O assédio moral e a necessidade de defesa do trabalhador
O assédio moral é caracterizado pela exposição do trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, que atentam contra sua dignidade ou a integridade, ameaçando sua estabilidade funcional, de forma repetitiva e continuada durante a jornada de trabalho, no exercício das funções do empregado.
Por Assis Melo*, no Portal CTB
Publicado 09/12/2013 09:20
É importante lembrar que o assédio moral é diferente do sexual, que ocorre quando o agente, utilizando-se de sua condição de superioridade hierárquica ou ascendência de cargo e função na empresa, procura obter vantagem sexual.
Muitas condutas podem exemplificar o assédio moral. São elas, entre outras: a reiteração de gritos, ironias, censuras, vigilância ostensiva, cronômetro de horários, inferiorização, amedrontamento, menosprezo, desprezo, difamação, ridicularização, risinhos, suspiros, piadas jocosas relacionadas ao sexo, estigmatização dos adoecidos, submissão a situações vexatórias, sugestão de que peçam demissão, designação de tarefas sem sentido e divulgação de algo íntimo do(a) subordinado(a).
Mais comum em relações hierárquicas, cometido pelo chefe e dirigida ao respectivo subordinado, ocorre tanto em instituições privadas quanto públicas, provocando a desestabilização da relação da vítima com o ambiente de trabalho, forçando-a a desistir de suas atividades, solicitar transferência de setor ou mesmo demissão.
O agressor percorre um caminho estratégico ao praticar o assédio moral. Primeiro, escolhe a vítima e a isola do grupo. Depois, a impede, sem motivo, de se expressar, fragiliza-a, ridiculariza-a, inferioriza-a e a menospreza em frente aos pares, permitindo que os comentários sobre a incapacidade invadam, inclusive, o espaço familiar. Desestabilizada emocional e profissionalmente, a vítima vai gradativamente perdendo a autoconfiança e o interesse pelo trabalho, sendo destruída por meio do aparecimento ou pelo agravamento de doenças pré-existentes. Acaba isolada da família e dos amigos, passando muitas vezes a usar drogas, principalmente o álcool. É, então, forçada a pedir demissão ou acaba demitida, desfecho que permite ao agressor impor ao coletivo sua autoridade para aumentar a produtividade.
Fica claro que a humilhação repetitiva interfere diretamente na vida do trabalhador, gerando sérios distúrbios para a sua saúde física e mental, comprometendo sua identidade, dignidade, relações afetivas, sociais e até o senso crítico, até que a vítima perca a noção de quem tem realmente razão naquele contexto. Esse conjunto de circunstâncias pode acabar provocando depressão, palpitações, tremores, distúrbios digestivos e do sono, hipertensão, dores generalizadas, alteração da libido e, ainda, tentativas de suicídio. No caso dos adoecidos, estes ocultam a doença e trabalham com dores e sofrimento, enquanto os sadios, que ainda não apresentam dificuldades, incertos de virem a tê-las, reproduzem o discurso das chefias e passam a discriminar os adoecidos, com a falsa ideia de que, dessa maneira, estarão protegidos do assédio moral no futuro.
Desse modo, o ambiente de trabalho acaba contaminado, provocando a competição sistemática entre os trabalhadores e, conseqüentemente, comportamentos agressivos e de indiferença ao sofrimento do outro. Todas essas circunstâncias deixam clara a degradação das condições de trabalho nos dias de hoje, muitas vezes revestidas de exclusões, desigualdades e injustiças, que culminam no desemprego, dessindicalização e aumento da pobreza urbana. Para chegar a esta conclusão, basta interpretar os dados divulgados pela Isma-BR (International Stress Management Association), associação internacional sem fins lucrativos, voltada à pesquisa e ao desenvolvimento da prevenção e do tratamento de stress no mundo: 50% das pessoas que praticam o assédio moral também já foram vitimas desse tipo de ação nas relações de trabalho, aproximadamente 20% das pessoas que trabalham sofrem algum tipo de assédio moral e 25% das pessoas que são vítimas do assédio moral tendem a pedir demissão do trabalho.
