala, outorgando a impunidade com o seu silêncio.
De que serve, então, o guia de defensores da união Europeia para os defensores dos direitos humanos e a Convenção das Nações Unidas sobre os defensores dos direitos humanos, se estes são assassinados impunemente? De que serve uma recomendação da Corte Penal Internacional sobre a ilegalidade do muro, se sua construção avança de maneira imparável?
Defender as pessoas defensoras
A falta de mecanismos de proteção eficazes, que garantam o exercício de uma maneira segura do direito a defender os direitos, faz com que essas pessoas vivam em uma situação de vulnerabilidade constante. Enfrentam-se à penas de prisão desorbitadas por participar em manifestações não violentas, sofrem repressão do exército, hostilização e incursão noturna em suas casas. Tudo isso com uma impunidade total e absoluta.
A ONG Front Line Defenders aponta em seu informe de 2013 que “praticamente em todos os países e regiões, os abusos contra defensoras e defensores foram cometidos em um clima de total impunidade”. O documento destaca também que “diminui, cada vez mais, o espaço seguro em que desenvolvem sua tarefa, ao mesmo tempo em que se arremete contra sua credibilidade mediante campanhas de difamação auspiciadas pelo Estado que habitualmente os trata como agentes ocidentais ou respondendo a interesses estrangeiros”.
Assim, é possível assinalar que as intenções que se desprendem da Declaração Universal de Direitos Humanos (lutar contra a injustiça, acabar com a violência, finalizar a desumanização do ser humano) ficam vazias de conteúdo quando dia após dia se seguem matando as pessoas que lutam por esses direitos. Enquanto isso, os governos miram para outro lado e a comunidade internacional cala, outorgando impunidade com seu silêncio.
Nesta linha, o defensor de direitos humanos iraquiano, Ismaeel Dawood, aponta que “há algo que internacionalmente não está interiorizado e é depois de um conflito, primeiro é preciso estar preparado para proteger as pessoas defensoras dos direitos humanos e promove-los, não o contrário. Não existem mecanismos efetivos para este objetivo. Não pode haver direitos humanos universais, sem garantir a proteção daqueles que os defendem”.
Dawood está realizando una investigação sobre a proteção internacional das pessoas defensoras dos direitos humanos. Ativista e defensor da “ação não violenta”, precisou abandonar Bagdá, no Iraque, por conta das ameaças das milícias. Um país onde o direito a defender os direitos humanos também é perseguido.
“Sinceramente, penso que esta gente é a mudança. Proteger sua vida deve ser uma prioridade, mas não é. Pela minha experiência sei que é necessária mais proteção do que a que é oferecida pelos tratados internacionais”, afirma o ativista iraquiano. Sobretudo, sua intenção é destacar que qualquer um pode ser um defensor: “um advogado, um jornalista, um funcionário… não há exatamente um perfil fixo. O defensor é uma categoria muito nova, que a definição depende do que fazem, não do que dizem”.
Neste sentido, as palavras da defensora palestina Manal Tamimi transparecem sabiamente a reflexão sobre aquelas pessoas que lutam diariamente contra as injustiças: “se quer se sentir seguro dê segurança aos demais; se quer justiça para alguém, faça justiça para todos; se quer disfrutar da liberdade, ofereça aos outros a sua liberdade. Do contrário, todo o mundo, em qualquer parte, vai viver uma vida impossível e insegura”.
Quiça hoje, 65 anos depois da Declaração, seja o momento de passar do papel para a prática e começar a proteger àqueles que lutam por proteger-nos, por defender seus direitos, que são, afinal, os direitos de todos e todas.
No Instituto Internacional para a Ação Não Violenta (Novact) levamos anos defendendo e apoiando os defensores dos direitos humanos, que lutam e se manifestam para garantir um Estado de bem-estar digno e justo. Essas pessoas que realmente estão defendendo nossa segurança, nosso futuro.
*Ana Sánchez Mera é psicóloga social, especializada em desenvolvimento internacional e nas intervenções psicossociais em emergências. Desde 2009 vive na Palestina onde realiza trabalhos sobre construção de paz e programas relacionados com os direitos das mulheres. Atualmente, Ana é codiretora do Instituto Internacional para a Ação Não Violenta (Novact) – que promove ações internacionais de construção da paz em situação de conflito. *Thais Bonilla é jornalista especializada em Comunicação Social e Cooperação Internacional pela Universidade Autônoma de Barcelona e é responsável pela comunicação da Novact.
(Tradução: Théa Rodrigues, da redação do Vermelho)