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Renata Rosa: Rumo à paridade

Este ensaio apresenta o debate sobre o novo paradigma em curso na América Latina para as relações de poder entre homens e mulheres, em consonância com a discussão apresentada por Gomáriz 2000 sobre a proposta de Democracia de Gênero.

Por Renata Rosa*

De acordo com Vargas 2002, na América Latina, os movimentos feministas da segunda metade do século 20 apresentaram-se como um dos fenômenos subversivos mais significativos experimentados na região, por seu profundo questionamento aos pensamentos hegemônicos sobre as relações humanas e os contextos sócio-políticos, econômicos, culturais e sexuais.

Por compreender que experimentamos um processo contínuo de mudanças de paradigma no que se refere às relações de gênero e, levando-se em conta que em nosso continente, as diferentes faces do feminismo lograram empreender um movimento tático, de acordo com a conjuntura política de cada contexto específico, podemos afirmar que está em curso a efetivação de um novo tempo para a luta feminista, baseado no viés que predomina sobre o pensamento teórico latino-americano, fortemente crítico ao processo colonizador que balizou as relações desiguais de poder no continente, onde a exploração consolidou-se como um eixo estruturante nas nações aqui fundadas.

É neste contexto que apresentamos um novo debate, vinculado ao campo teórico feminista, sobre a proposta da Democracia de Gênero. A discussão parte do princípio de que é preciso definir um novo instrumento e um novo paradigma que convoque a sociedade como um todo para se transformar. Critica a visão de que a tomada de consciência precisa ser apenas feminina – não são as mulheres que precisam alcançar o patamar masculino; também os homens precisam rever sua condição, seu papel sócio-cultural. Assim, a proposta defendida pelos autores instaura um novo viés à luta feminista, defendendo a urgência de ampliação do grau de consciência masculino sobre a construção de sua identidade, para a articulação de um novo arranjo político que permita o desenvolvimento de uma nova perspectiva para o exercício do poder.

Todo este debate baseia-se na percepção de que mudanças efetivas vêm ocorrendo na vida das mulheres nos últimos 30 anos e, para que se possa avançar, faz-se necessário repensar estratégias e vias pela real emancipação de todas as mulheres ( somos muitas e somos diferentes!!!). Há consenso de que na sociedade contemporânea o ingresso das mulheres no mercado de trabalho e o maior acesso à escolaridade foram aspectos decisivos para redefinir seu lugar na sociedade e na família, entretanto, a persistência de desigualdades e assimetrias de gênero nas formas de organização da vida familiar, sobretudo em relação à distribuição das tarefas domésticas, envolvimento e responsabilidades com os cuidados interpessoais dos seus membros e ainda a tomada de decisões, como também o acesso aos espaços de poder demonstram que as estratégias da luta feminista precisam traçar um novo percurso tático, capaz de envolver a sociedade como um todo.

Como afirma Matos (2010), os feminismos latino-americanos estão vivendo um contexto próprio no século 21, experimentado a partir de novos padrões de mobilização, outras possibilidades para as ações feministas e formas alternativas de se relacionar com as instituições governamentais.

Inferimos que a consolidação de um novo paradigma, do ponto de vista da superação da subordinação das mulheres e pela democracia de gênero, requer alterações sócio-culturais na articulação da ação política governamental e é por isso que faz-se necessário também compreender a lógica de ordenação da economia do cuidado.

As sociedades latino-americanas não se democratizarão se não for desencadeado um processo pela democracia de gênero, banalizada no mundo privado, no tarefismo cotidiano instaurado pela economia do cuidado, negando às mulheres o direito de estabelecer no dia a dia, relações iguais de poder, na perspectiva de democratizar os múltiplos espaços e ambientes. A derrocada do patriarcado só se dará quando se der a transformação da outra metade do mundo.

Este conjunto de reflexões é estratégico quando nos deparamos com articulações por parte do Estado a fim de distorcer os avanços da luta feminista desencadeados em todo mundo, ao ressignificar padrões e códigos conservadores que se adaptam e se deslocam de acordo com os interesses hegemônicos, com o propósito de anestesiar ou mesmo anular as transformações sociais em curso.
Estudos diversos vêm desenvolvendo, há algum tempo, reflexões teóricas acerca do papel do Estado na constituição de identidades masculinas e femininas – com base nas ações estatais e políticas públicas em curso – e revelam como essas ações interferem no modo como são produzidas e reproduzidas as relações de gênero, de modo a conservar ou romper com padrões que operam pela naturalização da subordinação das mulheres.