É necessário que esse mal seja ostensivamente combatido. Para tanto, no plano individual, a vítima pode tomar inúmeras providências. Primeiramente, ao identificar o assédio, deve informar a outras pessoas da situação e, caso necessário, sair da empresa para não perder a saúde. Deve, então, reunir provas testemunhais (colegas que possam ter presenciado um dos episódios do assédio) ou documentais (e-mail enviados pelo agressor ou relatórios médicos), apresentar denúncia no Ministério do Trabalho e constituir advogado para acionar a Justiça do Trabalho, pedindo indenização por danos morais, fixados pelo juiz proporcionalmente à dor sofrida.
Nesses casos, o dever de indenizar é, em um primeiro momento, do empregador, em razão de ter o assédio moral sido cometido por um de seus representantes. Por essa razão, além, obviamente, da inquestionável necessidade de preservação da dignidade no trabalho, cabe às empresas orientar seus empregados que exercem função de chefia para que esse tipo de ação seja coibido. Contudo, infelizmente, há, hoje, muita omissão dos empresários no que se refere à prevenção e à punição do assédio moral.
A legislação atual prevê apenas a lesão física contra o trabalhador – e desde que motivada por fato relacionado ao emprego – como hipótese de equiparação a acidente de trabalho. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7.202/2010, de autoria dos Deputados Ricardo Berzoini (PT/SP), Pepe Vargas (PT/RS), Jô Moraes (PCdoB/MG), Paulo Pereira da Silva (PDT/SP) e Roberto Santiago (PSD-SP), que equipara o assédio moral à categoria de acidente de trabalho, para efeito da concessão de benefícios da Previdência Social, com a justificativa da importância da ampliação da proteção aos trabalhadores contra qualquer tipo de agressão diante da informação de que, de 2006 a 2009, os auxílios-doença acidentários para trabalhadores com transtornos mentais e comportamentais dispararam e a concessão do benefício saltou de 612 para 13.478, levando os técnicos do Ministério da Previdência a considerar a atualização da lista de doenças classificadas como acidente de trabalho para incluir o assédio moral.
No que diz respeito ao combate a esse mal ponto de vista da sociedade como um todo, enquanto a proposição não é aprovada, o combate de forma eficaz ao assédio moral no trabalho requer a participação de sindicatos, advogados, médicos do trabalho e outros profissionais de saúde, sociólogos, antropólogos e grupos de reflexão sobre o assunto. Isso porque a batalha para recuperar a dignidade, a identidade, o respeito no trabalho e a autoestima deve passar pelos representantes dos sindicatos, das CIPAs, das Organizações por Local de Trabalho (OLPs), das Comissões de Saúde, dos Centros de Referencia em Saúde dos Trabalhadores (CRST e Cerest), da Comissão de Direitos Humanos e dos Núcleos de Promoção de Igualdade e Oportunidades e de Combate a Discriminação em matéria de Emprego e Profissão que existem nas Delegacias Regionais do Trabalho.
Outro aspecto extremamente relevante para o assunto é a questão do Banco de Horas. Como sabido, o pagamento aos trabalhadores submetidos ao Banco de Horas é licitamente negado sob a promessa de folgas que só poderão ser gozadas de acordo com a conveniência para o empregador. Essa riqueza gerada pelas horas extras não pagas alimenta o lucro e usurpa a única riqueza que o trabalhador possui: sua força de trabalho. Por essa razão, podemos concluir que o Banco de Horas é uma forma de assediar materialmente o salário do empregado, subtraindo-lhe o pagamento das horas-extras, provocando queda na sua autoestima e caracterizando, consequentemente, o assédio moral.
Devemos lembrar que a nossa Constituição Federal tem como princípio basilar o da dignidade da pessoa humana, ferido quando ocorrem situações que caracterizam o assédio moral no trabalho, pois, além de ser este a fonte de renda do trabalhador, também é o berço de seus sonhos e realizações pessoais e profissionais. O basta à humilhação depende também da informação, organização e mobilização dos trabalhadores. Um ambiente de trabalho saudável é uma conquista diária possível na medida em que haja vigilância constante, visando condições de trabalho dignas, baseadas no respeito ao outro, no incentivo à criatividade e na cooperação.
*Assis Melo é dirigente da CTB e deputado federal pelo PCdoB-RS