A transmutação do fascismo: a matriz midiática
O fascismo possui várias facetas e muda conforme as épocas para novas formas de dominação como a referente aos meios de comunicação de massa, presentes nas mais recentes tentativas de desestabilização promovidas pela direita contra governos progressistas na América Latina.
Publicado 05/10/2013 07:11
Participantes do 1º Encontro Internacional Antifascista, convocado em Caracas no transcurso do 40º aniversário do golpe de Estado no Chile, puseram a descoberto este processo de transmutação experimentado pelo fascismo desde sua criação nas primeiras décadas do século 20: uma de suas caras mais relevantes na atualidade deriva de sua matriz mediática.
De acordo com o jornalista e catedrático espanhol Ignacio Ramonet, o papel dos meios de comunicação nos golpes de Estado executados na América Latina, evidencia a manipulação como uma das especialidades do fascismo, bem como a fascinação pelo controle dos meios.
Ao fazer uma narrativa histórica desta manifestação política, Ramonet recordou a vinculação desde cedo entre fascismo e imprensa: assim, por exemplo, o ditador italiano Benito Mussolini -criador desta vertente ideológica – utilizava seu jornal para mobilizar massas e criar massas antiprogressistas, precisou.
Mais tarde, os nazistas na Alemanha – com Adolph Hitler, grande admirador de Mussolini – desenvolveram um sistema midiático, onde se destacou a propaganda com um ministro como Joseph Goebbels que utilizava os meios para manipular as massas.
Sobre esse ponto, o catedrático espanhol recordou que desde suas origens "a comunicação e a manipulação da mesma constituiu uma das especialidades do fascismo".
Não obstante, diferentemente da Europa, onde – segundo Ramonet – os meios de comunicação eram impulsionados historicamente pelo Estado, na América Latina por tradição estadunidense estes se desenvolveram a partir de iniciativas e capital privados.
Por isso, esse caráter privado será característico da guerra midiática à qual assistimos há 40 anos, que começou com o golpe de Estado contra o presidente chileno Salvador Allende e não terminou, disse o jornalista.
Como demonstração mais recente de seus argumentos, citou a campanha midiática que contribuiu em 2009 para a derrubada do mandatário hondurenho, Manuel Zelaya, ou o caso do Paraguai e o golpe parlamentar contra o presidente Fernando Lugo, em 2012.
Em todo este período a imprensa se tornou a expressão das oligarquias que já dominavam estes países, com todos os seus recursos como a terra, o comércio, a banca e até o próprio poder, explicou o catedrático ao recordar a posse dos meios de comunicação de massas por tais classes como elemento de propaganda de suas próprias ambições.
Daí que vemos – especificou – uma América Latina onde os meios pertencentes aos grupos de comunicação privados se jactam de ter feito e desfeito governos, posto e deposto presidentes, e que fazem parte do poder tradicional, das oligarquias e burguesias que se consideram donas naturais do país.
Assim, procura-se transmitir a impressão de que é normal que a burguesia governe porque o país sob esta visão lhes pertence, e por isso quando a maioria pobre e explorada acede democraticamente ou chega por qualquer circunstância ao poder e aspira à redistribuição da riqueza mal repartida para acertar a dívida social, então não se aceita este tipo de partilha.
Desde esse momento põe-se em marcha o mecanismo do golpe: na América Latina nenhum governo com vontade de mudança social – exceto Cuba desde 1959 – conseguiu manter-se no poder antes do triunfo do presidente Hugo Chávez na Venezuela, explicou Ramonet, ao denotar a significação da Revolução Cubana e Bolivariana para o despertar do continente.
Por sua vez, o vice-presidente boliviano, Álvaro García Linera, manifestou que o fascismo tem tido muitas caras: a princípios do século 20 era um fascismo expansionista que invadia, na década de 1960 e 1970 era um fascismo golpista-militarista, dimensionou.
Hoje não há nem o rosto do invasor nem o rosto da ditadura militar, hoje há outro rosto: além da conspiração econômica, financeira, existe a midiática: É fascismo, mas sob novas formas, detalhou.
Conhecedora da cara midiática do fascismo, a ex-chanceler hondurenha, Patricia Rodas, expressou que esta vertente política "se transforma em expressões específicas que se transladam do ultramar para nosso continente com a intenção de esmagar todos os processos de transição e transformação democrática em curso".
Para tal fim, o fascismo então começa a mudar e a procurar novos mecanismos de dominação e de extravio mental que correspondam a essas novas formas de manifestação social que vão aparecendo, asseverou em declarações à Prensa Latina.
Nesse sentido, a ex-ministra de Relações Exteriores do derrocado governo de Zelaya fez notar também a evolução dos métodos do fascismo desde os clássicos golpes militares para outras vias desestabilizadoras na atualidade como a guerra econômica e sobretudo na esfera mediática.
Tal estratégia é explicável se se entende que com a chegada dos novos tempos e das transformações sociais as armas de agressão fascistas evoluem e se transformam enquanto evoluem e transformam os setores que pretendem agredir, precisou.
Desse modo, quando vimos a queda das ditaduras militares isso não quis dizer que desapareceram a repressão e os mecanismos de perseguição, mas que esta se transformou em outras formas como a manipulação midiática, denunciou.
É do modo que começamos a receber notícias e realidades deformadas e começou-se a injetar preconceitos a cidadãos de uma mesma sociedade que padecemos os mesmos males e se aprofundou na estigmatização do que é diferente ou de propostas inovadoras, agregou.
Inclusive a política de difamação, mentira e engano converte-se em uma cultura de ódio, tudo isso através dos meios de comunicação com seus respectivos mecanismos de formação de consciência para manter sob seu domínio do terror setores importantes da população, expressou Rodas.
Acrescentou que a estratégia do terrorismo midiático pretende a divisão e desintegração social mediante o ódio: "com isso se aspira a destruir esse tecido que fundamentou os Estados-Nação e a necessidade de nos integrar não só como sociedade como um com o outro, e de reconhecer as lutas de um continente e de nossos próceres".
Não obstante, contra esse mal atualmente luta-se pela integração de nossas pátrias latino-americanas, para conseguir uma forma de associação continental que não seja excludente e permita a eliminação do preconceito e do temor como base fundadora das grandes contradições que ameaçam o século 21, afirmou.
A este respeito, considerou vital a solidariedade continental entre os povos pois só assim poderá ser enfrentado com sucesso o fascismo em qualquer lado que este se encontre, dimensionou.
*Do correspondente da Prensa Latina na Venezuela