Jairo Junior: O valor dessa gente bronzeada
As Teses apresentam, penso eu, duas lacunas que se não reduzem sua profundidade, mostram que ainda há certos temas que carecem de maior atenção de nossa parte…
Por Jairo José Junior*
Publicado 08/10/2013 09:39 | Editado 13/12/2019 03:30
Refiro-me a ausência no balanço, dos dez anos de governo Lula/Dilma, dos importantes avanços na temática da igualdade racial e combate ao racismo. Ocorreram conquistas importantes que merecem destaque em qualquer avaliação que se faça deste período.
Outra questão que considero abordada de forma insuficiente é sobre a África. Tratada no II Tema em apenas um parágrafo, o de nº 62. A importância de o Partido conhecer e se envolver com a questão africana é participar do combate a visões elitistas e eurocêntricas presentes na sociedade brasileira. É reforçar nossa identidade histórica e articula-la com a luta pela emancipação social da imensa maioria dos brasileiros, quase todos negros descendentes de africanos. O racismo é um fenômeno cujas dimensões transcendem a nossa consolidação enquanto nação e esta ligada a espoliação colonial da África e a construção de um sistema que esteve na base da acumulação primitiva do capital e da expansão mercantil do capitalismo.
Com o fracasso do neoliberalismo em todo o mundo, a frágil legitimidade de vários governos africanos e a influência de revoltas populares que vem do norte, está estimulando de forma fragmentada, ainda, movimentos em prol de mudanças políticas que possuem características novas, distintas das que haviam marcado os processos de emancipação política no passado recente.
O PCdoB tem condições de contribuir, através do estreitamento de relações político partidária com esses movimentos e partidos, buscar o intercâmbio e a troca de experiência, da busca do aprendizado comum, na troca de opiniões e propostas. Isto exige, evidentemente, conhecimento da realidade africana e a ausência de intenções de exportar modelos ou ensinamentos artificiais.
As várias iniciativas do governo federal, do qual fazemos parte, dirigidas a países africanos e ao continente como um todo, no quadro de um estreitamento de relações diplomáticas e econômicas não nos pode ser indiferente. Entendo que tais relações precisam sofrer nossa critica para que aponte no sentido de parcerias para o desenvolvimento com ações de longo prazo e duradoura.
E por fim, aqui no Brasil, considero que o PCdoB precisa ficar mais atento a questão racial. É urgente se ocupar mais com uma situação que, em minha opinião, sempre foi entrelaçada com a questão de classes em lutas.
Num olhar mais atento, em especial no âmbito da chamada “nova classe média” verá que uma parte menor dela é composta por negros. Uma atuação bem conduzida e articulada poderá redundar em um importante reforço ao processo de luta por mudanças necessárias e a implantação de reformas estruturais.
A chamada “classe média” tem crescido em termos relativos e absolutos. Segundo dados do Ipea, a quantidade de negros pertencentes à “classe média” ainda é pequena. Apesar disso, a “classe média negra” das capitais brasileiras teve um crescimento relativo de 10% entre os anos de 1992 e 1999, chegando ao patamar de um terço da “classe” média brasileira.
Ainda a partir de 2000 podemos verificar que a mobilidade social ascendente para a população negra continuava limitada, e entre os fatores negativos gerados pela sociedade racista e capitalista estava à dificuldade de conversão da educação formal em posições ocupacionais compatíveis. O acesso à universidade ainda era nó górdio no processo inclusivo.
Em 2001, 64% da população negra do Brasil estava na “classe baixa”. Hoje, esse percentual caiu para 38%. Nos últimos 10 anos, comparando com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011, os negros brasileiros passaram a responder por 51% da “classe média” do País, com renda per capita que vai de R$ 291,00 a R$ 1019,00. (1)
Percebe-se a par disso, numa constatação ainda empírica, que os negros que atingiram a chamada “nova classe média” brasileira se sentem mais frustrados com a situação do país. Formam, por exemplo, um contingente razoável dos participantes das passeatas de junho. Além de constatarem obviamente a permanência do racismo, ainda enfrentam de forma velada as opiniões da mesma “classe média” que julgam esses, estarem sendo favorecidos de mais pelas políticas de ação afirmativas. Não só certa hostilidade racial continua presente, como as “conquistas” dos negros do sexo masculinos de “classe média” ainda os colocam em posição bem inferior aos brancos.
No nosso país os negros (as) ainda vivem uma história de racismo, mesmo que tenham um padrão de consumo de “classe média”. Em pesquisa de uma tese de doutorado recente todos os entrevistados fazem questão de afirmar que, mesmo tendo um padrão de consumo de “classe média”, são descriminados.
O quadro que se apresenta em evolução nos mostra os “afrodescendentes” integrantes da “classe média” brasileira atual com acesso melhorado, à educação, informação, e por que não, consumo. Mas esses negros oriundos de camadas populares, de posse de diploma universitário, em cargos e postos de trabalhos intelectuais e não manuais, despregando-se dos padrões estéticos da classe proletária, estão em seu cerne remoendo inadequações, sentindo a perda de identidade e em busca de novos desafios que devem e podem projetar alternativas ideológicas. Afinal o “bem vindo” sucesso no capitalismo passa a ser a porta de entrada da media medíocre da aceitação submissa, de um status quo que só interessa aos detentores de um poder num estado racista e discricionário.
O PCdoB, repito, é fundamental como elemento estimulador deste questionamento e revolta, para que possamos elevar o grau de consciência desses descontentes, buscando dar-lhe perspectivas de uma luta verdadeiramente transformadora.
*Jairo José Jr. É Membro do Comitê Municipal do PCdoB Paulistano.