Parlamentares planejam retomar a Comissão de Direitos Humanos
A disputa entre os representantes da bancada evangélica que hoje dominam a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e os parlamentares que sempre militaram na área caminha para novo round. Deputados que deixaram a comissão em protesto à posse do pastor Marco Feliciano (PSC-SP) se articulam junto às suas legendas e lideranças para insistir que não abrirão a guarda no próximo comando da comissão – que troca de presidência a partir de fevereiro de 2014.
Publicado 08/11/2013 17:09
O capítulo mais recente dessa crise, que resultou num retrocesso na discussão de questões referentes à área de direitos humanos no Congresso Nacional ao longo do ano, teve como estopim a decisão do presidente da Câmara, deputado Henrique Alves (PMDB-RN), de cancelar a subcomissão de direitos humanos instalada dentro da Comissão de Cultura da Câmara.
O cancelamento foi objeto de recurso apresentado pela presidenta do colegiado, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que ainda aguarda retorno, mas foi rebatida pelo presidente com o argumento de que a subcomissão “fere o regimento interno da Casa”, pensamento que é contestado por vários deputados.
Foi a primeira vez em que a presidência da Câmara interferiu diretamente no fechamento de uma subcomissão criada dentro de uma comissão técnica. Os deputados criticaram a postura do presidente Henrique Alves e a ingerência dos atuais membros da Comissão de Direitos Humanos no trato das questões que envolvem a área.
“A atitude mostrou mais uma vez que vivemos uma égide antidemocrática nesta Casa, mas por outro lado propiciou um clima que tem levado os militantes da causa a ter reuniões e manter entendimentos com as lideranças para mudar isso. A estratégia é impedir que a Comissão de Direitos Humanos continue nas mãos de pessoas que não estejam comprometidas com a causa”, afirmou o deputado Nilmário Miranda (PT-MG), criador da comissão, quase 20 anos atrás.
Miranda disse que, apesar de tudo, consegue ver como fatos positivos o engajamento de vários parlamentares em reação à conduta do pastor Marco Feliciano, o crescimento da Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos Humanos – que atua em paralelo na Câmara dos Deputados – e, o que considera mais importante, a conscientização por parte dos políticos e dos parlamentares sobre a importância da área de direitos humanos e dos trabalhos da comissão, motivos pelos quais a presidência precisa ser muito bem negociada “para receber alguém realmente comprometido com essa causa”.
De acordo com o deputado, o fechamento da subcomissão na Comissão de Cultura acabou ampliando a mobilização em torno do tema. Nilmário Miranda considera importante comemorar o fato de a Frente Parlamentar ter impedido que projetos considerados absurdos, objeto de promessas de Feliciano, progredissem. “Dentro do estrago que foi feito lá atrás, o momento é de colher os louros e se preparar para dar continuidade ao trabalho da comissão, da forma como sempre ocorreu, a partir de 2014”, enfatizou o parlamentar.
Medida arbitrária
A presidenta da Comissão de Cultura, deputada Jandira Feghali, disse que ainda espera uma revisão, por parte da Câmara, da decisão de extinguir a subcomissão. “Eu não cheguei sequer a ser ouvida pelo presidente desta Casa sobre isso e sei que, apesar dos argumentos apresentados por ele, esse tipo de interferência fere totalmente a autonomia das comissões técnicas e permanentes da Câmara, uma vez que o requerimento aprovado para criar a subcomissão obedeceu a todas as exigências regimentais”, acentuou.
“Considero isso uma violação ao meu trabalho e ao trabalho dos demais integrantes da comissão. Não há a possibilidade de se debater cultura no Brasil sem debater diversidade, direitos humanos, minorias quilombolas, indígenas, comportamentais. Isso é da cultura do Brasil", completou.
Jandira destacou ainda que as comissões permanentes da Casa possuem autonomia para criar até subcomissões temporárias, desde que o tema tenha conexão com o colegiado – o que é o caso da subcomissão de DH.
O deputado Jean Wyllys (Psol-RJ), que presidia a subcomissão, disse que a medida feriu diretamente a autonomia da Comissão de Cultura. O parlamentar conseguiu assinaturas dos presidentes de todas as comissões e entrou com um segundo recurso para reversão da decisão.
"A subcomissão era presidida por mim, com colegiado iniciado democraticamente, e tratava de temas importantíssimos, como as ameaças às culturas de matriz africana e/ou indígena e a inclusão social e a acessibilidade cultural", disse, ao chamar a atitude de “fundamentalismo religioso".
"Não é uma guerra de A ou B. Essa batalha é da democracia e da liberdade de nosso povo, que é diverso e plural. Permitir que a visão de mundo de um pequeno grupo de pessoas atropele direitos e liberdades individuais é dar vitória ao obscurantismo. A cultura está presente em vários dos tratados internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário. E a subcomissão funciona mais como um fórum político de debates, sem caráter deliberativo”, explicou.
“Invasão de prerrogativas”
Para o presidente da Câmara, Henrique Alves, a decisão de extinguir a comissão foi prerrogativa dele, amparada pelo Regimento Interno da Câmara e Regimento Comum do Senado. Alves disse ter atendido pedido do deputado João Campos (PSC-GO), por entender que a comissão de Cultura estava “invadindo as prerrogativas da Comissão de Direitos Humanos”.
João Campos – também autor do projeto referente à cura gay, cuja proposta é tratar a homossexualidade como doença – justificou que a medida precisava ser adotada. “Essa subcomissão foi criada por deputados com o desejo de criar um outro fórum, uma outra arena de discussão, sem enfrentar o debate na comissão permanente. Todos sabem que depois da posse do pastor Marco Feliciano, os deputados Domingos Dutra, Erika Kokay, Luiza Erundina, Nilmário Miranda e Jean Willys, em vez de permanecerem integrando o grupo e participando das discussões democraticamente, resolveram pular fora. Agora querem criar uma comissão paralela para discutir os mesmos temas?”, ressaltou.
Questionado sobre o argumento de que cultura e direitos humanos serem temas que exigem discussões transversais, o deputado desconversou e disse que entende como foro principal para as discussões a comissão de Direitos Humanos. “Seria importante se não houvesse essa briga e até implicância que vem sendo observada desde fevereiro deste ano. Nesse caso, o que se trata é de retaliação pura”, argumentou.
Pauta mínima
Na Comissão de Direitos Humanos, a pauta segue em passos lentos, bem diferente do ritmo de até dois anos atrás. Uma amostra dos trabalhos legislativos que estão sendo priorizados, por exemplo, são os itens incluídos para as reuniões desta semana, como um requerimento de autoria do pastor Marco Feliciano pedindo “moção de aplauso às autoridades brasileiras que atuaram na preservação da vida e integridade física do senador boliviano Roger Pinto Molina”.
“Não temos nada contra qualquer moção de apoio em relação a isso, mas só que a área de Direitos Humanos teria outras coisas mais importantes para tratar”, enfatizou o deputado Luiz Couto (PT-PB).
Também está em discussão esta semana projeto de lei que tem como relator o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) propondo a descaracterização de crime a recusa, em templos religiosos, de aceitar ou efetuar cerimônias de pessoas em desacordo com suas crenças e liturgias.
Da Redação em Brasília
Com informações da Ass. Dep. Jean Wyllys