Thomas de Toledo: A centralidade da luta anti-imperialista
Quando Lênin formulou a teoria do imperialismo, identificou que a concentração da produção levou a economia mundial à formação de grandes monopólios, sob o controle do capital financeiro.
Por Thomas de Toledo*
Publicado 15/10/2013 18:14 | Editado 13/12/2019 03:30
Surgia a oligarquia financeira que passava a exportar capitais, a dividir o mundo entre trustes e cartéis e a partilhar o planeta em áreas de influências dos impérios a serviço dela. Das disputas por controle de fontes de matérias-primas e mercados consumidores, ocorreram conflitos e guerras mundiais. Em suma, o caráter econômico do imperialismo é a chave para se compreender a natureza dos conflitos atuais.
Os Estados Unidos estiveram entre os vencedores das guerras mundiais, a partir das quais saiu como credor dos países destruídos. Em 1945, desenharam seu sistema de dominação global na arquitetura financeira de “Bretton Woods”. O dólar tornava-se a referência internacional e os países submetidos à sua hegemonia criaram Bancos Centrais com reservas nesta moeda. Após crescentes déficits, os EUA decretaram a inconversibilidade do dólar perante o ouro em 1971. Esta moeda deixava de ter lastro, apesar de haver conquistado o mundo. Após a informatização das transações financeiras, o dólar se tornou simplesmente bits, como os US$ 17 trilhões, inventados para salvar os bancos após a crise de 2008.
Para submeter os países a esta lógica, o imperialismo estadunidense promoveu o endividamento externo. A dívida, em geral adquirida por desequilíbrios ou vulnerabilidades, vinha seguida de imposições de reformas estruturais. A mais importante era tornar o Banco Central “independente”, sob uma gerência supostamente técnica que, de fato, significa ser controlado pelo mercado financeiro. Deste modo, o país cede sua soberania na emissão de moeda, no valor do câmbio, nas taxas de juros e na composição de reservas, tornando-se sócio menor da rede de dominação que tem na cabeça o Banco Central dos EUA (FED).
Quando Bush anunciou a primeira versão do chamado “eixo do mal”, ele era formado por Irã, Iraque, Coreia do Norte, Cuba, Líbia e Síria. A “coincidência” era que nenhum destes países tinha até então o seu Banco Central “independente”. Hoje, os governos do Iraque e da Líbia foram removidos pelos EUA, e está em andamento uma guerra contra a Síria.
O conflito na Síria não é uma “guerra civil por democracia” contra um “ditador sanguinário”. Ao contrário, trata-se de uma intervenção estrangeira muito bem planejada. Os objetivos são reduzir a influência russa na geopolítica do gás e petróleo, redesenhar o mapa do Oriente Médio com regimes dóceis e executar doutrinas intervencionistas. Caso a Síria caia, o alvo imediato será o Irã.
Esta guerra envolve três conceitos do imperialismo atual: 1) Responsabilidade de Proteger (intervenção em países que supostamente violam direitos humanos); 2) Guerras não convencionais (empregando mercenários, fanáticos religiosos, jovens indignados e o poderio midiático para inverter os fatos em favor do plano); 3) Mudança de Regime (incentivando golpes, mobilizações de ruas e protestos a partir de redes sociais).
Tal processo de “mudança de regimes” está em andamento em todo o mundo. Começou com as “revoluções coloridas” no Leste Europeu; seguiu ao Oriente Médio com a manipulação da “primavera árabe”; avançou para Ásia, chegando à China (aonde o próprio presidente vem travando uma disputa ideológica na sociedade); e, finalmente pousou na América Latina.
No contexto em que a região segue com experiências democráticas e aprofunda sua integração à revelia dos Estados Unidos, governos “não alinhados” passam a ser alvos de golpes (como Honduras e Paraguai) e de grandes manifestações, supostamente espontâneas, porém convocadas com perfis oposicionistas muito similares. Isto ocorre especialmente na Argentina, Venezuela, Bolívia, Equador e agora no Brasil.
Algumas coisas chamam a atenção nos protestos brasileiros: 1) As manifestações começaram quando o Governo Federal passou a intervir na política monetária, reduzindo os juros aos patamares mais baixos da história; 2) As chamadas às manifestações foram muitas vezes clandestinas e pautadas por mascarados em ambientes virtuais; 3) A imagem do Itamaraty em chamas, o ataque à Copa do Mundo e o ressurgimento de movimentos fascistas parecem dar pistas de quais interesses estão sendo atendidos; 4) A confusão sobre a origem, o caráter, os organizadores e os objetivos dos protestos geram análises contraditórias e interpretações pouco precisas, mas auxiliam o objetivo principal: dificultar o entendimento do quadro geral.
Sem dúvida, muitos desses movimentos têm origem espontânea. Mas a condução e a linha política deles se encontram em disputa, pois o inimigo tem o controle da mídia privada, da internet e das redes sociais. Coincidentemente isto ocorre no contexto no qual veem a tona as denúncias de espionagem que mostram que o Brasil foi um dos países mais vigiado no mundo.
No próximo ano está em disputa a manutenção dos avanços do último decênio, que foram as bases para um projeto nacional de desenvolvimento com democracia e distribuição de renda, e uma política externa soberana, multilateral e com ênfase na integração latino-americana e com os países emergentes (especialmente os BRICS). Porém, é preciso ter clareza de que nos marcos da atual composição de forças, sob a hegemonia do PT e do PMDB, o Banco Central continua “autônomo” e o país mantém o nefasto tripé macroeconômico neoliberal (juros altos, superávit primário e câmbio flutuante). Pior, se compromete a destinar cerca de 47% do Orçamento Geral da União nos gastos com a dívida pública, o que totaliza uma sangria anual de mais de R$ 1 trilhão. Em algum momento será necessário romper esta lógica, construindo uma nova correlação de forças.
Como se pode observar, o mundo hoje está em um cenário de guerras travadas de diferentes formas, mas com um inimigo em comum: o imperialismo. Se na Síria ocorre uma invasão estrangeira disfarçada de “guerra civil”, em muitos países existem operações bem articuladas de “mudança de regime” sob o véu de “protestos pacíficos”. Portanto, a arma mais poderosa que as forças anti-imperialistas possuem é a luta pela paz e a solidariedade aos povos agredidos. Hoje, a instituição que no Brasil cumpre esta tarefa revolucionária é o Cebrapaz.
* Thomas de Toledo e Membro da comissão Nacional de Relações Internacionais do PCdoB.