Eric Nepomuceno: A Venezuela e seus labirintos
A Venezuela do presidente Nicolás Maduro está no olho da tormenta. Os dados oficiais do Banco Central mostram que em agosto a inflação chegou a 4,4%, e que o acumulado desde janeiro roça os 39%. Para as camadas mais pobres da população, e que conformam a maioria chavista, esse índice é ainda maior: 50% de janeiro ao final de agosto.
Por Eric Nepomuceno*, na Carta Maior
Publicado 19/10/2013 21:30
É menos da metade do índice entre janeiro e agosto de 1996, durante a presidência de Rafael Caldera. Mas é mais, muito mais do que a marca de qualquer um de todos os anos de governos de Hugo Chávez e da Revolução Bolivariana.
Os analistas que defendem modelos liberais ou neoliberais asseguram que esse é o resultado das falhas estruturais das políticas econômicas implantadas desde a chegada do chavismo, há 13 anos. Apontam como causa principal, embora não a única, o severo controle de câmbio imposto há uma década. O debate sobre a política econômica, em todo caso, não se restringe a esses analistas: também entre os próprios defensores do chavismo as divergências se fazem cada vez mais visíveis.
O país sofre com o desabastecimento de gêneros de primeira necessidade. Nicolás Maduro menciona uma ‘guerra econômica’, e não se trata de exagero de retórica. O empresariado venezuelano vem demonstrando, ao longo do tempo, uma resistência cada vez mais feroz quando se trata de investir no país. O governo de Hugo Chávez, por sua vez, não conheceu limites na hora de ampliar suas políticas sociais, nem sempre bem sucedidas, a um custo bilionário. Entre uma e outra causa, mas principalmente pela ausência de interlocutores entre o empresariado, o resultado é uma situação extremamente preocupante. As conseqüências se fazem cada vez mais visíveis na inquietação popular, no caos urbano de Caracas, nos índices crescentes de violência urbana.
Dentro do próprio governo começam a se instalar duas linhas por enquanto divergentes, mas que podem muito bem se fazer antagônicas. Agora mesmo, o ministro de Finanças, Nelson Merentes, e seu colega de Planejamento, Jorge Giordani, debatem acidamente o rumo a ser tomado na economia venezuelana.
Merentes defende uma flexibilização no controle de câmbio e na implantação de estímulos para a importação, sempre sem perder o controle por parte do Estado. Seria uma forma de combater o mercado negro do dólar (onde a cotação é quase oito vezes superior à do câmbio oficial), que está sendo usado como indexador de preços por partes significativas do comércio, turbinando a inflação.
Jorge Giordani, ministro do Planejamento, defende o contrário: diz que, diante do quadro de evidente convulsão, a melhor saída é aprofundar os lineamentos básicos da revolução bolivariana, regulando ainda mais o mercado de divisas no país. Restringir cada vez mais as importações, diz ele, seria a melhor maneira de estimular a produção nacional. Quem se dispuser a produzir terá acesso aos dólares necessários. Quem se dispuser a apenas importar, não.
No meio do turbilhão, o vice presidente Jorge Arreaza, genro de Hugo Chávez, tomou partido, defendendo que só se entregue dólares para a importação, controlada pelo Estado, de alimentos e remédios. Cálculos de analistas indicam que pelo menos outros 22 setores da economia ficariam fora da lista dos que podem comprar dólares no câmbio oficial. Além, claro, de quem pretenda viajar para o exterior.
Diante desse quadro, Nicolás Maduro optou por deixar claro que Nelson Merentes, apesar de ter perdido o posto de vice-presidente da área econômica – ainda merece o seu apoio. Disse que Merentes é o responsável pela engenharia financeira que deverá assegurar a viabilidade fiscal deste ano turbulento. Anunciou novos leilões de dólares para atender à demanda dos importadores. Vale recordar que a Venezuela importa 96% de tudo que consome, e que a fonte de ingressos de dólares, o petróleo, está cada vez mais comprometida graças aos robustos adiantamentos de importadores como a China. Quanto às reservas em divisas, a situação venezuelana é aguda: elas são suficientes para assegurar importações suficientes para apenas quatro dias, segundo os críticos mais críticos do governo. Os números oficiais sobre essas reservas não são divulgados pelo Banco Central venezuelano, com o argumento de serem dados estratégicos.
Enquanto prossegue o debate entre a linha mais pragmática, defendida por Merentes, e a mais ideológica, defendida por Giordani, Maduro trata de não se definir de maneira firme por nenhum dos lados. Afinal, e apesar das urgências, ele tem lá suas razões para isso. Além da pressa, há outros problemas estruturais sérios à espera de solução ou, pelo menos, de um caminho claro e viável. A questão da moradia, por exemplo, está longe de encontrar uma saída. Calcula-se que exista um déficit de dois milhões e 700 mil casas, numa população de 30 milhões de habitantes. As leis de inquilinato de 2011 trataram de assegurar direitos a quem aluga, deixando os proprietários praticamente sem defesa. Resultado: diminuiu drasticamente a oferta de imóveis no mercado, especialmente em Caracas.
Esse é um, e apenas um, exemplo do panorama que Nicolás Maduro contempla todos os dias ao despertar. Quadro político bem formado, ele sabe com clareza de todos os outros, que vão das divergências – por enquanto sem divisões ou fissuras, e não há sinais de nada disso no horizonte – entre as forças armadas que são seu principal pilar de sustentação à palpável preocupação entre os próprios apoiadores do chavismo na população.
É um cenário tenso. Para tentar combater os sabotadores e melhor se posicionar no que ele chama de ‘guerra econômica’, Maduro pediu ao Congresso, onde conta com maioria folgada, poderes especiais para governar por decreto durante um ano. Pode ser uma saída.
*Eric Nepomuceno é jornalista