Carpeaux: Alemanha, versos e fronteiras
A literatura alemã só desembarcou de mala e cuia no Brasil em 1963, quando o escritor e crítico Otto Maria Carpeaux aceitou “relutantemente” escrever e lançar um livro sobre o tema. A obra, História Concisa da Literatura Alemã, completa 50 anos em dezembro com uma oportuna reedição
Por Christiane Brito
Publicado 06/12/2013 16:15
O poliglota nascido em Viena, Otto Maria Carpeaux, naturalizou-se brasileiro em 1944 depois de ter sido um ilustre cidadão do mundo durante as guerras. O seu livro História Concisa da Literatura Alemã faz um resgate das raízes natais.

Otto Maria Carpeaux
Apesar da familiaridade com o assunto, já ao prefaciar a obra, o autor aponta as dificuldades do trabalho, esclarecendo que o “sectarismo ideológico” havia desfigurado a literatura de origem germânica.
Faz menção a católicos, protestantes, nacionalistas fanáticos e liberais, entre outros, disputando e se apropriando do legado em livros que expõem “preconceitos enraizados”, transmitidos de geração a geração.

Com essa perspectiva, muito além de traçar a linha do tempo das belas letras, Carpeaux cria um texto próprio, que apenas se debruça nas fontes bibliográficas e históricas para então mergulhar na análise e crítica.
Compara produções intelectuais na França, Inglaterra e Alemanha, e descreve autores, até então, desconhecidos no Brasil, casos de Thomas Mann, Brecht, Herman Hesse, para citar alguns. Max Weber, Marx, Hegel e Heidegger, entre muitos economistas e filósofos, também integram sua pesquisa.
Usa o talento narrativo para conceituar como quem conta história. Impossível desgrudar da leitura que, entre tantos méritos, ilustra como a alma de uma nação e seus mais secretos desígnios podem ser substancialmente compreendidos, e até antecipados, a partir do estudo da produção literária.
No primeiro capítulo, faz referência à indefinição geográfica que caracteriza a Alemanha, país “que nunca teve fronteiras certas”. Exemplifica, citando Kafka e Rilke em Praga, provas de que a Europa Oriental caracteriza-se por “grupos compactos de língua alemã vivendo em países que nunca pertenceram à Alemanha”.
Fronteiras geográficas e artísticas delimitadas, Carpeaux vai então conduzindo o leitor por águas nunca dantes navegadas, passando por Medievalismo, Humanismo, Reforma, Barroco e Racionalismo. Essa última escola marca, em 1700, a inauguração do melhor na literatura alemã, que cresce a partir daí, segundo o autor e outros especialistas.
Seguem-se Classicismo e Anticlassicismo, Simbolismo, Expressionismo e “Contemporâneos”, último capítulo, no qual o autor abarca desde o episódio nazista até “últimas tendências” (anos 1960). Carpeaux assina uma obra monumental para a época, porém a considera, com humildade de sábio, “um modesto serviço prestado à cultura brasileira”.
Para degustar a obra, segue reprodução de um trecho do capítulo “Pré-Revolução e Revolução”, no qual o Romantismo de Goethe deixa a cena para ser substituído por Heine (1797-1856), o coveiro dos românticos:
“Em 27 de julho de 1830, estourou em Paris uma revolução pela qual a dinastia dos Borboun foi deposta e expulsa. Os efeitos dessa revolução na França foram magros: manteve-se a monarquia e fortaleceu-se o domínio da grande burguesia. Na Alemanha, tudo ficou como estava. No entanto, a Revolução de Julho é de importância muito maior para a Alemanha do que para a França. Teve efeito de uma revolução tipicamente alemã: abriu uma discussão teórica.
Quando, na tarde do dia 2 de agosto, a notícia do acontecido chegou a Weimar, Eckermann foi incontinenti à casa de Goethe para consultá-lo sobre as consequências. O poeta também estava muito agitado, mas logo depois das primeiras palavras esclareceu-se o equívoco: Goethe pensava numa discussão na Academia das Ciências entre os biólogos Cuvier e Geoffroy St. Hilaire, que lhe parecia incomparavelmente mais importante. O episódio é significativo. A longo prazo, Goethe terá tido razão, pois daquela discussão nasceu o evolucionismo. Mas o equívoco também assinala o fim da época apolítica, alciônica, o fim do Biedermeier e do Romantismo. Goethe morreu em 1832. O poeta que muitos alemães saudarão, por novo equívoco, como seu sucessor, já não é classicista nem cientista como Goethe. Mas jornalista. Começa a época da imprensa, da burguesia. A época moderna da literatura alemã. Aquele poeta foi Heine”. (do livro História Concisa da literatura alemã, Faro Editorial, 2013)
Christiane Brito é jornalista