Jandira Feghali: Roteiro da Paz  

Na última segunda-feira (14), o irmão de Cláudia Marinho de Lima, de 18 anos, viveu de perto uma estatística que vem assolando silenciosamente o Estado do Rio de Janeiro. Num terreno baldio de Campo Grande, na capital, a tristeza se fez presente. O jovem chocou-se com o fim de sua irmã: o corpo inerte, estrangulado com o próprio sutiã. A polícia civil vem apontando a autoria do crime a um companheiro de Cláudia.

Por Jandira Feghali*

Na outra ponta do Rio, em São Fidélis, município popularmente conhecido pela poesia fluminense, não é a metáfora que se faz presente desta vez, mas a realidade. Uma mulher de 44 anos fora violentada pelo marido a base de golpes, tendo como a principal arma um capacete de motoqueiro. Foi para o hospital desmaiada.

A mesma violência se repete em Campos, quase que no mesmo mês, num episódio tão triste quanto os outros. Na cidade do Norte Fluminense, uma operadora de caixa, de apenas 18 anos, havia sido agredida com um soco na boca e um chute na barriga. O responsável pelo crime é o próprio marido, de 25 anos.

Três casos num roteiro constante de múltiplas ações de violência doméstica, revelando um cenário brutal contra as mulheres. Assim como na capital, estes lamentáveis fatos se multiplicam como um vírus no interior, traçando um caminho de dor. É do Sul ao Norte Fluminense, embrenhando-se por comunidades carentes e áreas mais desprotegidas de investimento do poder público.

Esse aspecto ganha descomunal forma com os números do último Dossiê Mulher, publicado este ano pela Secretaria Estadual de Segurança Pública do Rio (SSP). O documento mostrou que em 2012, das 88.939 vítimas de lesão corporal dolosa, mais de 65% eram mulheres. Se falarmos sobre violência psicológica, entendida como ameaça de morte, das 82.763 vítimas, 66,7% eram cidadãs.

Se ainda ampliarmos o olhar sobre essas estatísticas, percebemos que os municípios mais distantes da capital – onde delegacias especializadas, centros de apoio e assistência se concentram – há um enorme número de crimes contra a mulher. Campos registrou 1.150 casos de mulheres ameaçadas, tendo Volta Redonda com 1.019 vítimas neste perfil e outros 926 casos em Petrópolis.

Na concepção da SSP, as regiões também que tiveram maior número absoluto de casos foram as que concentram os municípios de Nova Iguaçu, Mesquita e Nilópolis, na Baixada Fluminense, com 4.733 mulheres vítimas de ameaça, passando por São Gonçalo (3.571) e Duque de Caxias (3.301). Não é coincidência que estes municípios ainda sejam considerados com baixos índices de Desenvolvimento Humano pelas Organizações das Nações Unidas.

Trago estes números após um atento e sábio sinal amarelo dado pela atriz Maria Paula, em sua coluna publicada no Correio Braziliense, no domingo (6). Como ela bem registrou, faz-se urgente um chamado à consciência coletiva sobre direitos da mulher voltada às famílias de regiões mais carentes de nosso estado. Precisamos frear os casos de violência doméstica e feminicídio através da arma mais poderosa de todas: a educação.

O Brasil já tem um poderoso baluarte legislativo como ferramenta de combate a estes crimes. É a Lei Maria da Penha, que pude relatar enquanto deputada federal, aqui no Congresso Nacional, em 2006. É na defesa de gênero que essa lei, construída a muitas mãos da sociedade civil, possibilita instrumentos de repressão, punição e atendimento especializado às vítimas pelo Estado.

Assim como escreveu a atriz – não seria coincidência ter mais uma Maria como parceira neste processo – “Sinto que precisamos encarar os monstros de frente e tomar providências urgentes para reverter esse quadro”. É verdade, Maria Paula. Assim como você, nós, mulheres, parlamentares, gestoras, atrizes, médicas, professoras, donas de casa, empregadas domésticas ou, simplesmente, mães, também sentimos isso. É preciso uma junção de forças de todos os lados nesta guerra silenciosa.

Convido as entidades de luta, movimentos sociais, organizações da sociedade civil e qualquer outro parceiro empenhado a pensarmos uma grande campanha de conscientização pela aplicação da Lei Maria da Penha. Queremos ir da sala de aula ao pequeno casebre, explicando e estimulando nossas mulheres sobre seus direitos enquanto cidadãos deste país. Será um roteiro longo. Pela paz.

*É médica, deputada federal pelo PCdoB do Rio de Janeiro e presidenta da Comissão de Cultura da Câmara