Por essa razão, recorro também ao conceito de “State Feminism” que integra a dinâmica feminista desencadeada na América Latina nos últimos anos, por referir-se a um novo processo de institucionalização e legitimação da desigualdade de gênero como uma nova problemática na sociedade e no Estado, que precisa ser combatida e superada, conforme os termos de Guzmán (2001). Encontramos sua origem nos estudos feministas sobre o Estado do Bem-Estar Social na década de 1980, embora, ainda hoje, seu significado seja variado e não livre de controvérsias.

Experimentamos um novo posicionamento do Estado em relação às demandas do movimento feminista, ampliando o leque de diálogo e negociação, além da criação de novos canais de interlocução estatal, a partir das novas formas de organizações feministas, oriundas de processos crescentes de institucionalização e profissionalização das mesmas (Matos, 2010).

Alvarez (2000) reforça a compreensão de que, embora não exista uma unidade do pensamento feminista na América Latina e sim várias faces do mesmo, suas idéias e demandas foram incorporadas na região, normatizando e instituindo novos campos de debate e novos instrumentos governamentais, como as conferências e demais instância de participação e controle público, planos nacionais de igualdade, entre outros.

Entretanto, apesar deste novo cenário político para a luta feminista, alguns pontos estratégicos permanecem estancados, quando não bastante banalizados, no que se refere à tomada de decisões e ao acesso aos espaços de representação e poder político, bem como a eliminação de todas as formas de violência. Por isso é necessário avançar para uma outra fase, rumo à emancipação feminina, substantivamente e como uma conquista para toda a sociedade, e não exclusivamente para as mulheres.

E é esta característica que diferencia a proposta de Democracia de Gênero das políticas tradicionais: sua perspectiva e natureza totalizante, no sentido em que não se dirige exclusivamente à mulheres, mas convoca todo o conjunto da sociedade para seguir avançando até a emancipação de todas as mulheres.

A proposta de Democracia de Gênero não descarta a necessidade de espaços próprios para mulheres ou para homens, porém foca-se nas relações sócio-culturais com o propósito de se avançar até à paridade, de fato. A inovação paradigmática baseia-se na busca sistemática de incluir também os homens na tarefa e no compromisso pela emancipação.

Portanto, debater Democracia de Gênero, na perspectiva de instituição de um novo paradigma para as lutas do movimento feminista, implica em compreender a necessidade de uma ruptura definitiva com a velha tese de que o principal problema a ser superado refere-se ao déficit das mulheres em relação aos homens. Esta concepção de que as mulheres precisam alcançar um patamar já experimentado pelos homens é que precisa ser ampliada, não só superada: cabe também aos homens modificarem seus parâmetros de valores, papéis e atribuições.

Para concluir, compreendemos que os avanços para as lutas feministas, neste novo cenário político em desenvolvimento na América Latina, envolvem, imprescindivelmente, a inclusão progressiva dos homens para que se dê – de fato – um novo trato para a emancipação feminina e pela construção de uma nova consciência de identidade na sociedade, articulada às novas relações experimentadas entre os diferentes atores sociais e o Estado.

Elza Campos bem destacou: “É necessário enfrentar isso com postura ativa, iniciativa, exemplo (…) A Reforma Política é uma das bandeiras estruturais inscritas em nosso Programa Socialista (…)Dentre importantes propostas para uma efetiva reforma política democrática, avulta para nós o chamado voto em lista partidária fechada. Proposta à qual foi acrescida a necessidade da alternância de gênero, que entendemos ter sido encampada pelo PCdoB. (…) Ora, se um partido avançado admite compor uma instância representativa tão importante como uma bancada parlamentar com 50% de homens e 50% de mulheres (claro, cuja resultante eleita dependerá do voto popular), por que não pode ele, em suas direções principais, a começar o Comitê
Central (…) Concretamente, propomos avançar além do percentual de 30% de mulheres nas direções nacional e estaduais do PCdoB, rumo à paridade, a partir deste 13º Congresso. Isso demonstrará a vontade política das (os) comunistas de efetivamente se lançarem ao esforço de trazer mais mulheres ao processo dirigente, de apoiar, educar e formá-las para as lutas!” Por agora, somos todas Elza Campos!!!!!!

* Renata Rosa é militante do PCdoB-Minas Gerais