Flávio Arruda: Messias Pontes, o verbo lutar
Palavra, vocábulo, tom de voz, entonação. Eis alguns significados do substantivo verbo que bem poderiam representar a vida de um homem chamado Messias Pontes, que ontem encontrou a eternidade. Porque a palavra não morre. O verbo é sabedoria eterna, a expressão dita e feita quando a fala se liberta. E Messias era assim, dito e feito.
Por Flávio Arruda*
Publicado 10/11/2013 15:24 | Editado 04/03/2020 16:27
Dito sempre em voz firme e serena. Feito em todas as entonações, complementadas pelas mãos a emoldurar palavras inquietas, reveladoras, libertárias. Foram suas mãos que me chamaram atenção quando o vi pela primeira vez, ou pelo menos a primeira que lembro. Menino, minha família era vizinha da família da Nilma, sua esposa. Costumava brincar com seus filhos, Carlinhos, Márcia e Silvana. Nossas brincadeiras se juntavam às de outros meninos, como o André, filho do casal de lutadores que morava no terreno entre nossas casas. Era na casa do André onde mais brincávamos. Tempos bons aqueles. Mas tempos difíceis, cruéis, onde o verbo era silenciado e a liberdade encarcerada.
Na casa das brincadeiras o verbo se libertava. Não sabíamos bem na época, mas depois soubemos que aquela era mais uma morada onde se vivia do verbo resistir. Entre conversas e convencimentos, as mãos do Messias desenhavam as ações e reforçavam as medidas que o presente clamava. Meus irmãos e irmãs maiores eram parte daqueles que partilhavam seus indicativos. Jovens, partiram da casa para ganhar as ruas, o mundo. Junto com o jornalista de verbo combativo, ajudaram a fundar um grupo de jovens, a associação do bairro, a federação de bairros e nunca mais pararam de entoar as liberdades do povo. Ainda menino juntei-me a eles. O verbo chamava por nós.
Desde então, o Messias foi presença constante em nossas venturas. Quando sofri o acidente que quase me tirou a vida, as mãos eloquentes do amigo ergueram-se em solidariedade. Quando meu irmão Inácio fez mandatos da luta, os punhos cerrados e as letras certeiras do homem do verbo nunca lhe faltaram. Quando meu irmão Enéas partiu precocemente, suas palavras nos foram conforto e disposição. Quando qualquer um de nós precisou de palavras de coragem e amor pela vida, o homem fraterno sempre esteve na linha de frente.
Agora, quando as lágrimas me ganham o rosto em um terno lembrar, dedico ao amigo que se foi toda a certeza que não foi em vão. A ele, o descanso dado aos imprescindíveis. O luto dos teus familiares, amigos (as) e companheiros (as), camarada, em breve será a alegria contida na saudade. Em tua memória, sempre conjugaremos o verbo lutar.
Com pesar,
* Flávio Arruda (é militante comunista, pesquisador do campo de estudos das deficiências, autor de trabalhos sobre publicidade inclusiva e acessibilidade na política de mobilidade urbana)